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Pensar a educação na atual realidade brasileira reporta-nos a um discurso de democratização de ensino, discurso que é genericamente levado à população por meio de programas governamentais tanto na esfera nacional quanto estadual e municipal, com o suposto empenho em garantir acesso e permanência a um maior número de crianças possível no sistema escolar.

Apesar dessa marcante tendência, o Brasil ainda apresenta altas taxas de reprovação e evasão, visto que, segundo o CENPEC (2001), fracassam na escola os que não conseguem aprender por conta das suas adversas condições de vida e, também, pelas condições adversas que costumam caracterizar o atendimento escolar; pois, durante muito tempo, acreditou-se que a reprovação beneficiaria o estudante, possibilitando-lhe a recuperação da aprendizagem. Estudos, como os coordenados por Ribeiro (apud, CENPEC, 2001, p. 78), vêm apontando que:

[...] a repetência tem sido geradora de novos fracassos. Tanto que, no Brasil, a probabilidade de um aluno repetente ser aprovado é metade de um aluno novo na série. Este autor, apoiado em estatísticas educacionais, aponta ainda que o aluno reprovado não abandona precocemente a escola; na realidade, ele fica cursando em média 6,4 anos antes de efetivamente desistir. E a evasão ocorre quando ele já se distanciou muito da série que seria ajustada à sua idade. Sendo que diversos são os fatores que intervêm nessa situação.

Há décadas se considera que a maioria dos filhos das famílias econômica e socialmente desfavorecidas têm acesso à escola pública, graças ao aumento da oferta de vagas. Neste processo, não foram tomadas, no entanto, as devidas medidas que, acompanhando essa expansão, tornassem efetiva a democratização do ensino nacional. Entre outras providências que deviam ser tomadas, podem-se citar as seguintes: não houve investimento na formação dos professores, as perdas salariais dos profissionais da educação foram crescentes e as escolas não foram dotadas da infra-estrutura necessária para atender qualitativamente a esse contingente de estudantes (CENPEC, 2001).

Observa-se, desta forma, que a escola assumiu uma postura mais aberta para com os estudantes mais pobres. Entretanto, tal processo de abertura não foi suficientemente completo, pois ela, a escola, continuou organizada para um público-alvo de crianças e jovens de classe média, que contam, via de regra, com diversos elementos que servem de apoio e sustentáculo ao

seu processo de aprendizagem, entre os quais, citam-se os recursos culturais, acompanhamento dos pais, tempo e espaço para estudar em casa. Assim, sem saber lidar com as condições da nova clientela, a escola não conseguiu atender satisfatoriamente os estudantes mais pobres e desfavorecidos, pois não levou em conta o saber que traziam e o seu universo cultural, de modo a organizar e ampliar os seus conhecimentos.

Segundo o mesmo trabalho, o atendimento padronizado, proposto para grupos numerosos, deixa marcas nas relações de ensino, que quase sempre consistem numa prática imutável de transmissão, repetida ano após ano, pautada por um programa que indica um ponto arbitrário de início e outro de chegada, independente do aproveitamento dos estudantes. Separando o processo de ensino, de um lado, e o de aprendizagem, de outro, a escola ensina o que sempre ensinou e da forma como sempre ensinou. Aprender ou não aprender depende, então, do aluno, do seu esforço e das suas possibilidades de receber acompanhamento fora da escola.

E, ao contrário do que pensam muitos educadores, as famílias de baixa renda valorizam a escola e vêem no estudo dos filhos a única herança que podem lhes deixar, para que não se reproduzam, nos seus projetos de vida, os sacrifícios de uma existência iletrada no seio de uma sociedade grafocêntrica (ROMÃO, 1998). Parece que a escola, por meio do currículo, do livro didático e da avaliação, exerce perfeito controle do que se deve saber, fazer, pensar e sobre quem poderá progredir no ensino. Observa-se, desta maneira, que a escola contribui para a estratificação e a fragmentação dos trabalhadores, diferenciando-os de acordo com os talentos, motivações e esforços individuais.

O estudante, por sua vez, vai sendo culpabilizado por estar distante do ponto que foi definido como início das aprendizagens escolares e por não conseguir atingir o ponto de chegada estabelecido, acabando por ser penalizado com uma ou mais reprovações. O sentimento gerado por essa experiência leva-o a formar imagens negativas de si próprio, acreditando na sua inadequação ao trabalho escolar, pensando que é exclusivamente sua a responsabilidade por tal situação (CENPEC, 2001).

Desta forma, conforme Romão, percebe-se que esta constatação é, via de regra, verídica, pois, segundo ele:

[...] a reprovação bate fundo na auto-estima do aluno e alimenta o processo de internalização da FXOWXUDGRIUDFDVVR³0HXILOKRQmRWHPMHLWRSDUDRHVWXGR´pXPDH[SUHVVmRTXHVHRXYHFRP

freqüência nas escolas públicas. Ela é enunciada por pais que, depois de insistirem por vários anos na escolarização, sem sucesso, dos filhos, dela desistem, por absoluta incapacidade de continuarem sacrificando, no altar da continuidade de seus estudos, uma melhoria da renda IDPLOLDU SHOR HQJDMDPHQWR SUHFRFH GR ILOKR QD IRUoD GH WUDEDOKR (PERUD DFUHGLWHP TXH µRV estudos sejam um meio de subir na viGD¶µXPFDPLQKRSDUDDOLEHUWDomRGDVLWXDomRGHSREUH]D HPTXHVHHQFRQWUDP¶XPFDQDOGHDVFHQVmRVRFLDOFRQIRUPDP-se, após tanto insucesso, com um pequeno ganho imediato (ROMÃO, 1998, p. 45).

Para compreender melhor este processo, apoiamo-nos em Sordi (1995, p. 69), que VLQWHWL]D TXH ³a escola se exime da responsabilidade de impedir alguns de prosseguirem seus estudos, culpando cada um por sua própria eliminação ou por sua evasão, a partir de inabilidades pessoais. Ao mesmo tempo em que parece possibilitar o acesso a um mundo mais promissor, educa os indivíduos a aceitar com resignação a sua falta de condições para vencer, levando-os a DWULEXLUWDOIDWRPXLWRPDLVjVXDLQFRPSHWrQFLDSHVVRDOGRTXHDLQIOXrQFLDVH[WHUQDV´

Para verificar isto, basta analisar os conteúdos veiculados, a forma de avaliação que se adota em função de um determinado tipo de conhecimento que privilegia o distanciamento entre a teoria ministrada e a prática vivenciada e a alienação da escola em relação ao trabalho. São conhecidas, contudo, as dificuldades dos estudantes provenientes das classes sociais menos favorecidas, para avançar e ingressar no ensino superior. Mesmo assim a escola continua colocando os seus currículos (real e oculto) a serviço da manutenção de uma ordem social, ainda que exista grande espaço para a contradição e a luta (SORDI, 1995).

A escola, no entanto, foi criada com intenção de atuar na formação do cidadão, de modo que a ela cabe ensinar o indivíduo de forma mais completa possível, garantindo-lhe a aprendizagem de habilidades e conteúdos indispensáveis para a vida em sociedade, contribuindo, assim, para a inserção social das novas gerações no mundo econômico e social atual. Sendo a escola pública muito importante para a maioria da população, que tem nela o principal e, às vezes, o único meio de acesso ao conhecimento, é urgente que encontre caminhos para cumprir a sua função social.

Verifica-se, neste contexto, que os problemas que a educação vem enfrentando, particularmente aqueles representados pela evasão e a repetência, decorrem, na sua maioria, de sérias deficiências no processo de ensino e, principalmente, no que tangencia a avaliação.

Neste sentido, como já ilustrado, existem evidências de que o acesso ao ensino fundamental no Brasil está praticamente universalizado. Apesar disto, o Brasil ainda apresenta

altas taxas de reprovação e a evasão continua em alta. Outro fator que merece ser destacado é que, apesar das aceleradas mudanças de um mundo globalizado, mudanças que atingem todos os setores e os transformam numa velocidade nunca vista antes, a escola continua sendo altamente VHOHWLYD 2 0(& DSRQWD TXH ³>@ GH  PLOK}HV GH DOXQRV PDWULFXODGRV QD UHGH HVFRODU HP 1988, pouco mais de 4% alcançavam o ensino superior e a taxa de repetência no ensino fundamental, na década de 80, foi de 20% e de evasão 13%. [...] Esses dados revelam que a H[SDQVmR TXDQWLWDWLYD GD UHGH HVFRODU EUDVLOHLUD QmR IRL DFRPSDQKDGD GH PHOKRULD TXDOLWDWLYD´ (MEC apud ABRAMOWICZ, 1999, p. 38-39).

Para os educadores, não é desejável (e, por que não dizer, não é ético) limitar-se a constatar, ano após ano, os índices de fracasso escolar e aguardar melhores condições sociais que permitam, um dia, instalar uma nova e melhor escola. Abrir espaços e aproveitar as brechas existentes para conquistar avanços, essa tem sido a caminhada dos educadores comprometidos com a democratização do ensino, mesmo sabendo que a educação sozinha não vai mudar a realidade social, e que a própria escola, por mais competente e equipada que seja, não se vai tornar um espaço democrático se a sociedade também não se transformar (CENPEC, 2001).

Conforme Abramowicz (1999), a escola deve responsabilizar-se pela aprendizagem dos alunos. Entretanto, inúmeros fatores concorrem para que exista um desvio de atenção, uma desfocalização do que é fundamental no processo de ensino e aprendizagem. Podem-se apontar fatores de ordem política, econômica e social, os quais vão interferindo na organização da escola, no currículo, na formação e na atuação dos professores, nas expectativas dos alunos e das suas famílias, nas exigências do mundo do trabalho.

Na década de 1990, a formação dos professores era apontada como a principal solução do problema da instituição escolar. Sabe-se no momento que isto não é verídico. Na verdade a IRUPDomRFRQWLQXDGDYLURXXPDPHWRGRORJLDHDSHQDVDOLPHQWRXD³HUDGRGLSORPD´XPDYH] que os profissionais da área são detentores de um diploma e formação continuada, entretanto faltando-lhes clareza da ação do trabalho docente, o que dificulta colocar em prática as teorias que estudam.

Salienta-se que não se pode assistir a este conjunto de acontecimentos e cruzar os braços. Para melhorar a escola, de um lado é necessário investir na formação docente (técnica, filosófica e eticamente), tendo em vista que são o pilar da produção e apreensão do conhecimento, e que depende deles a interpretação do currículo, do que deve ou deveria ser

ensinado para mudar a realidade social e até econômica de muitos jovens, incluindo-os novamente no processo produtivo, por meio de aprendizagens significativas, tirando-os, desta forma, da situação de desvantagem social em que se encontram. De outro, sabe-se, também, que é necessário melhorar (e muito) a remuneração da classe que exerce a docência, pois os salários miseráveis não lhes permitem sequer adquirir livros e materiais didáticos atualizados, para citar apenas um dos rudimentos que evidenciam a exclusão econômica, social (e até cultural) dos principais protagonistas do sistema educacional.

Como já visto, em todo o Brasil o fracasso escolar representa elevados custos humanos, sociais e financeiros. O Ministério da Educação aponta que, no país, todo ano são desperdiçadas 57% das matrículas com evasão e repetência; de cada 100 alunos que ingressam na 1ª série, apenas 33 chegam à 8ª série, levando uma média de quase dez anos para alcançá-la. Isso significa que, após repetir uma ou mais séries várias vezes, dois terços dos estudantes acabam por desistir da escola. Grande parte dos que aí conseguem permanecer, seja porque ingressaram tardiamente, seja porque repetem o ano várias vezes, têm idade muito superior à prevista para a série que estão cursando.

Tabela 2.1: Alunos matriculados e alunos fora da faixa etária prevista para a série, Paraná ± 1993

Rede Urbana/Rural e

Municipal/Estadual Matriculados Alunos Percentagem Alunos Fora da Faixa Percentagem

Rede Urbana Estadual 822.618 100% 422.136 51,30%

Rede Rural Estadual 31.421 100% 18.691 59,50%

Rede Urbana Municipal 541.037 100% 210.144 38,80%

Rede Rural Municipal (+-)200.000 100% 95.400 47,70%

Fonte: CENPEC (2001).

Tal como se pode verificar na Tabela 2.1, no Estado do Paraná, a situação não era diferente da do país. Tomando-se por base os dados dos estudantes matriculados em 1993 da 1ª à 8ª séries na rede estadual de ensino, observa-se que, dos 822.618 estudantes matriculados na rede urbana, 422.136 estavam fora da faixa etária prevista para a série que cursavam, o que equivale a 51,3% de distorção.

Na zona rural, foram 31.421 matriculados, dos quais 18.691 fora da faixa etária, o que corresponde a 59,5%. Nas redes municipais urbanas eram 541.037 matriculados de 1ª a 8ª série, dos quais 210.144 fora da faixa etária, o que corresponde a 38,8%. Nas redes municipais rurais

dos mais de 200 mil matriculados, quase cem mil (47,7%) estavam fora da faixa etária. Considerando o quadro geral de defasagem idade/série do Estado, os estudantes nessa situação eram 43,8% dos matriculados cursando fora da faixa etária (PARANÁ, 1996, apud CENPEC, 2001).

Este percentual elevado de 43,8% de estudantes fora da faixa etária motivou o Estado a desenvolver e implementar projetos desta natureza, quais sejam: correção idade/série, ciclos e progressão continuada. Há que se destacar, também, que as experiências deste tipo de projetos realizadas no país deram-se com maior ênfase a partir do início da década de 1990, período no qual o mundo vivenciou profundas mudanças socioeconômicas e políticas que originaram as teorias mundialistas, conhecidas popularmente como neoliberalismo (WALLERSTEIN, 2001). Assim sendo, com intuito de dar uma seqüência lógica à esta tese, apresentamos, a partir de agora, uma sintética discussão das principais questões da moderna educação e da sua relação com a política neoliberal.