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3. RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS DO CINEMA NEGRO BRASILEIRO

3.2. As disputas do campo audiovisual: racismo e poder em questão/tensão

3.2.4. Políticas públicas de fomento destinado ao realizador negro

Todos os cineastas entrevistados colocam-se numa posição favorável a criação de políticas públicas direcionada ao profissional negro ou negra do campo audiovisual. O diretor mineiro André Novais Oleira considera uma proposta importante, principalmente, pelo momento no cenário contemporâneo em que estão emergindo vários jovens cineastas afro-brasileiros.

Eu acho muito importante. Até o Gabriel mesmo ele tem um projeto da Filmes de Plástico que ele dirigiu que acabou sendo contemplado pelo curta afirmativo. Acabou que ele ficou em terceiro suplente e acabou que deu uns problemas nos projetos que estavam na frente e ele acabou sendo chamado. E a gente fez o filme e ele está quase pronto, se chama Nada59. E

tá finalizando o filme e o Gabriel mesmo mandou um projeto de longa para o BO afirmativo e está esperando o resultado. [...] Essas políticas vêm de encontro ao momento que a gente está vivendo, que você mesmo comentou, que está surgindo vários cineastas negros. É uma coisa que eu noto no Minas Festivais conversando com várias pessoas, pipocando de realizadores negros em vários lugares, sabe. Eu acho muito interessante esse tipo de política. Precisa sim. (OLIVEIRA, 2016)

Viviane Ferreira defende veemente a instalação de políticas públicas no audiovisual para profissionais negros e negras. Tendo como fundamento – que ela considera “marco zero” – a lei 10.639/2003, uma marco no campo educacional ao instituir a obrigatoriedade dos ensinos da história da África e da cultura afro-brasileiras nas escolas brasileiras. Considera que da maneira que está estruturado o modelo de fomento contribui ou reforça as disparidades entre cineastas negros e brancos de classe média e alta. Segundo a cineasta, a divisão dos recursos deveria refletir a diversidade racial do país, considerando a população indígena, cigana, etc.

59 O curta-metragem Nada (2017), de Gabriel Martins – outro jovem cineasta negro desta nova geração –, foi um

projeto contemplado no edital Curta Afirmativo 2ª edição, estreou no Festival de Cannes, na mostra paralela Quinzena dos Realizadores, deste ano.

As políticas afirmativas no Brasil sobretudo no setor audiovisual são extremamente necessárias, elas são cruciais. Sou defensora das ações de políticas afirmativas mesmo, sou uma das figuras que me coloco na ponta de articulação por políticas de ações afirmativas no nosso país. Defendo e defendi a existência do curta afirmativo e do longa afirmativo. Acho que Ancine precisa caminhar e olhar pra como a gente pode trabalhar com ações afirmativas nos Prodavs, nos Prodecines, porque tem uma parcela muito grande de população de fora. Tem uma parcela muito grande parcela da população que precisa se ver, se enxergar, que precisa ter o direito de falar de si, de falar sobre si. E aí não dá para o estado ter a Ancine como cão de guarda dos recursos do audiovisual sem permitir que ele seja distribuído de uma maneira equânime. Como você garante equidade nos recursos do fundo setorial do audiovisual? É preciso pensar na diversidade racial desse país, é preciso pensar em ações afirmativas considerando a densidade populacional negra considerando a existência populacional indígena, considerando os ciganos que transitam nesse país. É importante você pensar os recursos do estado a partir da diversidade étnico-racial do estado. A maneira como esses recursos têm sido geridos eles acabam contribuindo pra grande fosso, um grande fortalecimento das assimetrias raciais, e a gente só vai conseguir reduzir essas assimetrias, só vai conseguir dar um passo adiante se a gente consegue estabelecer aí um marco zero. Eu acho que a lei 10.639 ela estabelece um marco zero para as políticas educacionais do país. A partir da 10.639 não tem como você pensar educação nesse país sem pensar cultura africana e cultura afro-brasileira. De 2003 pra cá ninguém mais pode se formar nesse país sem a conexão com essas culturas, é um marco zero.

Acho que para o audiovisual o curta afirmativo é o nosso marco zero. Depois do curta afirmativo, depois dessas duas edições do edital ter mostrado pra gente a demanda de cineastas negros que tem nesse país, a gente não consegue mais dizer exatamente quantos nós somos porque somos muitos. Somos diversos, não nos conhecemos todos, e isso é muito bom, o estado tem que dar conta disso. Acho que o curta afirmativo é nosso marco zero. E a partir do curta afirmativo não tem mais cabimento nenhuma política audiovisual nesse país sem que tenha ações afirmativas. E aí não dá pra Ancine argumentar que a política de regionalidade e distribuição regional dos recursos ela é uma política de ação afirmativa da perspectiva racial porque quando ela distribui regionalmente ela está falando com o homem branco do sudeste, o homem branco do nordeste, o homem branco do centro oeste e o homem branco do sul do país, não chega na gente. Não chega. E a Ancine sabe que não chega. Essa é uma batalha do nosso tempo quando a gente olha para os recursos audiovisuais e não consigo enxergar uma outra ferramenta de interferência nas políticas de estado que não sejam ações afirmativas nesse momento. (CRUZ, 2016)

Para Larissa não existe ainda no país de fato uma política pública para realizadores negros. Ao se referir as iniciativas dos Editais Curta e Longa Afirmativo do Minc/SAv/SEPPIR, segundo ela, foram ações pontuais, não uma implementação de uma política de fato. Destaca a iniciativa do Spcine, da secretaria de Cultura da prefeitura municipal de São Paulo, em que o conceito de políticas de inclusão ampliou para além da categoria de raça/cor. A propostas estende-se a mulheres, portadores de necessidade especiais, LGBTs. E ressalta a necessidade de permanecer em luta até que essas iniciativas se configurem como política pública para no campo audiovisual.

Sobre políticas púbicas direcionados para produtores [negros], de fato, ainda é uma exceção. Isso é bem problemático. A gente vai ver algumas ações que aconteceram em 2012, uma gama de editais direcionados a produtores negros da SEPPIR e o Minc que abarcou diversas áreas: literatura, cinema, pesquisa, artes visuais. Enfim, uma gama... e esse edital que foi embargado, é importante lembrar e relembrar esse processo. Em 2014, foi relançado o mesmo edital. Esse ano teve o “Longa Afirmativo” com três realizadores apenas (ela se refere a quantidade de prêmios), que até o momento não saiu a homologação. É... a gente compreende a estrutura, né, isso dentro do audiovisual. E aí tem a SPcine está no seu momento muito interessante, que tem realizado dentro do seu próprio edital políticas afirmativas para diversos

campos: mulher, negro, LGBT, e por aí vai. Então, tudo é muito uma ação. Não é uma política pública.na verdade não há uma política pública para a questão racial dentro do campo da cultura. E isso é fato. Então é muito mais ações pontuais que até o momento a gente precisa lutar para permanecer e se estabelecer como política pública que é uma questão muito mais conjectural. (ANDRADE, 2016)

O cineasta capixaba, como todos os outros, considera que iniciativas como essas são importantes e é uma oportunidade de garantir que estas populações ou esses grupos sociais tenha condições de criarem suas próprias narrativas. Corroborando mais uma vez com a Larissa, lamenta que estas iniciativas ainda estejam estabelecidas nas esferas fomentadoras do audiovisual nacional. Porém, apesar de concordar com as políticas de Ações Afirmativas para setor cinematográfico, Edson ressalta também, que os projetos precisam ser qualificados para terem acesso ao recursos público, não apenas por estarem enquadrados na faixa deste grupo considerados minorias.

Eu vejo com bons olhos, obviamente que essas iniciativas são fundamentais porque existem... existe um campo onde... principalmente no Brasil onde negros, mulheres, comunidade LGBT têm muito a dizer, e tem muito a dizer de uma maneira que o Branco não tem, o hétero não tem ou o homem não tem e é fundamental que isso exista. Eu só lamento que isso é uma iniciativa ainda muito pequena, são poucos. O edital de longa por exemplo (o afirmativo) vai premiar três projetos no universo de não sei quantos realizadores no Brasil.

Então eu acho que é uma iniciativa embora válida, necessária tanto de curta quanto de longa, mas ainda muito pequena. E me causa uma preocupação em vista desse novo momento político que nós estamos vivendo, onde você tem um poder executivo federal que não é sensível a essa causa assim como não é sensível para causa nem das mulheres e nem da comunidade LGBT, de se tornar menos ou inexistente. Sinto falta no espírito santo de se ter isso, principalmente nos editais da Secult, de se ter uma fração desses seis curtas que são contemplados para curta de ficção para realizador negro, para mulheres e para os LGBT. Sinto essa falta para documentário também.

Então as iniciativas são muito boas, são ótimas, são válidas, são necessárias, mas elas ainda estão em um campo muito do mérito de que você precisa provar que você merece ganhar, vamos dizer assim. Claro, você realmente precisa porque é o dinheiro público e você precisa ...você não pode só fazer... fornecer essa verba para o negro porque ele é negro sem ele ter um projeto de qualidade. Mas eu sinto que há uma necessidade de que houvesse um olhar mais cuidadoso para esse público. (CRUZ, 2016)