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A discussão sobre a redefinição do papel do Estado é de fundamental importância para a análise do sentido das políticas públicas, uma vez que estas podem ser vistas, na definição de Höfling (2001), como o Estado em ação, ou seja, é o Estado implantando um projeto de governo, mediante programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. É, portanto, necessário tecer uma conceituação sobre o Estado que permita a interpretação das questões pertinentes à reforma educacional dentro da correlação de forças do cenário político e econômico.

Neste sentido, Torres (1995) assinala que o Estado seria uma aliança de classes ou pacto de dominação social, cujo poder refletiria um projeto político específico e, portanto, interesses econômicos, sociais, culturais, morais e éticos. Tal concepção de Estado está apoiada nas teorias do neomarxismo e da sociologia política; assim, o autor vai buscar em Claus Offe a explicitação da contradição básica da prática estatal, qual seja, promover o acúmulo de capital e, simultaneamente, a legitimidade do sistema capitalista. Desta forma, o Estado exerce um papel central como mediador no contexto da crise do capitalismo, especialmente nas contradições entre acumulação e legitimação.

Dentro deste mesmo referencial teórico, Höfling (2001) pondera que o Estado deve responder aos problemas estruturais do sistema de acumulação capitalista, relativos à constituição

e reprodução permanente da força de trabalho, e à socialização desta através do trabalho assalariado, regulando o conjunto das relações capitalistas entre os proprietários de capital e proprietários da força de trabalho. Assim, o Estado capitalista moderno cuidaria não apenas da qualificação permanente da mão-de-obra para o mercado, mas também procuraria manter sob controle, através da sua política e programas sociais, as parcelas da população excluídas do processo produtivo. Diante disso, o Estado atua no sentido de manutenção das relações de classe, principalmente quando estas entram em grandes assimetrias.

O neoliberalismo, com suas propostas radicalmente antiintervencionistas no que se refere ao mecanismo de relação entre as classes, quebra, contudo, o pacto keynesiano que colocou ao Estado responsabilidades de desenvolvimento e proteção social. O keynesianismo, como visto, constituiu-se na tentativa de minimizar os problemas estruturais do capitalismo decorrentes do liberalismo, servindo a uma modernização que elevou os níveis de bem-estar para que os conflitos entre as classes fossem postergados. Já o neoliberalismo, no atual contexto de crise capitalista, credita à intervenção estatal a própria crise. O mercado seria, então, para os neoliberais, o mecanismo ideal para equalizar as relações entre os indivíduos e as oportunidades na estrutura ocupacional da sociedade (HÖFLING, 2001). Deste modo, a intervenção do Estado começa a se circunscrever ao assistencialismo, ou à arbitragem das iniciativas privadas, o que acaba por minimizar as possibilidades de mudança das relações estabelecidas na sociedade.

Desse modo, o ajuste estrutural imposto pelo neoliberalismo acarreta a implantação de um conjunto de programas e políticas recomendadas pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outras organizações financeiras. Sobre isso, Torres (1995) aponta que tal modelo de ajuste e estabilização tem resultado numa série de recomendações de políticas públicas, que incluem a redução dos gastos governamentais, desvalorizações da moeda para promover a exportação, redução de tarifas para importações e um aumento das poupanças públicas e privadas. É neste contexto que o Estado deve então modificar a sua atuação para corresponder às expectativas destes organismos, tornando da sua responsabilidade a manutenção dos indicadores macroeconômicos, a qualquer custo, para a liberação de financiamentos e investimentos internacionais.

Assim, a educação também é avaliada em termos de indicadores para se averiguar o cumprimento das exigências impostas com o intuito de garantir o respaldo financeiro para os programas públicos. E, mais uma vez, o mercado será visto, nesta questão, como o grande

regulador da eficiência e qualidade, o que deve ser promovido pela competição entre HVWDEHOHFLPHQWRVGHHQVLQRHFRQVHTHQWH³UDQNHDPHQWR´GDVLQVWLWXLo}HV

Para tanto, o Estado assume, segundo Afonso (2001, p. 25-26), denominações diversas: ³(VWDGR-reflexivo, Estado-ativo, Estado-supervisor, Estado-avaliador, Estado-FRPSHWLGRU´ $ caracterização do Estado como Avaliador seria uma denominação pertinente às questões educacionais em pauta, e que traduzem as propostas neoliberais ao setor. É através deste tipo de Estado e as suas políticas educacionais que, como nos explica o autor, a propalada autonomia dos estabelecimentos é mais retórica do que real, e torna-se um pretexto para a avaliação e UHVSRQVDELOL]DomRGRVDWRUHV³>@RTXHSRUVXDYH]VHQGRXPDHVWUDWpJLDSUDJPiWLFDHFRP alguns efeitos simbólicos, visa também promover uma nova representação sobre o papel do (VWDGR´7DOUHSUHVHQWDomRHVWiVXEMDFHQWHjVSURSRVWDVQHROLEHUDLVTXHFRPRQRVGL]HP5RVDUH .UDZF]\N S ³>@LPS}HPDVXEVWLWXLomRGDIXQomRGR(VWDGRFRmo provedor direto de bens e serviços e do controle centralizado do conjunto das atividades sociais em favor de IXQo}HVGHFRRUGHQDomRHUHJXODomROHJDO´Assim sintetiza Neave apud Contera (2000, p. 26):

>«@HO(VWDGR(YDOXDGRUHVDVtXQDUDFLRQDOL]DFLyn y redistribución general de funciones entre el centro y la periferia de manera tal que el centro conserva el control estratégico global, por medio de palancas menores en número pero más precisas, constituidas por la asignación de misiones, la identificación de metas para el sistema y la operación de criterios relativos a la calidad del producto.

Assim, o que se percebe mediante todas as colocações dos diversos autores, é que a JUDQGHPi[LPDOLEHUDOUHWRUQDDJRUDPDTXLDGDVREDIRUPDGHTXH³RPHOKRUJRYerno é o que PHQRVJRYHUQD´RXVHMDR(VWDGRPtQLPR

Este cenário tem vários instrumentos de ação para a sua implementação. Um deles é o Banco Mundial, que, com referência à educação, vem adotando posturas incisivas, interfiridoras e altamente tendenciosas, pois, de acordo com Rippel (2002)6, todas estas proposições do modelo neoliberal encontram no Banco Mundial ou BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) um dos seus principais instrumentos de ação e de interferência. Nesta ação/interferência, as políticas educacionais propostas pelo BIRD para países subdesenvolvidos constituem-VH HP PHGLGDV TXH YLVDP DWHQGHU DRV VHXV PDLRUHV DFLRQLVWDV ³RV SDtVHV ULFRV´

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Assim, a ênfase educacional será calcada sobre a regulação do custo X em relação ao benefício Y, e não sobre a qualidade da instrução, o que condiz com a proposta neoliberal. Deste modo, torna-se interessante tecer alguns comentários sobre a influência desta entidade no estabelecimento das reformas e metas de ordem educacional.

Segundo Sandroni (2003, p. 56), o BIRD, mais conhecido como Banco Mundial, é uma agência especializada da ONU criada simultaneamente com o FMI em 1944. Instituído oficialmente em 1945, o banco tinha o objetivo inicial de reconstruir a Europa Ocidental e o Japão do pós-guerra. Hoje concede empréstimos tanto para governos como para empresas que obtenham o seu aval. Os recursos operacionais são gerados com aplicações no mercado financeiro e pagamentos feitos por países beneficiados pelos financiamentos.

Há que se destacar que as atividades desenvolvidas pelo Banco Mundial vêm sendo constantemente alteradas segundo as suas prioridades, que são estabelecidas de acordo com as mudanças econômicas, políticas e ambientais que acontecem no mundo.

Por exemplo, no período imediatamente subseqüente à Segunda Guerra Mundial, o BIRD financiou projetos de infra-estrutura necessários para a reconstrução da Europa e do Japão e capazes de estimular o crescimento da economia mundial. Já a partir de 1970, os recursos foram direcionados, na sua maior parte, para investimentos no setor agrícola, para a criação e a implementação de programas de controle populacional e de programas educacionais nos países em desenvolvimento. E, desde o começo da década de 1990, estabeleceu como prioridades projetos ambientais e de financiamento de agricultores e empresários, principalmente do Leste Europeu.

Segundo Cappelletti e Abramowic (1999), depois da crise mexicana de 1995 e da crise da Rússia de 1998/99, o banco mundial passou, contudo, a atuar, de uma forma mais incisiva, impondo aos países em desenvolvimento, absorvedores de empréstimos da entidade, uma série de medidas que acabaram por intervir na formulação de políticas internas ± caso, por exemplo, da reforma administrativa e da previdência. É o caso, também, da reforma no sistema educacional (entre outras), visando ao aumento da qualificação da mão-de-obra economicamente ativa e à redução dos índices de analfabetismo em determinadas regiões, com o intuito de inserir os países em desenvolvimento no panorama econômico previamente estabelecido e que detém grande identidade com as propostas de gestão econômica das ações elaboradas pelo FMI.

De acordo com Rossetti (2000), este panorama mundial, no caso brasileiro, agravou-se ainda mais, pois a ele se agregou outro igualmente difícil, o da economia nacional que, depois das crises da década de 1990, passou a desenvolver um padrão de elevada dependência de capitais externos, com o intuito de financiar o processo de desenvolvimento nacional.

Em função disso, Cappelletti e Abramowic (1999, p. 110) apontam que o BIRD se transformou, nos últimos anos, no organismo de maior visibilidade no panorama educativo global, pois, nesse setor, o Banco Mundial já vem trabalhando, há mais de 30 anos, com práticas de atuação que abrangem tanto atividades de pesquisa, como de assistência técnica, e de assessoria aos governos em matérias de políticas educativas. A esse padrão de comportamento se agrega outro, o de realizar pontes entre as fontes financiadoras e os governos ± prestando ajuda para a mobilização e coordenação de recursos externos para a educação.

Pode-se perguntar qual a grande diferença entre o BIRD e os demais órgãos financiadores internacionais. A resposta é a de que essa diferença reside no fato de que o Banco Mundial abrange, nas suas negociações, todos os níveis, áreas e modalidades do sistema educativo. Isto lhe permite influir em cada país sobre as decisões que afetam o setor no seu conjunto. Isso, segundo Torres apud Cappelletti e Abramowic (1999, p. 111), pode ser comprovado no seu relatório sobre educação de 1995, quando demonstra o seu propósito:

Melhorar o acesso, a eqüidade e a qualidade do ensino implica em (sic) mudanças no financiamento e na gestão de um sistema educativo de um país. A reforma deve também se acelerar. A despesa pública com educação é freqüentemente ineficiente e injusta. A cada dia as despesas públicas em educação tornam-se mais difíceis de se financiar, na medida em que se expande o número de matrículas do setor público. Da mesma forma, a maior parte do sistema educativo é diretamente dirigida por governos federais ou estaduais, que dedicam a maior parte de seus esforços para tratar de assuntos tais como negociações sobre os salários dos professores, programas de construções escolares e reformas curriculares.

E, segundo Cappelletti e Abramowic (1999), dentro dessa perspectiva, através do seu grande instrumento de ação, o FMI, o BIRD exerce grande influência na política macroeconômica dos países, muitas vezes direcionando a política educacional dos mesmos.

Isso ocorre porque, segundo as autoras, além de conceder créditos, também presta assistência técnica aos países membros, realiza pesquisas e relatórios periódicos, pois conta com especialistas na preparação de projetos e na negociação com os governos. E, como é um

organismo de ação multilateral internacional hábil na condução e contratação dos referidos HVWXGRVEHPFRPRQDIRUPDGHYHLFXODURVUHVXOWDGRVYLDGHUHJUD³SRVLWLYRV´GLUHFLRQDGH forma evidente, a concessão e a justificação dos empréstimos.

'HVVH PRGR SRU PHLR GH ³DMXGD´ WpFQLFD H ILQDQFHLUD PROGD SRU H[HPSOR R QRVVR sistema educacional, no sentido de forçar o país e os nossos Estados na direção do processo de globalização, impondo-nos a reestruturação neoliberal por meio de políticas de ajustes estruturais, eis que as reformas educacionais atualmente desenvolvidas no Brasil se inscrevem nas orientações gerais dessa política.

Assim, o que se verifica é que se adotaram, nos últimos anos, posições políticas estabelHFLGDVSDUD³>@DGHTXDUDVSROtWLFDVHGXFDFLRQDLVDRHVYD]LDPHQWRGDVSROtWLFDVGHEHP- estar social; estabelecer prioridades, cortar custos, racionalizar o sistema, enfim, embeber os HVWXGRV GLDJQyVWLFRV H SURMHWRV HGXFDFLRQDLV D HVVD PHVPD OyJLFD´ 7OMMASI et al., apud CAPPELLETTI & ABRAMOWIC, 1999, p. 113). Percebe-se, assim, que a importância do BIRD, como agência internacional, justifica-se, também, pela sua atuação para além da chamada assistência econômica, a qual é concretizada pela concessão de créditos a projetos de infra- estrutura, como energia, transporte, saneamento e urbanização.

De modo que, segundo Fonseca (1997, p. 47), a explicação para esta crescente importância reside no fato de que, a partir dos anos 1970, o banco passou a constituir uma das mais relevantes fontes de financiamento para o setor social dos países membros, senão a maior delas. A guinada para o lado social tem a ver com a reestruturação organizacional da entidade, realizada no início da década de 1980, que lhe permitiu uma atuação mais política, especialmente no que se refere ao monitoramento do processo de ajustes estruturais junto aos diversos países, como base para a implantação do globalismo econômico e comercial.

Segundo a autora, percebe-se, assim, uma mudança de orientação do banco: a relação causal educação/crescimento/igualdade foi substituída pelo enfoque adaptativo de educação para a pobreza no contexto da segmentação do mercado de trabalho e pela diretriz de barateamento dos custos do ensino público. Para tanto, foram previstas ações educativas em zonas rurais e em periferias urbanas, conhecidas como educação para a pobreza e para geração imediata de renda.

A nova orientação do BIRD, voltada para o controle da pobreza e do reforço ao setor social, pode ser explicada como uma das reações aos movimentos sociais que eclodiram nos anos

1960, especialmente na América Latina, gerados pela orientação geopolítica do governo Nixon e agravados pela subseqüente crise energética do início da década de 1970.

Segundo o então presidente do banco, as medidas voltadas para a distribuição mais justa GDULTXH]DQmRFRQVWLWXtDPDSHQDV³>@XPREMHWLYRPRUDOPDVDQWHVGHWXGRXPLPSHUDWLYR SROtWLFR´ 0&1$0$5$DSXG)216(&$S ,VWRLQGLFDYDPDLVTXHDSUHRFXSDomR com a igualdade quanto aos direitos de todos, a necessidade de resguardar a estabilidade do bloco ocidental, em face das crises regionais e da guerra fria.

A preocupação com a pobreza fez com que o banco intensificasse os seus investimentos no setor social na década de 1980. Nesse processo, a educação primária passou a ser considerada como a mais adequada para regiões de elevada concentração de pobreza e que apresentassem crescimento populacional acelerado. Esta última questão foi considerada como fator de desestabilização das economias centrais e locais, pela possibilidade de gerar pressões massivas por benefícios sociais e econômicas. Embora, no Brasil, os projetos de educação primária só tenham sido desenvolvidos nos anos 1980, os estudos MEC/BIRD para a implantação desta nova política iniciaram-se em 1975.

No decorrer da década de 1980, o banco passou a articular a sua política de ajustes econômicos, como base para o projeto global de desenvolvimento. Nesta ótica, o financiamento para projetos sociais adquiriu PDLRULPSRUWkQFLDHQTXDQWRPHGLGDFRPSHQVDWyULDSDUD³SURWHJHU RVSREUHV´GXUDQWHSHUtRGRVGHDMXVWDPHQWRHFRQ{PLFRRXVHMDSDUDDOLYLDUDVSRVVtYHLVWHQV}HV sociais decorrentes (FONSECA, 1997).

Assim, escreve a autora:

No bojo da reestruturação organizacional nos anos 80, o Banco incorporou um modelo de financiamento denominado crédito de base política (Policy Based Loans), destinado a promover políticas de ajuste estrutural entre os países mais afetados pelo desequilíbrio econômico. Estas políticas, ainda em vigência, incluem a redução do papel do Estado, via diminuição do investimento do setor público e maior participação do setor privado; a realização de reformas administrativas; a estabilização de reformas administrativas; a estabilização fiscal e monetária; a redução do crédito interno e das barreiras de mercado. Além dessas exigências na base econômica, o novo modelo supõe a definição de condicionalidades políticas para os diversos setores financiados. Assim, os critérios para a concessão de créditos têm permitido que o Banco influencie as agendas setoriais dos diferentes países (FONSECA, 1997, p. 55).

Percebe-se, assim, que a instituição vem assumindo, como um dos seus pontos principais de atuação, a realização de reformas educacionais nos diferentes níveis de ensino, onde se identificam duas estratégias fundamentais:

A primeira que o banco denomina cost recovery (recuperação de custos), implica diminuir os encargos financeiros do Estado na área da educação, em consonância com as políticas de ajuste. Para tanto, recomendam-se medidas voltadas para a privatização dos níveis mais elevados de ensino, especialmente o superior. A prioridade dos recursos públicos deverá voltar-se para o ensino primário, garantindo-se, dentro deste limite inicial, a universalização do acesso à educação. A segunda estratégia direciona a prioridade dos empréstimos para uma cesta de insumos educacionais que se mostraram determinantes para o desempenho escolar dos alunos em países de baixa e média renda, segundo estudos internos do banco. Assim, bibliotecas, material instrucional e livros-texto são privilegiados em detrimento de fatores humanos, como formação, experiência e salário do professor. No âmbito docente, o que ainda conta é um certo nível de conhecimento, entendido como capacidade verbal e escrita dos mestres. Por esta razão, os projetos do Banco deverão privilegiar a distribuição de livros e de outros pacotes instrucionais, assim como o treinamento dos professores para a sua adequada utilização (FONSECA, 1997, p. 56).

E o que se pode perceber é que, no caso do Banco Mundial, a sua importância política junto ao setor educacional cresceu mais expressivamente na década de 1990, dada a sua atuação central, por exemplo, na organização da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia em 1990 (BIRD apud FONSECA, 1997).

E, conforme apresenta Fonseca (1997, p. 60-61):

[...] a observação dos créditos concedidos pelo BIRD à educação brasileira no período de 20 anos mostra um aporte fraco de recursos, proporcionalmente à magnitude dos gastos do setor. Neste período, o banco desembolsou pouco mais de cem milhões de dólares. Esta quantia, se não contribuiu para mudanças no quadro dos problemas estruturais da educação, permite que o BIRD participasse da definição da agenda educacional do país, em consonância com as condicionalidades impostas no processo de financiamento externo. É preciso ter em conta que, para receber esta quantia, o Brasil concorreu com pelo menos o dobro desses recursos, a título de contrapartida ao empréstimo. Fica evidente, pois, que o BIRD impôs suas condicionalidades sobre o próprio dinheiro nacional. Esta constatação leva a concluir que, em lugar de promover a autonomia setorial, declarada como um dos princípios da cooperação do BIRD, o co- financiamento tem aumentado a dependência do setor educacional, uma vez que vem constituindo uma camisa de força sobre os próprios recursos nacionais. Esta situação é agravada pelo fato de que a cooperação do BIRD vem se tornando um processo contínuo, no qual a decisão sobre futuros acordos é assegurada no interior dos próprios projetos, mediante os estudos de pré-investimento. Estes estudos constituem um dos itens financiáveis (ou componentes) dos projetos de financiamento. Isto significa que, no desenho de um determinado projeto, são incluídos estudos capazes de detectar a possibilidade de um futuro acordo com o

banco. Esta, sem dúvida, constitui uma forma de automatizar a continuidade dos financiamentos. Levando-se também em conta que os empréstimos internacionais implicam a imposição de condicionalidades políticas ao setor financiado, pode-se questioná-los como uma forma interveniente na condução da política local.

Desta forma, percebe-se que, segundo a concepção do problema assumido pela autora, a quantidade e a qualidade do apoio e dos financiamentos direcionados para os setores educacionais dos distintos países associados ao BIRD são definidos mediante os interesses do modelo global de produção vigente, o que implica, via de regra, a não-participação efetiva das sociedades afetadas. Isto, segundo ela, delimita o setor educacional e intensifica a sua dependência em nome de uma cooperação técnica e financeira que se anuncia como redentora da pobreza e como guardiã da autonomia das nações em desenvolvimento.

De tal modo se tem dado o processo, que temos assistido, nos últimos anos, à implantação de diversas reformas educacionais e de variados programas de ensino gerados a partir do receituário do Banco Mundial que, via de regra, é o mesmo no mundo inteiro, não importando as peculiaridades das regiões, Estados ou países em questão e que consiste no seguinte arcabouço geral: a) descentralização (leia-se municipalização) das questões de ensino; b) criação de novos padrões, novas orientações curriculares; c) implantação de programas de capacitação dos professores; d) projetos de elevação dos índices de desempenho (com políticas de recuperação dos estudantes em defasagem idade/série, e redução de gastos); e) criação e