• Nenhum resultado encontrado

Do cuidado com os filhos: a dança dos obstáculos e a força da fé

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE CURA: DO SOFRIMENTO À RESISTENCIA NO COTIDIANO

3.3 Do cuidado com os filhos: a dança dos obstáculos e a força da fé

Outra dimensão de dificuldades enfrentadas pelas famílias reside na relação com os filhos. As questões colocadas dizem respeito à saúde física e psicológica e à esfera educacional.

Alguns problemas considerados “sob controle” ainda persistem. Deparamo-nos com uma série de doenças parasitárias - como escabiose em grau severo, perdas de dentes, dentre outras, atingindo principalmente as crianças. Os fatores que mais contribuem para a manutenção da elevada taxa de mortalidade infantil entre a população mais pobre são reconhecidos como o precário acesso aos serviços de saúde, a falta de saneamento básico e a baixa escolaridade por parte da população em geral.

Influência do saneamento – De acordo com dados de 1992 da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 60% das internações em pediatria são devidas a doenças

que surgem por meio do contato com água e esgotos não tratados.

Influência da escolaridade – Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a mortalidade por diarréia, infecção respiratória aguda e desnutrição é três vezes maior nos filhos de mulheres sem qualquer nível de escolaridade. Na região Nordeste, as doenças infecto-contagiosas são a terceira causa de mortes, indicando a carência de atendimento a necessidades como saneamento e acesso aos serviços de saúde. Medidas de educação sanitária acessíveis à população também são importantes na prevenção dessas doenças. Entretanto, embora haja incentivos educacionais, ações e medidas governamentais neste âmbito, ainda se comprovam deficiências, levando também as crianças a serem alvos e vitimas da falta de assistência.

Teve o problema do meu netinho que ele nasceu, pelejei, pelejei... Deus! Eu vim aqui, mas Jacinto disse olhe Helena, ele olhou assim pra mim, eu não quis dizer nada porque era meu primeiro neto e minha filha comigo muito desesperada.

Ela disse mãe pelo amor de Deus eu senti que Jacinto não quis dizer nada mãe, mas.... Ela até vinha aqui de tarde, mas eu disse minha filha só vá depois de duas horas, mas o marido dela tinha saído. É o segundo casamento, né?

E eu disse olhe minha filha vamos pedir conforto a Deus porque se chegar a hora? E não teve solução pra ele também não.

(Maria Helena, 48 anos)

Nas palavras da informante, o caso não tinha mais solução. A criança já sofria há mais de dois meses e andava passando de um médico para outro. Segundo o relato, a criança nasceu com problemas de saúde que a avó não sabe identificar. Quatro meses depois a criança chegou a falecer. Observei que mesmo quando se trata de um caso “sem cura”, ou diante de situações terminais, o fato de as pessoas serem acompanhadas por um rezador resulta numa melhor aceitação da situação mesmo quando ela pareça mais difícil possível. A orientação do “curador” ou só sua presença, atuam como conforto nestes momentos e de forma mais ampla interfere no restabelecimento da saúde social.

Maria Helena também relata outro caso ocorrido com mais uma criança de sua família,

uma menina, a irmã do garotinho que faleceu. Essa criança foi afetada por “escabiose” e chegou a ser medicada, por um médico, mas por estar com a pele muito infectada ao aplicar o medicamento receitado doía muito e a criança sofria com isso. A doença atingiu com inflamação o couro cabeludo provocando queda e corte do cabelo. Nas suas palavras da informante: “a doença infeccionou a cabecinha dela todinha”. “A cabeça dela fazia dó e piedade”. “Aí eu vim pra qui, eu trouxe ela tava até no dia de oração... eu trouxe ela e ele ensinou remédio”. “Só fiz usar três vezes e ela ficou boa”!

Conversei também com Ana Maria, a mãe da criança. Ana é “paciente assídua” da cura religiosa. Ela também enfrentou problemas com um filho doente. Para ela, é na cura religiosa que resolve suas dificuldades no campo da saúde e dos problemas com os filhos. Ela foi uma das mulheres que concedeu depoimento sob intervalos contínuos de choros. É uma pessoa que procura atendimento a qualquer hora do dia e da noite. Já chegou a caminhar cerca de cinco km à noite, a pé, para buscar atendimento para um filho.

Eu vim pra qui já era bem onze horas da noite. Aí eu fiquei com medo de arrumar um carro porque eu não tinha condição de arrumar um carro por 80 reais e levar ele em João Pessoa? Então ele falou pra mim antes deu ir pro hospital eu viesse aqui com ele novamente, eu vim. Aí eu fui daqui pra João Pessoa num ônibus com a garrafinha d‟água e uma dose de dipirona que eu tinha medo que quando apertava a febre que ele ficava... Quanto mais no

ônibus, com uma multidão de gente, o ônibus para aqui para acolá... E eu não tinha condição e meu pai também não tinha.

(Ana Maria, 34 anos)

Além dos problemas situados na esfera da saúde física da população infanto-juvenil predomina outro nível de casos que se situam na esfera psicológica da relação pais e filhos adolescentes.

As informações contidas no relato que segue mostram as barreiras na comunicação entre pais e/ou padrastos com seus filhos. Desencontros diários chegam a níveis complexos no relacionamento. Há, por um lado, a interpretação dada; por outro lado, o posicionamento do padrasto que sinaliza distância e/ou quebra de comunicação. Contamos ainda com o olhar externo da comunidade. Neste sentido, o caso representa uma junção de elementos que variam desde o comportamento dos atores envolvidos, à inclusão de “forças espirituais” atuantes, conforme a própria mãe relata. Portanto, embora os pais agricultores não demonstrem sua capacidade de compreensão nos enfrentamentos diários de suas relações, chegam ao nível de “perder” a paciência, em outra situação, se contradizem, confrontando as situações “de descontrole” com a demonstração de outras capacidades desenvolvendo um plano de luta regular e contínua intermediado pela oração e procura de assistência do agente de cura.

Aí eu fui lá conversar com ele, (com o curador) não é? Sobre um problema lá na minha casa. Meu filho né? Ele é muito ignorante, não fala comigo assim, não fala com o pai, muito ignorante.

P: Quantos anos ele tem?

Ele tem quinze anos. Vai completar 16 no dia primeiro de abril. Só que graças a Deus ele não bebe, Não fuma, o vício que ele tem é jogar bola. Ele é muito ignorante, muito ignorante. Fala muitas palavras feias. Coisa que não agrada ninguém, não é? Aí essa semana por conta de um problema lá que aconteceu aí eu fui reclamar com ele, assim, brigando não, só dando conselho a ele, aí ele ficou brabo que ele é estressado. Assim, qualquer coisa ele fica estressado. Aí ele chamou eu de ( ) disse uma palavra feia com eu. Duas palavras feias que ele disse comigo. Aí eu entrei pra dentro de casa pra dá-lhe umas pausadas com um pau mesmo. Aí ele abriu a porta da cozinha e saiu correndo. Eu disse: se você entrar em casa hoje eu lhe mato. Aí ele foi para a casa de um homem que tinha morrido e ficou por lá a noite todinha. Chegou de manhã, também até agora não deu uma palavra comigo. E com o pai vai fazer mais de dois anos que ele é intrigado com o pai.

P: Aí você procura a Capela?

Eu tava pedindo a proteção a ele. Não é? Aí ele disse: Ah! Tá muito difícil seu caso. Aí eu disse: Mas Jacinto, (o curador) eu rezo tanto, peço tanto a proteção de Deus. Aí ele olhou assim e fica pensando.

Você pensa assim que ele já terminou a oração e ele fica pensando, pensando, dez minutos, quinze minutos, pensando aí vai e diz né? O significado.

Aí ele disse: Ah! Minha filha seu caso está meio pesado, por isso, por aquilo. (Ela não quis informar).

Aí eu disse: Ah! Jacinto, mas eu não vou desistir não. Eu peço força a Deus. Por errado que ele seja, mas eu peço força a Deus. Toda quinta feira eu vou para as orações. Peço a oração mesmo de Jesus, a Deus mesmo. Peço. Digo eu vou. Aí minha menina disse a mãe a senhora reza, reza mais não pede força a Deus? E não dá jeito a esse menino. Eu digo um dia eu dou. Deus espantou aqueles espíritos que estavam naquele rapaz caído no chão e tirou... Porque que não tira dele?

Aí tem gente que diz: Não é porque ele ainda ta novo ainda. É esse clima que dá assim nesses jovens assim. Eu digo: pode ser o que for, mas eu tenho fé em Deus que eu venço. Não hoje, mas amanhã eu venço. Aí meu marido diz se eu fosse você já tinha expulsado ele de fora de casa. Eu digo não. O que eu tiver não é meu é dele. Ele chega em casa ele almoça, tem dias que ele vai trabalhar tem dias que ele não vai. Por que a gente vive da agricultura. (Fátima, 56 anos)

Outline

Documentos relacionados