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Elba Ravane Alves Amorim 6 Mestra em Direitos Humanos

Associação Caruaruense de Ensino Superior – ASCES UNITA INTRODUÇÃO

Passaram-se 193 anos desde que os dois primeiros cursos de Direito foram criados no Brasil. A Lei de 11 de agosto de 1827 estabelecia no Art. 1.º que “Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras [...]”7 (BRASIL, 2020). Na ocasião, a norma que criava em Olinda e São Paulo os primeiros cursos jurídicos, já apontava os conteúdos que deveriam compor a matriz curricular da formação dos juristas do país, a saber: 1.º Ano: Direito Natural, Público, Constituição do Império, Direito das Gentes, e Diplomacia. 2.º Ano: Direito Público Eclesiástico. 3.ºAno: Direito Pátrio Civil, Direito Pátrio Criminal e Teoria do Processo Criminal. 4.ºAno: Direito Mercantil e Marítimo. 5.º Ano: Economia Política, Teoria e Prática do Processo adotado pelas Leis do Império (BRASIL, 2020).

Observa-se que o foco da formação era a técnica permeada pela dicotomia teórica entre o público e privado, sob a égide das estruturas normativas do Direito Constitucional para organizar e legitimar a ação do Imperador, Direito Mercantil e Marítimo para regulamentar os negócios, Direito Penal para o controle social das condutas dos sujeitos e Direito Civil para regular a vida da família.

Atualmente o processo de formação acadêmica nos Cursos de Direito é orientado pela resolução nº 05/2018 do Ministério da Educação que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito.

O artigo 5º observa a necessidade de priorizar a interdisciplinaridade e destaca três eixos: “Formação geral [...] Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia; Formação técnico-jurídica, [...] Teoria do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual; Direito Previdenciário, Formas Consensuais de Solução de Conflitos; e Formação prático-

6Email: elbaamorim@asces.edu.br - (81) 99475-3172 7Texto original de 1827.

profissional, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nas demais perspectivas formativas, especialmente nas atividades relacionadas com a prática jurídica e o TC”.

O Direito das Famílias é ramo do Direito Civil que se entrelaça com diversos outros ramos da ciência jurídica, bem como, com outras ciências a exemplo da Pedagogia, Antropologia, História, Medicina por exemplo, sendo necessário, pensar e repensar práticas pedagógicas e metodológicas, nesse sentido, o uso das metodologias ativas tem sido instrumento para o processo de ensino e aprendizagem no qual o/a estudante é o/a protagonista.

O relato tem objetivo geral apresentar a experiência do uso da realização de Sessão STF para o processo de ensino e aprendizagem na disciplina de Direito de Família. Foram objetivos específicos: 1. Descrever os processos de preparação, orientação, conteúdo abordados e realização da sessão simulada. e 2. Discutir os resultados da experiência.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Boaventura de Sousa Santos (2014, p 39), ao discorrer sobre a urgência do que ele denomina de Revolução Democrática na Justiça, o que seja, um direito que sirva aos interesses do povo e não das elites, salienta para a urgência da mudança na cultura jurídica e enfatiza como vetor desta, a “[...] revolução na formação jurídica, desde as faculdades de direito até à formação profissional; nova concepção de independência judicial; uma relação do poder judicial mais transparente com o poder político e os media, e mais densa com os movimentos sociais e organizações sociais; uma cultura jurídica democrática e não corporativa.” (Grifo nosso)

Para mudar a cultura jurídica através do processo de formação, é preciso repensar a forma como ensinamos e quais ferramentas utilizamos, além de refletir sobre o que ensinamos com os conteúdos que ministramos, é preciso refletir sobre o que ensinamos com as nossas práticas pedagógicas.

Isso porque, para além do conteúdo que consta no currículo, há o que denomina-se de currículo oculto e este não pode deixar de ser objeto de reflexão. Por currículo oculto Sheila Christina Neder Cerezetti e outros/as (2019, p.11) assinalam que são: “[...] conteúdos que, embora não formalmente categorizados como saberes a serem aprendidos (ou seja, como conteúdo programático), são informal e sistematicamente reproduzidos num determinado espaço educacional.” Sobre currículo Moreira (2001, p. 11), que destaca: “[...] constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades tanto para desenvolver os

processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis.”

Dentre as diversas abordagens sobre o currículo, Antônio Flávio Barbosa Moreira (2001, p. 12) observa que na concepção dominante “[...] currículo é visto como o conhecimento tratado pedagógica e didaticamente pela escola e que deve ser aprendido e aplicado pelo aluno”. A partir dessa concepção o currículo é organizado contendo um rol de conteúdo programático que reproduz normas e teorias explicativas sobre elas. De modo que não basta como docente, preocupar-se em ministrar o conteúdo programático sobre Direito das Famílias, é preciso pensarmos quais profissionais formamos a partir das práticas e abordagens que adotamos.

Se a nossa postura é apenas de transmissor/a e não de escuta, é de imposição de concepção e não do diálogo com as diferenças, e o/a estudante fica no lugar de subalternidade de quem não detém ainda o conhecimento jurídico, essa posição pode ser reproduzida por eles/as quando estiverem no exercício das profissões jurídicas, assim, no curso das demandas jurídicas as partes são consideradas meros sujeitos do conflito que devem cumprir com o mandamento legal verbalizado pelo operador do direito, postura que não pacifica conflitos e não promove justiça, por essa razão, não apenas o conteúdo, mas, nossas práticas devem ser pensadas, repensadas, e refletidas.

No processo de preparação para a sessão simulada, em que estudantes protagonizam o processo de conhecimento, refletimos conjuntamente como o conhecimento jurídico não é absoluto e nem suficiente, problematizamos que para promover justiça é preciso se subsidiar de outros ramos da ciência e da colaboração de outros/as profissionais, a exemplo Assistentes Sociais, Pedagogos/as, Psicólogos, bem como a necessidade da escuta de sujeitos sociais, pais, mães, crianças e adolescentes. Como juristas podem sustentar uma posição e juízes/as decidirem sobre o ensino domiciliar (homeschooling) sem a participação de outros/as atores/atrizes sociais que não são do campo do direito?

Para as teorias do currículo, o que se pretende ensinar, não é dissociado do/a profissional que se pretende educar e com qual sociedade ele/a irá contribuir: “Nas teorias do currículo, entretanto, a pergunta “o quê?” nunca está separada de uma outra importante pergunta: “o que eles ou elas dever ser?”. Afinal, um currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão “seguir” aquele currículo.” (SILVA, 2010, p. 15)

Se desejamos formar um/a profissional do direito que sirva ao ideal humanista de sociedade precisamos desenvolver práticas onde ele/a se veja como cidadão/ã igual as partes

que demandam seu conhecimento e sua técnica e não que a use o conhecimento apreendido como ferramenta para reproduzir hierarquias sociais.

Boaventura destaca a existência de dois campos no direito, hegemônico e contra- hegemônico, nossas práticas de alguma forma contribuem com um desses campos. Para o autor (2014, p. 33): “O primeiro campo é o campo hegemônico. É o campo dos negócios, dos interesses econômicos, que reclamam por um sistema judiciário eficiente, rápido, que permita a previsibilidade dos negócios, dê segurança jurídica e garanta salvaguarda dos direitos de propriedade”. Já o campo contra-hegemônico “É o campo dos cidadãos que tomaram consciência de que processos de mudança constitucional lhes deram direitos significativos e que, por isso, veem no direito e nos tribunais um instrumento importante para fazer reivindicar os seus direitos e as suas justas aspirações a serem incluídas no contrato social.” (BOAVENTURA, 2014, p. 34).

Não se defende que docentes reproduzam uma postura autoritária e conduzam o processo de ensino e aprendizagem para que estudantes sirvam ao campo de escolha do/a professor/a, mas, que possamos contribuir para que estudantes analisem com criticidade os projetos de mundo ao qual o direito não fica alheio e assim façam suas escolhas, ocorre que, perpetua-se no campo jurídico o discurso da neutralidade, que uma vez inexistente, serve tão somente a sustentar o campo hegemônico. É preciso acreditar na educação jurídica como ferramenta de transformação para repensar tais discursos historicamente reproduzidos.

O advogado que ficou conhecido internacionalmente não por sua atuação na área jurídica, mas, na defesa da educação, Paulo Freire (1997, p. 09), nos ensinou que “O processo de ensinar, que implica o de educar e vice-versa, envolve a “paixão de conhecer” que nos insere numa busca prazerosa, ainda que nada fácil.”.

Isso implica aprender usar novas formas e provocar as construção de conhecimento a partir de relações democráticas, e também a ousadia de desvelar as contradições entres os discursos que se apresentam neutros, que reforçam a concepção de que a norma jurídica é neutra, que a justiça é imparcial e “cega”, que a lei é para todos, quando a realidade revela que a justiça é seletiva.

Metodologicamente além da experiência empírica também desenvolve-se pesquisa bibliográfica (LOPES, 2006) de abordagem qualitativa (LOPES, 2006) refletindo a tradição do ensino no Brasil que aponta que historicamente a tradição portuguesa é reproduzida no Brasil, iniciando-se com a abertura dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Olinda (1828) e permeia o imaginário de docentes e discentes até os dias atuais (SILVA, 2000).

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