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ICPB entre as ondas do movimento pentecostal

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3 A Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil: personagens e testemunhos na construção da sua história

3.2 Historiografia inicial e tipologia a partir do testemunho dos pioneiros

3.2.2 ICPB entre as ondas do movimento pentecostal

A ICPB possui características que a situam doutrinária e praticamente entre as assim chamadas primeira e segunda ondas do movimento, conforme a classificação que Paul Freston

135 FRANÇA, Aluisio Epifânio de. “Igreja de Cortes/Pernambuco e seus 40 anos” O Herói da Fé. Abril, Maio e

Junho de 1978, ano XIV, nº 1, p. 3.

136 SILVA, Joaquim Damião da. “Testemunho Histórico” O Herói da Fé. Novembro de 1980 a Junho de 1981,

ano XVII, nº 7, p. 1.

137 SILVA, Joaquim Damião da. “Testemunho Histórico” O Herói da Fé. Novembro de 1980 a Junho de 1981,

e Ricardo Mariano fazem. Freston138 organiza o movimento pentecostal brasileiro numa lógi- ca histórico-institucional, geográfica, social e cultural, considerando a dinâmica de três ondas, o que sugere movimento e sucessão: primeira onda: pentecostalismo clássico (1910-1950);

segunda onda: movimentos de curas, tendas e rádio (1950-1960); terceira onda: neopentecos-

talismo (1970 em diante). Apesar de contestável, a maior parte dos estudiosos considera queo pentecostalismo clássico é protagonizado pela Congregação Cristã no Brasil (1910) e pelas Assembleias de Deus (1911). Ricardo Mariano139 chama a segunda onda (1950-1960) de deu-

teropentecostalismo, ou, literalmente, “segundo pentecostalismo”, porque o termo grego

“deutero” expressa melhor a dinâmica de sequência, mudança e ao mesmo tempo repetição em determinados aspectos. Com relação à terceira onda, mantém a nomenclatura neopente- costalismo ou pentecostalismo autônomo, mesmo reconhecendo as limitações da classifica- ção.

Essas tipologias são limitadas, obviamente, e fica evidente, por exemplo, quando des- consideram vários movimentos e igrejas pentecostais que não estão ligados às Assembleias de Deus ou Congregação Cristã entre os anos 1910 e 1950. Porém, ainda assim ajudam a com- preender o movimento uma vez que mostra suas principais características e uma sequência cronológica.

Até o momento já foram (ou serão) elencadas muitas características da ICPB que a inse- rem no chamado pentecostalismo clássico (primeira onda), quais sejam: ênfase no batismo com Espírito Santo como revestimento de poder e capacitação do alto para realizar a obra de Deus; missionários/as que deixavam seu país em busca de cumprir seu chamado às nações com pouco ou nenhum recurso de sua igreja ou movimento de origem; estilo de vida e teolo- gia herdadas de setores conservadores da América do Norte.

Os dados históricos e doutrinários expostos doravante retomam características do mo- vimento pentecostal classificado como de segunda onda, definido, sobretudo pelo uso de ten- das e rádio como instrumento de propagação, das curas e exorcismo como realidade da pre- sença de Deus nos cultos e o envio de missionários/as com mais recursos. Tais menções acon- teceram exatamente a partir da década de 1950.

A começar por um testemunho de cura registrado por Miller durante um batismo:

Em 23 de dezembro de 1951, eu batizei uma senhora aleijada em Pombos [PE], que durante anos andava com muletas, mas ao sair da água sentiu a

138 FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem anjos nem

demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

139 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola,

força fluir em seus membros, e jogando as muletas de lado prosseguiu an- dando, louvado seja Deus! Um testemunho vivo do poder de cura do nosso Bentido Senhor Jesus.140

Alguma resistência com o uso de determinadas mídias apareceu no jornal da PCC. Um longo artigo ocupou a capa e mais meia página do The Pentecostal Witness, edição agosto e setembro de 1952, com o seguinte título: Why television is wrong,141 e tece argumentos bíbli- cos e estatísticos contra o uso do aparelho, que era considerado má influência. O autor é C. P. Weiford, da PCC de Baltimore, MD. O mesmo comportamento permeava a ética de outras igrejas pentecostais.

Em 1955 Frew era o editor do jornal O Herói da Fé, que começou a circular naquele ano.142 Materiais evangelísticos como bíblias e outras publicações eram adquiridos da Socie-

dade Bíblica do Brasil com preço menor, e dessa forma estavam sendo distribuídos. A moti- vação era um fenômeno muito comum: conversão de muitos católicos ao pentecostalismo:143 “quando um Católico começa a ler a Palavra de Deus com um coração honesto, ele geralmen- te aceita a Verdade.”144 Harland Graham, missionário britânico, amigo dos fundadores da

ICPB, mantinha um programa de rádio que atingia sete estados brasileiros.

Horace Ward, que se mostrava um estrategista do ponto de vista do uso dos métodos de evangelismo e da leitura da realidade em que estava inserido, logo percebeu algo que estava dando certo em São Paulo: a evangelização por meio de tendas. Por isso, se coloca diante de uma longa argumentação para mostrar as vantagens do método.

Eu descobri que tenda é uma resposta para o nosso problema de espalhar o Evangelho no Brasil. Pessoas que vão a uma tenda são as que nunca iriam a uma igreja, e muitas delas vão e se sentam. [...] Uma tenda aqui permanece por um ano, ou um pouco mais. O Irmão Smith está trabalhando em Santos há mais de um ano agora, e nós temos aproximadamente quatrocentos mem- bros [...]. Você conhece algum outro trabalho que esteja prosperando tanto quanto este? Nós temos uma tenda de aproximadamente 13 por 22 metros, que custa cerca de 1500 dólares. [...] Mas o que são 1500 dólares em compa- ração com almas? Nós temos gastado milhares de dólares nos últimos 22 anos e temos apenas 1500 almas, mais um número de igrejas construídas pa- ra mostrar. Enquanto num período de um ano de tenda nós temos cerca de 400 membros, além de outros que foram para outras igrejas e estão salvos da mesma forma. Eu não quero desmemerecer nosso trabalho ao longo de 22 anos. O Senhor sabe que temos trabalhado, e não perdemos tempo. Mas, se

140 THE PENTECOSTAL WITNESS. Março de 1952, p. 7. 141 Idem. Agosto e setembro de 1952, p. 1 e 8

142 Idem. Maio de 1955, p. 4

143 Aqui cabe a constatação de Regina Reyes Novaes de que os agricultores “crentes” não se distinguiam dos ca-

tólicos na prática econômica, mas sim na identidade social, religiosa, e isso significa um distanciamento das coi- sas do mundo e a obrigação de pregar a Palavra de Deus (NOVAES. 1985: 140-141).

há uma maneira de levar o Evangelho para o povo mais rápido do que temos feito, estou pronto para isso.145

A igreja em Vila Bela (São Paulo), aberta pelo próprio Ward, fechou pouco antes dele retornar ao Brasil em 1956, por falta de alguém que a liderasse, mas as intensas atividades evangelísticas do missionário estavam reerguendo-na. Cerca de 500 pessoas já tinham se con- vertido nos serviços de tendas, em parceria com o irmão Smith. Em Santos, Ward cobria as férias de Smith e persistia em afirmar que a tenda ou tabernáculo era a melhor maneira de evangelizar.146 Apesar disso, continuava a alugar salões para pessoas que não podiam ir às tendas, embora a intenção de Ward e de Smith fosse clara: “Estamos tentando cobrir a cidade com tendas. Elas têm acampado alguns entre [o aqui e] a Eternidade”. 147 Os encontros na ten-

da de Ward aconteciam duas vezes ao dia: às 15h e às 20h. No horário noturno os cultos eram cheios, conforme os relatos.

Ward, de São Paulo, testificou a cura de um homem que tinha uma hérnia e que um crente recebera o batismo pentecostal na tenda, após anos de cristianismo. Ward batizou al- gumas pessoas, entre as quais um casal de cerca de 70 anos. A forte tendência das igrejas do velho mundo enviarem missionários para os países em desenvolvimento se fazia sempre pre- sente: um missionário britânico (inominado) esteve pregando nos cultos promovidos por Ward e seu amigo. Este missionário teve sua casa invadida por católicos no Ceará e seus mó- veis quebrados poucos anos antes.148

A primeira menção ao nome de Ernst Grimm, missionário associado da PCC, no The Pentecostal Witness ocorreu na edição de setembro de 1957, e o assunto remete justamente ao tema deste tópico: características das ondas do pentecostalismo na ICPB. Aspectos da segun- da onda são marcantes nesse momento. Ward e Grimm atuaram juntos em São Paulo, inclusi- ve na reorganização da igreja em Itaim [Paulista]. Depunham que lá “o fogo estava caindo” e havia salvação, santificação, batismos com Espírito Santo e curas de enfermidades.149 Curas eram eventos não muito comuns de serem relatados nos cultos da ICPB até aquele momento.

A utilização do rádio foi também ressaltante na ICPB. As igrejas em Santo André, cuja primeira congregação nasceu de membros de uma igreja presbiteriana que receberam o batis- mo pentecostal e outros que ouviram a mensagem, podem ser atribuídas ao ministério de Ernst Grimm, com sua pregação especialmente radiofônica, como observa Horace Ward:

145 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1956, p. 5 146 Idem. Dezembro de 1956, p. 5

147 Idem. Maio de 1957, missionary page. 148 Idem. Julho de 1957, p. 5

A maior razão para termos um novo grupo entrando para a nossa igreja [San- to André] é por causa do Programa de Rádio dirigido pelo Irmão Grimm. Ele é ouvido e conhecido em uma grande área por causa da transmissão. Ele foi informado que recentemente as autoridades do estúdio fizeram um teste e descobriram que ele é o “Programa Mais Ouvido” da estação [...]. 150

O testemunho de Grimm evidencia duas coisas típicas do movimento pentecostal dos anos 1950. Primeiro relata uma possessão, durante um culto de batismo em Itaim, em novem- bro de 1957: “O adversário enviou duas pessoas possessas de demônio à nossa reunião, mas os demônios foram embora logo após nós os expulsarmos em nome de Jesus. Deus seja lou- vado, os sinais estão seguindo os que crêem.” 151

Outro aspecto do movimento pentecostal, em especial nas décadas de 1950 e 60, é a “pentecostalização” de evangélicos de igrejas tradicionais históricas, e mesmo o “rebatismo”, por imersão, que acompanha o movimento desde o início. Este foi o caso da ICPB em Santo André:

Enquanto isso, um grupo que pertencia a uma denominação “fria” aqui em Santo André, me pediu para levá-los em nossa igreja, eu estava muito feliz porque eu tinha orado para que o Senhor me enviasse este grupo. Eles não puderam permanecer em sua igreja, porque quase todos eles foram batizados com o Espírito Santo. Agora, temos aqui um grupo cheio de fogo que está disposto a trabalhar para o Senhor. Durante uma semana de cultos, 20 aceita- ram o Senhor. Em 15 de dezembro, com a ajuda do Senhor, nós teremos um serviço batismal desse grupo porque eles foram batizados [com água] de uma forma não encontrada no Novo Testamento.152

Ward também presenciou Grimm doutrinando aquele grupo de crentes recém-chegados. Procurando guarida, visitaram o maior grupo pentecostal da região, mas não se sentiram bem lá. Foram a outro grupo pentecostal bastante popular, mas também não criaram empatia.

Então eles ouviram o programa de rádio “A Hora da Libertação”. Quando eles ouviram o programa, começaram a procurar pelo Pastor, ou diretor do programa. O Irmão Grimm não pediu que eles se juntassem a nós, mas esta- va orando para que o grupo pudesse vir até nós. Vários deles foram à sua ca- sa um dia, e pediram a ele para fazer parte. 153

O novo grupo precisou aprender a necessidade de serem batizados por imersão, e depois de alguma relutância, aceitaram.

Grimm prosseguiu contando os trabalhos em que a ICPB se envolvia (e a presença dos elementos mais enfatizados pelo deuteropentecostalismo):

150 Idem. Dezembro de 1957, p. 5 151 Ibidem, p. 5

152 Ibidem, p. 5 e 8

Aqui em Santo André nós tivemos um [evento de] avivamento em parceria com uma outra igreja Pentecostal e durante as várias noites de reunião tive- mos um público de 20 mil pessoas. Milhares fizeram sua decisão por aceitar Jesus como Salvador e centenas foram curados das mais terríveis doenças e males. Coxo andou, surdo começou a ouvir e o mudo começou a falar suas primeiras palavras. Centenas rasgaram seus pacotes de cigarro e os lançaram ao chão, sendo libertos de seus vícios. Nossos obreiros têm em mãos bastan- te trabalho a fazer para acompanhar o povo. Acredito que em julho teremos um maravilhoso serviço batismal. 154

Em 1959 Grimm pensava numa estrutura física mais estável e fixa do que as tendas. Grimm planejava construir um templo para a região sudeste que pudesse abrigar de 400 a 600 pessoas.155

Ward descrevia com entusiasmo o avanço da ICPB no interior do Brasil, no estado do Mato Grosso, onde relata ter encontrando um índio do povo xavante, e sentiu-se tocado para em breve evangeliza-los também. O obreiro Rui Barbosa Valim e ele pregavam com frequên- cia na praça, e tinham um programa de rádio. Rui era um jovem de 29 anos que provinha da Igreja Presbiteriana Independente, e se uniu à ICPB e ao ministério de Frew juntamente com o grupo que recebera o batismo com Espírito Santo.156 No final de 1959 a ICPB contabilizava mais de 1700 membros.

Em Florianópolis, SC, o primeiro “nativo” aceitou Jesus durante uma escola dominical na casa de Grimm. Em 1962 Ernst Grimm voltou a falar sobre o rádio como meio de evange- lização, e dá pistas da grande procura por este instrumento de divulgação por religiosos:

Ondas de rádio são uma das formas mais eficientes de entrar em muitos lares com a Mensagem do Evangelho. Muitas pessoas não podem ser persuadidas a ir para a igreja, mas ouvirão uma transmissão evangélica.

Lembrando que a igreja em Santo André foi fruto da transmissão de rádio, eu aluguei um local ao redor para ter um tempo de rádio. Uma estação de rádio me rejeitou porque eles já têm oito transmissões religiosas, e as outras não têm tempo disponível. A terceira me aceitou e nós estávamos no ar com um programa diário, enquanto os outros transmitem apenas uma vez por se- mana.

[...] No último sábado o Diretor Comercial da estação de rádio me chamou e me disse, “Pastor Grimm, eu não sei o que está acontecendo. Nossos funcio- nários não gostam de programas de religiosos, mas quando você está no ar eles todos se reúnem para ouvir!” Tomara que o Senhor salve muitos de- les.157

Em 1964, na igreja de Itaim, São Paulo, uma mulher foi conduzida ao culto num carri- nho de mão porque não conseguia andar. Conforme a descrição, ao orar por ela, Ward clamou

154 THE PENTECOSTAL WITNESS. Outubro de 1958, p. 5 155 Idem. Março de 1959 – Special Edition, p. 5

156 THE WITNESS AND MESSENGER. Agosto de 1959, p. 5 157 THE WITNESS AND MESSENGER. Abril de 1962, p. 4

o nome de Jesus e a ajudou a sair do carrinho, mas ela acabou se sentando nele de volta. No dia seguinte, porém, a mulher regressou sem o auxílio do carrinho, com um sorriso no rosto. Em Florianópolis, testemunhou-se que um homem que era totalmente cego de um olho voltou a enxergar. Foi batizado com o Espírito Santo e se destacou como obreiro ao lado de Ernst Grimm.158 O último relato do uso de tendas na ICPB foi em 1964, na cidade de Londrina, PR.

Ward, acompanhado de Hoover, tencionava abrir uma congregação, mas não foi possível alu- gar o salão. Andando pela cidade, encontraram uma tenda onde decidiram atender ao serviço nela, e foram até convidados a conduzir uma campanha de avivamento. Foram convidados in- clusive para pregar no rádio, sob o anúncio de que “missionários da Igreja de Cristo Pentecos- tal” pregariam.159

Este primeiro capítulo conclui-se apresentando aspectos mais introdutórios e gerais dos pentecostalismos desde as origens até os aspectos que mais tocam a ICPB, principalmente os de primeira e segunda ondas com suas peculiaridades práticas e teológicas; sua fundação e trajetória histórica protagonizada inicialmente por norte-americanos de origem em denomina- ções protestantes tradicionais e do movimento de santidade holiness; a forma de trabalho de- senvolvido e os rumos que estavam sendo traçados pela denominação. Fica perceptível como as narrativas fundantes e as experiências religiosas tomam a mesma credibilidade de fatos comprováveis por documentação ou plausíveis numérica e logicamente. Certamente a auto- compreensão que a igreja vai tendo está baseada nessa lógica de interpretação narrativa (alta- mente subjetiva) da vida, dos textos bíblicos e do testemunho de fé: pouco reflexiva e contes- tada, mas bastante vivenciada e valorizada.

No próximo capítulo o trabalho procurará estabelecer um diálogo entre a compreensão do/as missionários/as pioneiros/as e o contexto em que estavam inseridos durante o trabalho missionário no Brasil, a partir dos textos que escreveram para o jornal de circulação em sua igreja mantenedora e assim termos condições de avaliar a percepção das circunstâncias. Por essa razão, o capítulo dois representa uma continuidade não só do trabalho, mas da construção de um panorama sobre a história e a teologia da ICPB, inclusive acrescentando informações sobre seu desenvolvimento, mas também revelando a perspectiva das personagens que são va- lorizadas em sua história como heróis e heroínas e que, por serem lideranças e figuras de refe- rência, terminam sendo a voz mais presente e sobressalente.

158 Idem. Maio de 1964, p. 4 159 Idem. Novembro de 1964, p. 5

Capítulo 2

A igreja e o contexto brasileiro na perspectiva

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