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Edição de 1975: voz profética contra a injustiça socio econômica

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1 Época da redação estrangeira (1959-1970): Ernst Grimm

2 Época da redação brasileira (1971-1986): José Pinto de Oliveira

2.2 Edição de 1975: voz profética contra a injustiça socio econômica

A edição de 1975 (reeditada em 1981), especialmente o segundo semestre, se so- bressaiu não somente pela época em que foi escrita, provavelmente perto do fim do ano de 1974, como também pela abordagem dos temas e o uso de uma terminologia bastante específica sobre missão, justiça, pobres, economia, que dialogam diretamente com pers- pectivas progressistas expressas nas teologias contextuais da América Latina e na preo- cupação de evangélicos com os desafios da sociedade e da política, como expresso na

Conferência do Nordeste de 1962. A abordagem dos temas, decerto, não será feita de

forma descolada do contexto, cujo pano de fundo já foi traçado. Não foi possível avaliar o impacto dos temas dessa revista na igreja, mas nada esconde a realidade de que se tra- ta de uma voz profética contra a injustiça socioeconômica e um forte chamado à ética como resultado de uma religiosidade viva e verdadeira.

O tema da justiça é transversal a todos os assuntos da revista. A justiça, nesse momento, passa a ser a régua pela qual serão medidas as ações dos crentes diante da igreja, das pessoas, da sociedade e do governo.

Na introdução ao segundo semestre a lição estabelece o foco por onde vai cami- nhar e explica que são lições estraídas dos livros de “Amós, Oséas, Isaías e Miquéias, conhecidos como os profetas da justiça e da misericórdia.” Define ainda a missão do profeta como a de denunciar “a idolatria, a injustiça social; o culto formal e o secularis-

701 Id. Eis que tudo se fez novo. Ibid. n. 43, 1979. p. 115. 702 Id. Ibid. p. 116.

mo. O formalismo e o secularismo separavam a religião da vida, juntando-se à idolatria e à injustiça social.”703 Como se tem notado no pensamento de Oliveira, a adoração idó-

latra, isto é, desvirtuada, gera uma sociedade injusta.

Com base na profecia de Amós (2.7), Oliveira afirma que “prepotência dos ricos, que se valem do seu prestígio e do seu dinheiro para oprimirem os pobres, apenas faz crescer as barreiras de separação e os desajustes de classes. A Bíblia está sempre a nos mostrar Deus contra a opressão dos ricos contra os pobres - (Prov. 22.22-23).”704 A lei- tura de conjuntura do escritor é a de que as diferenças e problemas sociais são origina- dos pela crueldade e egoísmo dos ricos. Essa opressão se manifesta em forma de explo- ração:

A mensagem do profeta parece escrita para o nosso tempo. Lê-se, quase diariamente, notícia de repressão a mercadores inescrupulosos que, fugindo ao tabelamento, elevam o preço dos gêneros de primeira necessidade em flagrante exploração dos consumidores.705

A denúncia segue adiante qualificando a sociedade que permite tais descompassos como pisar o pobre e ainda exigir dele tributo (Am 2.11-12) como iníquia, e Deus não aceita essa asituação: “Provoca a ira de um Deus justo. Clama aos céus a hediondez dos pecados cometidos com base na superioridade do poder econômico.”706

A razão para isso é atribuída à negligência dos valores espirituais [cf Os 4.1] e éti- cos. Estes se perdem se estiverem dissociados da fé e do temor a Deus.707

Mais uma vez, a piedade está diretamente associada à ética: “O culto, que repre- senta a harmonia do crente com o seu Deus, necessariamente o leva à prática da justiça nas suas relações com o próximo.”708 Nesse sentido, há um convite para compreender

que “Justiça e retidão são termos éticos e, por isso mesmo, sociais.”709

A injustiça, por outro lado, perverte até mesmo os “órgãos da justiça” e transfor- mam a própria Justiça na “razão do crime” (Am 2.6), mas a consciência de um juíz que realmente é digno da magistratura não se deixa vender.710

Sua leitura de Isaías traz ainda a dimensão de que Deus está presente na história, e a injustiça, a maldade aparentemente dominam o mundo. “A realidade final, porém, será

703 OLIVEIRA. 2º Semestre de 1975 [Introdução]. 52 lições para a Escola Dominical. n. 39, 1975. p. 50. 704 Id. Justiça nas relações humanas. Ibid. p. 53.

705 OLIVEIRA. Justiça nas relações humanas. Ibid. n. 39, 1975. p. 53. 706 Id. Deus exige retidão de conduta. Ibid. p. 55.

707 Id. Deus exige obediência. Ibid. p. 58.

708 Id. Exigências do Deus que cultuamos. Ibid. p. 62. 709 Id. Deus exige retidão de conduta. Ibid. p. 55. 710 Id. Justiça nas relações humanas. Ibid. p. 52.

a vitória do bem, da verdade e da justiça. Nós vemos apenas o momento que passa, Deus considera os fatos do ponto de vista da eternidade.”711

A revista afirma que sobre a palavra do profeta Miqueias, que essa depravação atinge o coração humano e tira dele a sensibilidade. Faz com que nãos e comova com o sofrimento da viúva, do órfão.712 Deus, no entanto, condena veementemente os que agem assim: “Oprimir o pobre é maquinação que Deus condena.”713 A solução para tais

problemas socioeconômicos é a prática de um culto em que o ato exterior corresponde ao interior.714

No entanto, Oliveira expressa preocupação, no entanto, com a igreja:

Numa igreja ou congregação convenientemente organizada, o trabalho espiritual tem prioridade. A assistência social, embora importante e, que não deve ser negligenciada, não deve ocupar o tempo de que deve dedicar-se à oração e ao ministério da palavra ([At 6] v. 4) 715

Nesse sentido, a compreensão de missão da igreja correponde ainda àquela finali- dade exposta anteriormente, de primeiramente ser lugar de comunhão e de culto. A tare- fa de influenciar na sociedade cabe ao invíduo. Aliás, importante valorização é dada ao direito individual, principalmente daqueles que estão na posição de desvantagem: “Deus exige que seja reconhecido o direito de cada um. O direito surgiu precisamente para im- pedir a exploração do fraco. A perversão deste princípio contraria frontalmente os dis- positivos divinos.”716 Nesse sentido, assim como é garantido o direito de “cada um”, cabe a cada crente refletir a “bondade no trato com os seus semelhantes, e de modo es- pecial com aqueles que vivem em condições econômicas e sociais desfavo-ráveis. É um crime contra Deus aumentar o sofrimento do pobre.” 717

Inspirado na pregação do pofeta Miqueias (cap. 3), Oliveira estabelece, além da responsabilidade individual, a parte que cabe aos governantes: “As autoridades são res- ponsáveis pela administração da justiça. Não podem omitir-se. Devem agir com retidão, porque a Deus, o Supremo Juiz, prestarão contas de seus atos.” E ainda: “Atraem sobre

711 Id. A mão de Deus dirige a história. Ibid. p. 65. 712 Id. Deus exige justiça econômica. Ibid. p. 70. 713 Id. Ibid.

714 Id. A retidão pessoal demonstrada. Ibid. p. 72.

715 OLIVEIRA. A igreja e a organização do trabalho. 52 lições para a Escola Dominical. n. 39, 1975. p.

82.

716 Id. Deus exige retidão de conduta. Ibid. p. 55. 717 Id. Ibid.

si a ira de Deus os que pervertem as suas leis, aumentando o sofrimento do pobre. Deus os chamará a juízo. Responderão pela sua iniqüidade.”718

Como realização histórica do horizonte utópico do Reino de Deus, o autor busca o exemplo da comunidade primitiva no sentido de estabelecer um padrão para a igreja de seu tempo: “A fraternidade na igreja primitiva era uma miniatura do reino de Deus na terra. Foram eliminadas as distinções entre o espiritual e o material, entre o sagrado e o secular. O que tinham os crentes em comum na vida espiritual, tornou-se também reali- dade na vida econômica.”719 Sendo assim, a igreja, não como organismo social – que

pode perder a noção de seu objetivo e se tornar uma ONG –, mas como “miniatura do reino de Deus” é capaz de reproduzir e ser exemplo para o mundo de como as coisas devem ser, a começar por extinguir a dictomização do ser humano e estabelecer a justi- ça apregoada pelos profetas.

718 Id. Deus exige justiça econômica. Ibid. p. 70. 719 Id. Frutos da comunhão fraternal. Ibid. p. 77.

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