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CAPíTULO 3. OS RESIDENTES FACE AO DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO

3.2. Perceções e atitudes dos residentes face ao turismo

3.2.1. Doxey Irridex Model

Uma teoria muito utilizada nos estudos do turismo, que adota uma perspetiva de análise diferente das referenciadas no capítulo relativo ao desenvolvimento dos destinos turísticos, é a apresentada por Doxey (1975) e denominada Irridex Model. Neste modelo o autor defende que, à medida que o destino turístico se vai desenvolvendo e complexificando, os residentes encaram o turismo e os turistas de forma diferente. O modelo Irridex, sintetizado na figura 3.1, pretende identificar e explicar os efeitos cumulativos do desenvolvimento do turismo sobre as relações sociais entre residentes e turistas e, por isso, revela-se extremamente importante para a análise a empreender nesse estudo, uma vez que, no concelho de Loulé, se encontram freguesias com estádios diferentes de desenvolvimento turístico, o que condiciona a perceção e atitudes dos residentes face ao fenómeno.

Doxey (1975) identifica quatro estádios de desenvolvimento do destino turístico, que correspondem quatro atitudes dos residentes face ao fenómeno:

O estádio inicial de exploração do destino corresponde a uma atitude de Euforia dos residentes. De acordo com o modelo, num primeiro momento, a população acolhe os turistas com entusiasmo e euforia sendo o turismo visto como fonte de prazer e desenvolvimento. Os visitantes são bem recebidos e, como são em número reduzido, o contacto que se estabelece entre turistas e residentes é equilibrado e frequente. Esta ideia é reforçada por Sharpley (1994) que refere que os residentes encaram o contacto turístico como uma forma de contacto diferenciado, entendendo-o como a possibilidade de ter acesso ao que o autor designa como “the outside world”.

Uma vez que os impactos negativos do turismo não são ainda evidentes, o desenvolvimento turístico é, para os residentes, uma oportunidade de crescimento, desenvolvimento e mudança. Daí o estado de euforia e a expectativa positiva a este associado. Para além deste aspeto, os residentes reconhecem no turismo uma nova e importante fonte de rendimento familiar.

Ocorre, nesta fase, o êxodo das populações residentes no meio rural, em direção às zonas de desenvolvimento turístico, que geralmente são as regiões do litoral ou os centros urbanos.40 No capítulo 5, relativo à caracterização do objeto de estudo, faz-se referência a esta situação a propósito das diferentes zonas em estudo.

O estádio seguinte, designado por Apatia, refere-se ao que ocorre no destino à medida que o turismo e o investimento em infraestruturas crescem. Menos elementos da população local contactam diretamente com os turistas e a presença destes passa a ser entendida como garantida pelos primeiros, sendo o contacto entre as duas partes motivado por interesses particulares de ambos, o que o torna esse contacto menos pessoal, passando a ser marcado, por parte dos locais, pelo interesse no ganho material. Devido a este menor envolvimento, a atitude dos residentes tende a ser a de apatia face aos turistas e ao turismo, que já não é encarado como uma novidade.41

O terceiro estádio, designado por Doxey por estádio de Irritação, é aquele em que começam a notar-se mudanças na localidade, como, por exemplo, o congestionamento humano e de tráfego, os preços elevados, os problemas sociais mais frequentes. Como Sharpley (1994) refere, o maior número de turistas presentes no local significa que o dia-a-dia dos residentes é alterado. Os residentes começam a sentir-se marginalizados no seu próprio território pois tudo é preparado para dar resposta às expectativas e necessidades dos turistas. Os limites de tolerância da comunidade começam a ser atingidos, verifica-se descontentamento e irritação nos residentes42.

O estádio quatro caracteriza-se por ser aquele em que os custos associados ao desenvolvimento turístico excedem os benefícios que este proporciona. Por este motivo a perceção e atitude dos residentes modifica-se e estes mostram-se muitas vezes hostis em relação aos turistas. Doxey (1975) designa esta atitude dos residentes como

Antagonismo. Os residentes estão demasiado dependentes do turismo e sentem que já

não controlam a situação. Os turistas passam a ser vistos pelos residentes como os culpados pelas mudanças negativas operadas no destino.

40 O que acontece no concelho de Loulé (ver capítulo 5).

41 No concelho de Loulé existem zona onde tal situação ocorre, como se pode verificar no capítulo 5.

42 Esta atitude de irritação face ao turismo é ilustrada no capítulo x, quando se descrevem algumas das freguesias do concelho de

A situação de antagonismo também se manifesta em alguns locais do concelho em estudo, como se evidencia no capítulo da sua caracterização.

Tabela 3.1 – Modelo Irridex de Doxey (1975)

Fase

Euforia Apatia Irritação Antagonismo

Fase inicial do desenvolvimento turístico

Visitantes e investidores da atividade são bem- vindos

O turismo é visto como fonte de emprego e rendimento pelos residentes Reduzido número de turistas Os visitantes são valorizados.

O turismo é visto como uma atividade de lucros. O contacto entre visitantes e visitados é mais formal.

Existe o predomínio de interesses comerciais, por parte dos residentes, no contacto com turistas O número de turistas aumenta Aumenta a concorrência na indústria Residentes sentem-se saturados com a chegada de turistas Passam a desconfiar e a duvidar dos benefícios da indústria turística O número de turistas aumenta drasticamente O nível de irritação dos residentes é grande

Os visitantes são vistos como a causa de todos os problemas Há uma oposição ao turismo e aos turistas, um clima de hostilidade O número de turistas atingiu ou ultrapassou o limite desejável

Fonte: Elaboração própria a partir de Doxey (1975)

A teoria de Doxey (1975) defende que o desenvolvimento do turismo tem um efeito contrário à atitude dos residentes face ao mesmo, isto é, quanto mais o turismo se desenvolve, mais negativas tendem a ser as perceções e atitudes dos residentes.

A figura 3.4 permite comparar o modelo de Doxey com o modelo de Butler, destacando como se relaciona o número de turistas com a perceção e atitude dos residentes do destino, nas diferentes fases do desenvolvimento do lugar enquanto destino turístico.

Figura 3.4 – Ciclo de vida do destino versus Doxey Irridex

Fonte: adaptado de Butler (1980) e Doxey (1975)

A partir desta comparação entre as duas teorias é possível sugerir e/ou prever uma fase seguinte no desenvolvimento do destino, associada a atitudes também diferentes por parte dos residentes. Considera-se que, no momento que se segue ao declínio da atividade e procura turística num destino, os residentes modificam, mais uma vez, a sua atitude face ao fenómeno, passando a ser dominados por um sentimento de nostalgia. Na verdade, quando o turismo declina, existe por parte dos residentes a recordação dos momentos anteriores, em que esta atividade crescia e prosperava, associada aos benefícios trazidos pelo seu desenvolvimento e estes começam a desejar que tal situação volte a ocorrer.

Tal como outras teorias e modelos, também o modelo Irridex é alvo de críticas por parte de diversos autores. Trata-se de um modelo de natureza qualitativa, considerado generalista por estudiosos tais como Souza e Dall Agnol (2008), Barreto (2005), Brunt e Courtney (1999), mas que é referido também como de considerável valor teórico para o estudo do turismo. Barreto (2005) afirma que se trata de um dos poucos modelos que tem sido testados e comprovados em diversos contextos turísticos, sendo de grande utilidade para o planeamento dos destinos pela possibilidade de antecipar possíveis consequências associadas a cada uma das fases.

Euforia Apatia Irritação Antagonismo Exploração Envolvimento Desenvolvimento Consolidação Estagnação 0 5 10 15 20 25 30 35 0 5 10 15 20 25 30 0 2 4 6 N º d e Tu ri stas N ív e l d e ap o io Tempo Nível de apoio ou irritação dos residentes N.º de turistas

Como Murphy e Murphy (2004) referem, o modelo de Doxey demonstra que o autor acredita que a relação entre residentes e turistas é unidirecional e inevitavelmente apocalíptica, uma vez que, à medida que a exposição dos residentes ao turismo se intensifica, estes começam a adotar reações cada vez mais negativas.

De acordo com Brunt e Courtney (1999) e Carmichael (2000), a maior debilidade no modelo de Doxey é justamente o facto de os residentes não formarem, como o modelo sugere, um grupo homogéneo mas constituírem, sim, comunidades heterogéneas43, o que implica a existência, em simultâneo, de diversas atitudes dos residentes num mesmo destino. Trata-se, por isso, para Murphy e Murphy (2004), de um modelo simplista que não revela toda a complexidade da realidade do destino. No entender destes autores, a situação descrita no modelo, ao invés de ser encarada como uma fatalidade, deverá ser vista como uma situação que exige intervenção com técnicas de gestão, tais como o planeamento físico e a gestão comportamental, de forma a reduzir os efeitos negativos do aumento do número de turistas.

Tendo em consideração esta crítica ao modelo, que realça a diversidade de atitudes e perceções por parte dos residentes, constituindo grupos diferenciados dentro de uma mesma comunidade, referem-se, mais à frente, alguns estudos que identificam precisamente a existência de tipologias de residentes diferenciadas uma vez que se reconhece que, num destino, a atitude e perceção dos residentes varia não só com o desenvolvimento turístico mas também com outros fatores, pelo que é necessário identificar essas diferenças.

O modelo de Doxey é ainda criticado por ser determinista e generalista. De facto, este modelo apresenta como algo inevitável e previsível, o destino da comunidade que se desenvolve turisticamente, quando, na verdade, pode haver várias possibilidades de desenvolvimento. O seu caráter generalista deixa implícito que todos os destinos estão predestinados a vivenciar sequencialmente as quatro fases descritas, o que também nem sempre é verdade.

Reconhece-se na literatura a frequente proposta de tipologias como meio de categorizar as relações e caracterizar os intervenientes na atividade turística. Nas tipologias mais frequentemente associadas aos turistas, diferentes autores procuram caracterizar os seus comportamentos, atitudes e expectativas, definindo perfis que permitam distinguir grupos de turistas. Também no estudo dos residentes a literatura tenta explicar a relação da comunidade com a indústria e com o turismo, como é o caso de Jurowski (2004), Singh (2011). Estes autores tipificam as relações entre os residentes e a indústria como podendo ser de quatro tipos: (i) aquela em que ambas as partes beneficiam (a mais desejável e favorável); (ii) a situação em que a comunidade beneficia mas o setor turístico não (situação pouco frequente); (iii) o caso em que a comunidade não beneficia mas a indústria turística sim (situação mais comum); (iv) a situação em que ambas as partes perdem (que pode ocorrer, nomeadamente, quando os destinos atingem o seu estado de declínio).

No presente estudo, o termo comunidade é utilizado no sentido atribuído por (Williams e Lawson, 2001) que a definem como um grupo de pessoas que partilham objetivos e opiniões. Entende-se esse grupo de pessoas, neste caso, como sendo constituído pelos residentes e analisa-se a sua relação com a indústria turística e com os turistas de forma a perceber as possíveis particularidades existentes no concelho de Loulé.

No sentido de distinguir vários tipos de residentes, no que respeita às suas diferentes perspetivas sobre o turismo, Davis et al. (1988) identificam cinco segmentos de residentes que incluem desde os que mais gostam e apoiam o turismo aos que mais se recusam a aceitá-lo ou não o apoiam, cujas percentagens se apresentam para cada categoria: (1) Lovers (20% da amostra), aqueles que não têm qualquer opinião negativa sobre o turismo; (2) Love them for a reason (26%), os que são pró-turismo mas de forma menos marcante que os Lovers (3) Causticromantics (21%), os que, apesar de terem uma atitude positiva face ao turismo, reconhecem alguns aspetos negativos; (4)

In-betweeners (18%), os que têm opiniões moderadas, concordam com as afirmações

num grau mais intermédio do que os Lovers ou os Haters; (5) Haters (16%), os que têm uma opinião extremamente negativa face ao turismo e aos turistas. Com o mesmo

objetivo, Ryan e Montgomery (1994) identificaram, a partir de um estudo realizado em Bakerell, Inglaterra, três clusters de residentes: (1) os entusiastas (22%), são os que suportam/apoiam o turismo mas sem ser excessivamente; (2) os de alguma forma irritados (23,5%), que têm uma opinião negativa sobre o impacto do turismo e especialmente sobre os seus benefícios; (3) os Middle-of-the roaders (54,3%), que geralmente se situam entre os outros dois, como a designação desde logo sugere.

A identificação de clusters de residentes é também apresentada por Williams e Lawson (2001), a partir de um estudo efetuado em cidades da Nova Zelândia onde foram aplicados questionários a 1062 residentes. Este estudo permite aos autores identificar quatro clusters de residentes que classificam da seguinte forma: (1) Lovers (44%), são os que aprovam e acreditam no turismo e nos seus benefícios distribuídos na comunidade; (2) Cínicos (10%), são os que aprovam o mínimo possível e acreditam que o turismo modificou, para pior, a comunidade; (3) Taxpayers (25%), são os que não sentem muito o que tem a ver com o turismo a não ser no que respeita aos impostos que pagam; (4) Inocentes (20%), são os que parecem não perceber os benefícios e os malefícios do turismo devido ao seu contacto pouco direto com o mesmo.

No contexto da presente investigação, entende-se como relevante a identificação do estádio de desenvolvimento turístico da zona de residência. Assim, pretende-se, como foi referido na introdução: (i) verificar se esse estádio de desenvolvimento turístico influencia as perceções dos residentes sobre o impacto do turismo; (ii) identificar se existe correspondência, para o caso do concelho de Loulé, entre o nível de desenvolvimento turístico e as diferentes fases propostas por Doxey (características das perceções e atitudes dos residentes dos destinos); (iii) perceber em que medida é possível identificar diferentes tipologias de residentes, nas freguesias do concelho, baseando esta tipificação na perceção dos impactos do turismo na sua qualidade de vida; (iv) perceber eventuais diferenças na perceção dos residentes, que resultem de fatores não associados ao nível de desenvolvimento turístico.