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O CAMPO RELIGIOSO: FACES DO CATOLICISMO NO BRASIL E NA REGIÃO NORDESTE

2.5 Rústico ou Renovado: o Catolicismo como referência

Do ponto de vista religioso, o povo brasileiro foi obrigado a se adaptar a duas condições fundamentais, desde os primeiros tempos da colonização: quantidade mínima de sacerdotes e falta de conhecimentos religiosos. A adaptação se deu espontaneamente, e se exprimiu numa reorganização e reinterpretação do acervo do catolicismo tradicional trazido pelos colonos portugueses, de um lado, e, de outro lado, do catolicismo oficial trazidos pelos poucos sacerdotes que aqui aportaram. Neste processo, elementos novos surgiram, elementos antigos ou pertencentes à religião oficial sofreram transformações, dogmas e liturgias e liturgias foram deformados por necessidades locais ou pela imaginação de líderes religiosos inteiramente falhos de qualquer instrução.

(QUEIROZ 1973:75)

Convivendo, adaptando-se, reorganizando, reinterpretando, e, principalmente recriando e até mesmo modificando certas práticas do catolicismo, os grupos católicos

51 Em Durkheim (1989:77) “A religião é inseparável da idéia de Igreja”. “Uma igreja não é simplesmente uma

confraria sacerdotal; é uma comunidade moral e formada por todos os crentes da mesma fé, fiéis e sacerdotes”. É, portanto, a razão que o leva a definir a religião como “coisa eminentemente coletiva”. O próprio Durkheim (1989) chama a atenção para outras religiões em que a idéia de Igreja não tem prioridade. O autor se refere às práticas religiosas mais individualizadas, que em geral se visualiza nas práticas seguidas de ritos mágicos onde a presença do mago é importante, porém ele não exclui essas práticas individualizadas do conjunto das religiões. Mesmo aquelas mais coletivas são também cercadas de exemplos individualizados. O mago é, para a magia, o que o sacerdote é para a religião católica.

aprenderam a se relacionar entre si e com a instituição Igreja, transitando entre catolicismos e fazendo destes suas referências conforme cada situação enfrentada.

A autora Maria Isaura Queiroz tratou especificamente do catolicismo rústico dos grupos rurais. Queiroz assinala dois „tipos‟ de catolicismo: o catolicismo oficial e o catolicismo popular.52 Existe dificuldade em estabelecer com precisão estatística o número de adeptos de um ou outro „tipo‟ de catolicismo. Observamos ainda que essa dualidade não é exclusivamente brasileira, mas universal.

É interessante pensar a respeito da potencialidade que o catolicismo popular preserva; ela o torna firme e persistente enquanto sobrevive em suas variantes formas de cultuação do sagrado, ultrapassando décadas e histórias dentro da própria doutrina religiosa.

No Brasil, é amplo o número de estudiosos que têm se dedicado ao catolicismo popular.53 A expressão „catolicismo popular‟ reúne vários significados. Os seguidores do catolicismo popular se mantêm “conectados” com o sagrado, através de seus comportamentos e na frequência com que usam e recorrem aos símbolos do cristianismo.54

Devemos a Queiroz (1973) a introdução da denominação de „rústico‟ em referência ao catolicismo dos camponeses. O catolicismo rústico se configurou devido ao povoamento disperso do interior do país, que resultou também numa heterogeneização das próprias práticas religiosas. Dessa forma, regiões distantes como o Sul do Brasil, os sertões nordestinos ou a floresta Amazônica, embora demonstrem semelhanças na configuração básica do seu Catolicismo, apresentam detalhes diversos e muitas variações em suas formas de expressão. As opiniões da maioria dos estudiosos do catolicismo brasileiro convergem no sentido de concluir esse catolicismo „rústico‟ recebeu influência fundamental de dois fatores: do catolicismo popular português e da falta de sacerdote, no país. Em Portugal, o Catolicismo Popular centralizava (e continua enfatizando) na prática do culto aos santos.

Neste sentido, encontramos no catolicismo popular semelhanças que lhes são históricas - tais como o culto aos santos, as práticas de romarias, novenas, procissões, bênçãos, promessas, e o costume de festejar os padroeiros em cada Igreja. Cada iniciativa destas acontece de acordo com o grupo envolvido, mas vale considerar que quando nos

52 Essa dualidade entre Catolicismo Oficial e Catolicismo Popular não foi criação de Queiroz (1973), mas, como

ela bem reconhece, trata-se de uma dualidade antiga com origem no período colonial.

53

Brandão (996); Queiroz (1960, 1973); Mariz (2006), dentre outros.

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No acompanhamento dos passos dos romeiros, nos caminhos da cura no Brejo, pude perceber como essa questão da “fidelidade” devocional é marcante entre os devotos que alcançaram uma graça e entre aqueles que caminham em busca de graças. Suas práticas religiosas podem ser espontâneas, mas não são superficiais. O romeiro que pede ou agradece uma graça alcançada, é um romeiro diferente, que reza profundamente e com dedicação. Como eles dizem: “Quando se pede uma coisa a Deus não pode ser de qualquer forma. Há um jeito profundo de se pedir bem como de se agradecer a Deus.”

referimos aos grupos rurais visualizamos formas específicas, sentidos e significados que se expressam de forma muito particular.

Embora o período histórico do momento seja analisado sob o paradigma da “Sociedade da informação”, Manuel Castells, (1999), e dos avanços da comunicação, as populações rurais ficam, em geral, fora desses benefícios. Mesmo constando alguns avanços como o acesso à energia elétrica, ainda prevalecem situações de exclusão dos benefícios da

modernidade. As pessoas, especialmente as pobres do campo vão buscar em suas práticas de

fé o reforço para enfrentamento de épocas difíceis. Quando se trata do enfrentamento de problemas difíceis, no âmbito do catolicismo, rústico ou renovado, importa o que ele pode trazer às pessoas envolvidas. Sugerimos que para os propósitos desta pesquisa os avanços e grandes mudanças paradigmáticas parecem não ter afetado as formas de devoção e estas se mantêm com os mesmos apelos de décadas passadas.

Embora, em geral, o catolicismo nas áreas rurais não apresenta todas as definições daquele catolicismo rústico descrito por Queiroz (1973), ele sobrevive no meio rural. As políticas públicas podem chegar ao campo; o homem do campo não vai esperar na religião que a chuva abasteça sua cisterna, mas esses fatos não dissolvem a sua fé. Questionamos aquelas teorias que afirmam que a busca de solução para problemas sócio-econômicos no âmbito religioso é decorrente de uma sociedade empobrecida ou desassistida.55

Falar de cura religiosa neste contexto implica compreender não apenas a cura em si, mas principalmente atentar para a dinâmica social que a cura revela e chegar a interpretações sobre as relações e processos sociais envolvidos. Trata-se de revelar particularidades da vida no meio rural que remetem às trocas e às representações simbólicas, de solidariedade, de moral, criadas ou mesmo guiadas não apenas nas práticas sociais, mas também nas suas relações com o “divino”. É preciso compreender que situar a cura no catolicismo não significa avaliar onde e em que medida esse catolicismo foi mais tradicional ou moderno, mais conservador ou libertador, mas sim, compreender a constituição do tecido social naquela região em aspectos relacionais, sócio-culturais e políticos, sem perder de vista o sentido que cada um atribui à experiência religiosa no contexto de suas necessidades. O contexto sócio- político e econômico da área pesquisada reúne concordâncias e disputas, o novo e o velho, o tradicional e o moderno na construção da convivência e da solidariedade, através de processos

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Como afirma Comblin (1978:199) “Existe uma religiosidade popular que consiste em cultivar principalmente os atos devocionais que a Igreja considera secundários, dando em tudo valor principal ao secundário, e vice- versa. Trata-se sobretudo de devoção aos Santos, dos quais se esperam vantagens materiais e soluções para problemas materiais: são como os judeus que Jesus censurava por procurarem antes o pão espiritual. É a religiosidade das promessas e dos atos devocionais. Esse tipo de religiosidade está muito ligado com uma sociedade arcaica, rural e não industrial: deverá desaparecer na medida em que vier o desenvolvimento”.

recíprocos de troca, de dádivas sócio-culturais e religiosas, respaldados pelo anseio de vida melhor para os que a buscam, como veremos nos capítulos seguintes.

CAPÍTULO III

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE CURA: DO SOFRIMENTO À RESISTENCIA NO

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