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AGENTES DE CURA: TRAJETÓRIAS E HISTÓRIAS DE VIDA DE CURADORES E BENZEDORES

4.6 As irmãs curadoras

Tereza, Socorro e Ercília formam o grupo das irmãs curadoras. Elas pertencem à Congregação do Amor Divino e suas histórias de vidas, em parte, correspondem a suas formas de inserção e ocupação enquanto religiosas. Elas pertencem à geração que na década de setenta trocou o “conforto dos Conventos” pela “dedicação aos pobres”.97 Fizeram do interior da Paraíba sua novas moradas, onde vivenciaram muitas experiências com as Pastorais e estiveram presentes ao lado de grupos de trabalhadores rurais, em parte, envolvidos com os conflitos de terra nos anos 1980. A atuação no âmbito da cura surge a partir do momento em que Tereza e Socorro se deparam com problemas de saúde e são levadas a outro Estado para experimentarem um “tratamento natural”.

Curadas e predispostas a colaborarem com os seus locais de referência decidiram se aperfeiçoar no ramo. Tereza revela muita gratidão. “Eu agradeço muito a Deus por eu ter cuidado da minha saúde e por causa disso é que o pessoal vem aqui”. Tereza referiu-se aos problemas como “menopausa”; “fraqueza física”, verminoses, dentre outros. O que ela quis demonstrar é que vivenciara problemas de saúde, alguns originados cedo, provocando outros mais sérios como desnutrição, e agravados pelo excesso de trabalho desenvolvido em décadas de trabalho intenso.

É importante ressaltar que Tereza reúne informações que não são alheias ao conjunto de outras lideranças que, como ela, enfrentou experiências semelhantes em suas práticas religiosas. Os problemas de saúde de Tereza levaram-na à internação por um período de trinta dias no Estado de Pernambuco, num Centro semelhante ao que elas criaram. Naquele Centro, Tereza não apenas “tratou-se”, mas aprendeu o ofício para “tratar” de outros.

Até agora a saúde nunca mais ficou normal. Mas eu sigo o regime, faço o que ela pede. E eu sou minha própria cobaia e ajudo pela minha experiência. Deus me ajuda para eu orientar os outros. Eu nem peço saúde a ele perfeita não. Cem por cento não, mas o bastante.

O ano de criação desse Centro foi 1989. Considero o ano auge desse trabalho, melhor de vida e o pior ano da minha saúde.

Porque quem faz jejum fica tão leve parece que nem pisa no chão. E eu fiquei 28 dias só com uva e gergelim. Coisa de doido eu não tinha outros conhecimentos nesse tempo. Eu tava fraca e só com uva mais fraca ficava!

Fiquei foi leve e toquei a andar no meio do mundo livre, livre de tudo, não tinha medo de nada. Uma coisa linda! Hoje eu não tenho mais coragem de fazer uma coisa dessas, porque eu sei que não dá.

(Tereza)

Assim como Tereza, Socorro iniciou-se nesse ramo, a partir de atendimento pessoal. Ela realizou uma consulta no mesmo Centro onde Tereza fez internamento. Depois dessa consulta ela deu o primeiro passo para o aprofundamento no trabalho, cuja filosofia já era conhecida em sua prática religiosa.

Com a criação do Centro Alternativo de Cura “Bom Samaritano”, elas deram início a um grande desafio. Inicialmente as Irmãs começaram a atender no salão paroquial e nas suas casas, mas apoiadas pelo padre da cidade onde residiam, obtiveram um local para centralizar o trabalho. A instalação do Centro tornou-se uma conquista e coincidia também com as transformações na Diocese pelo processo de mudança do Bispo. Elas enfrentaram problemas com a hierarquia religiosa e até se sentiram perseguidas; mas observam que o Centro, ao que elas se referem como “a casa”, continua erguido e atuante. Para Socorro, “essa casa foi construída sobre rochas”, ninguém consegue derrubá-la.

Para o trio de Irmãs, o pressuposto básico em suas vidas e no trabalho que desenvolvem é a Fé; mas no trabalho elas demonstram essa fé associada a intervenções e técnicas de terapias apropriadas aos cuidados do corpo. A prioridade que dão a “fórmulas” terapêuticas e alimentares pretende integrar a pessoa à natureza na perspectiva de promover um acompanhamento total, que inclui “igualdade” e respeito entre as pessoas e entre pessoas e a natureza.98 Para Socorro, até a maneira como se colhe uma planta, para se fazer um “estrato” ou um chá, revela a conduta humana.

Ercília se juntou à equipe em uma fase posterior. Na época da criação do Centro, ela migrou para Minas Gerais, a chamado da congregação. Ela se destaca no conhecimento dos fitoterápicos, assunto que desde outras épocas marcava seu campo de interesse. A trajetória de Ercília é marcada por “deslocamentos e permanências” em locais diferenciados. Quando foi designada pela congregação para trabalhar no Estado de Minas Gerais, ficou meio perplexa, mas a experiência se traduziu numa espécie de aprimoramento teórico e prático na área da cura.

98 O trabalho dessas irmãs envolve uma perspectiva holística da cura. „Holística‟ tem origem no grego „Holos‟

que significa totalidade e se refere à compreensão da realidade como um todo integrado, um todo côsmico, onde elementos atuam em inter-relação e conexão permanente entre si e com o todo, onde a parte está no todo, assim como o todo está na parte.

Ir para Minas Gerais, parece que me tolheu um bocado. Senti. Mas eu tive que obedecer a congregação. Fui para Minas para ser vigária. Fui mais fiquei pouco. Lá tinha um vigário, um velhinho ele ainda ficou pouco lá um ano. Esse ano todo que ele ficou lá eu fiz esse trabalho que eu já lhe disse, mas depois que o vigário saiu, eu tive que ser vigária. Batizar e cuidar dessas coisas, sacramentos, a pastoral e depois virei curadora. Pela necessidade. A necessidade que me obrigou. Aí chegou outra irmã, éramos duas. Mas eu entreguei a catequese e a Pastoral da criança e fui fazer esse trabalho.

Após 17 anos no Estado de Minas Gerais, Ercília regressou à Diocese de origem e se integra a equipe do Centro Bom Samaritano. Ao lado de Tereza e Socorro, Ercília centraliza na oração como base do condicionamento das pessoas para o sucesso do tratamento. Ela atende, semanalmente, em dois municípios locais.

Vale destacar que a mudança de foco no trabalho, metamorfoseando os grupos de trabalhadores pelo atendimento pessoal, não alterou suas opções básicas. Anteriormente associadas à Teologia da Libertação, elas mantêm o sistemas de “votos de pobreza”, e não dispõem de certos auxílios no trabalho. Não possuem meio de transporte nem o trabalho informatizado, por exemplo.

Quanto às experiências compartilhadas nas décadas passadas, no trabalho da Diocese e aquilo que fazem hoje, para elas, uma atividade não é mais importante que a outra; embora entendam que a predisposição ao “trabalho social” é entendida como “algo hormonal” e, portanto descrevem a experiência com a cura” outro modo de lutar, portanto uma atividade de caráter social muito profundo.

Quanto ao envolvimento em lutas sociais: isso é hormonal sabe? Mas hoje é outro modo de lutar. Não é mais... É outra luta. Luta por saúde, por políticas públicas, nos Conselhos. Aí Lola, acontece que aqui é a nossa casa. As pessoas vêm se confessar, contar o que sofre. O pecado que tem. Outro dia veio um rapaz muito angustiado porque é catimbozeiro.

(Ir. Socorro).

4.7 Os Curadores Consagrados ou Almas Santas: Padre Ibiapina, Frei Damião e o

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