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Efeitos toxicológicos de algumas drogas de abuso

As chamadas drogas de abuso, drogas de uso recreacional ou entorpecentes são substâncias proibidas por lei, uma vez que apresentam, na maioria das vezes, alto potencial de causar dependência física e psíquica aos seus usuários. Essa dependência é resultado dos efeitos químicos que elas produzem no metabolismo, especialmente pela alteração da produção e liberação de hormônios relacionados à sensação de prazer e bem-estar.

Dentre os mais variados tipos de drogas ilícitas existentes, pode-se exemplificar os principais efeitos produzidos por aquelas que estão amplamente disseminadas no país, as quais são: a maconha, a cocaína, o crack, o ecstasy e o LSD.

A maconha é uma droga natural, preparada a partir do extrato desidratado e picado da planta Cannabis sativa (Figura 39). Esse vegetal, cujos efeitos já são conhecidos há mais de quatro milênios (RIBEIRO et al., 2005), é bastante comum na América do Sul, especialmente na Bolívia e no Paraguai, que são os seus maiores produtores e exportadores, abastecendo grande parte do comércio ilegal mundial.

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Devido à simplicidade do cultivo, do rápido e prático processo de preparação da droga e do aproveitamento de praticamente toda a planta (tendo a maior concentração de substâncias narcóticas nas folhas e, principalmente, nas flores; já as demais partes também pode contê-las, exceto as raízes), a maconha é atualmente o entorpecente mais distribuído e consumido no Brasil, fazendo-se presente em todas as classes sociais.

Por outro lado, devido às características adaptativas da planta à região tropical, sua produção também tem sido realizada no Brasil em pequena escala, inclusive nas próprias casas dos usuários e/ou traficantes (geralmente, no fundo do quintal, misturada à outras plantações, ou ainda, em cômodos escondidos dentro de casa – equipados com iluminação artificial e aplicação de fertilizantes, ou até, em alguns casos, por meio do cultivo hidropônico), dificultando substancialmente o trabalho de repressão policial à esses crimes.

A maconha (baseado, beck ou marijuana, como também é popularmente conhecida) apresenta dezenas de substâncias canabinoides com efeitos fisiológicos – dentre eles: o canabidiol e o canabinol –, com destaque para o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) (Figura 40), cuja concentração varia de 0,5 a 4%, segundo Velho et al. (2017), na mistura final.

CANABINOL CANABIDIOL THC

O THC é a substância de maior efeito psicoativo que contém na maconha. Sua ação ocorre no sistema nervoso central, alterando a modulação neural dopaminérgica. O THC é classificado como uma droga de efeito alucinógeno, pois provoca alterações nas percepções sensoriais, na memória, nos sentimentos e no pensamento, podendo culminar em quadros de alucinações.

Logo após o seu uso – de 20 a 30 minutos se fumada (a partir de cigarros contendo entre 2 e 5mg de THC) (RIGONI et al., 2006), e de uma a duas horas se ingerida (em brownies e coquetéis, por exemplo, cuja quantidade pode variar consideravelmente) –, aparecem os principais “efeitos positivos”, aos quais incluem: aumento da autoconfiança e autoestima, “sensação de relaxamento,

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os cinco sentidos ficam mais aguçados, qualquer coisa torna-se divertida, euforia e aumento de prazer sexual” (RIGONI et al., 2006).

Terminado o tempo de ação da maconha – que pode durar por até 12 horas, a depender da forma e quantidade de consumo –, efeitos negativos podem surgir, mesmo que em diferentes graus de intensidade, como os de ansiedade, angústia, paranoia, desatenção e diminuição da capacidade intelectual e motora. Do ponto de vista físico-clínico, são comuns também o aumento do apetite (popularmente conhecida como larica), taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos), midríase (dilatação das pupilas), boca seca, dentre outros.

Ribeiro et al. (2005) e Rigoni et al. (2006), em pesquisa sobre os efeitos do consumo e dependência da maconha, relataram que problemas de aprendizagem pode ocorrer à longo prazo, além de efeitos como perda de memória, diminuição da motivação para realizar as atividades cotidianas (apatia e improdutividade), depressão, desregulação da menstruação, perda de libido e infertilidade (devido à diminuição da produção do hormônio testosterona) e quadros de psicoses.

Rigoni et al. (2006) ainda chamam a atenção para o período da adolescência, na qual o uso dessa substância pode ter significativas consequências no rendimento escolar dos jovens (refletindo em reprovações, muitas vezes), bem como eles podem apresentar graves transtornos nos seus desenvolvimentos físico, psíquico e social.

O exame toxicológico para verificar se houve consumo de maconha é feito, geralmente, coletando-se sangue, se a suspeita for de uso recente e esporádico (em torno de até 24 horas depois), ou urina, caso se tenha passado até 15 dias do uso. Em períodos maiores, considerando- se intervalos de tempo desde o último uso, recomenda-se o teste em fios de cabelo ou em raspas de unhas, já que essas matrizes comportam pistas do seu consumo por até seis meses.

Quanto à cocaína (na forma de sal orgânico, cloridrato de cocaína) e o crack (na forma de base livre) (Figura 41), esclarece-se que ambas são originadas a partir de preparados (refino) das folhas da planta Erythroxylum coca, usando-se diversos produtos químicos (como ácidos, hidróxidos, solventes, sais e óxidos).

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CRACK CLORIDRATO DE COCAÍNA

Além do cloridrato de cocaína e do crack, o processo de produção parte também de outras formas de apresentação, como a merla e a pasta-base (Figura 42).

Os principais países produtores de cocaína são: a Bolívia, o Peru e a Colômbia. Nos dois primeiros, juntamente com algumas regiões da Argentina, é legal o consumo das folhas de coca in

natura (cujos teores de cocaína podem chegar próximo à 1,5%), uma vez que elas têm

propriedades de aumentar a resistência física, diminuir o apetite e o cansaço.

Analisando estruturalmente as substâncias originadas das folhas de coca, observa-se que a maior parte delas são classificadas como alcaloides, pois apresentam caráter básico (álcali) e suas estruturas contêm “compostos nitrogenados farmacologicamente ativos” (FARIAS, 2015, p. 35).

Figura 41. Estrutura química da cocaína na forma de base livre (crack) e de sal orgânico (cloridrato de cocaína).

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A cocaína e seus derivados, além de terem efeito anestésico local, apresentam rápida ação no sistema nervoso central, produzindo o chamado “efeito gangorra” (euforia-depressão): na qual se inicia com o estágio de euforia, insônia, falta de apetite e excitação, logo após o seu consumo, e termina com a instalação do estado depressivo, motivando o usuário a procurar a droga cada vez mais e à todo custo (em alguns casos, até cometendo crimes para consegui-las), tornando-o um compulsivo dependente químico.

Com o uso prolongado desse entorpecente pode ocorrer ainda quadros clínicos de taquicardia, insônia, convulsões, danos cerebrais, depressão profunda e crises psicológicas em variados níveis. Em consonância, é comum aos dependentes irem adquirindo tolerância à droga, fazendo com que consumam quantidades cada vez maiores para terem os mesmos efeitos, aumentando assim as chances de morte por overdose (ou última dose), já que as “concentrações letais estão entre 1,0 e 2,5 μg/cm3 (micrograma de droga por cm3 sangue), ou em termos práticos,

algo em torno de 200mg” (FARIAS, 2015, p. 37).

O consumo desses alcaloides se dá basicamente por três formas: aspiração do pó de cocaína, cujos efeitos aparecem entre 3 e 5 minutos; via intravenosa do pó solubilizado em água, aonde os efeitos se iniciam em cerca de 30 segundos; ou por aquecimento (à 95◦C) seguido da

inalação do crack, pelo qual os efeitos passam a ser sentidos depois de 5 a 8 segundos (MALDANER; BOTELHO, 2012, p. 46), podendo viciar já no primeiro uso. Como curiosidade, o nome “crack” remete ao barulho (estalos) emitido quando ele é aquecido (OLIVEIRA et al., 2009).

A cocaína é frequentemente a droga que apresenta a maior quantidade de impurezas (provenientes do refino) e adição de interferentes, adulterantes e diluentes. Com isso, devido à presença de um grupamento éster na molécula da droga, reações de hidrólise são bastante comuns, seja pelas condições impróprias de armazenamento, seja após o seu consumo, dentro organismo do usuário (processo de biotransformação, realizada principalmente no fígado).

De acordo com Maldaner e Botelho (2012, p. 44), a hidrólise pode acontecer em quaisquer condições de pH: se neutro ou básico, ela origina a benzoilecgonina; se ácido, há formação de metilecgonina ou ecgonina mais ácido benzoico e metanol (ambos, ao sofrerem reação de esterificação, produzem benzoato de metila, responsável pelo odor característico da cocaína, conforme a Figura 43).

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ÁCIDO BENZOICO METANOL BENZOATO DE METILA

Portanto, no exame toxicológico para cocaína e drogas correlatas, fez-se necessário sobretudo a pesquisa dos produtos da sua biotransformação, tendo em vista que sua detecção com concentrações razoáveis pode acontecer até seis dias após o uso, desde que utilizando matrizes como sangue, saliva, urina e mecônio (para recém-nascidos cujas mães sejam usuárias). A partir desse período, as chances mais promissoras acontecem com o exame de fios de cabelo, pelos e unhas de usuários crônicos que estejam passando por períodos de abstinência (sem uso da droga).

O ecstasy (3,4-metilenodioximetanfetamina, ou MDMA), geralmente encontrado na forma de comprimidos ou cápsulas, é uma droga sintética produzida a partir da anfetamina (Figura 44). Inicialmente, ele chegou a ser usado para fins de emagrecimento, uma vez que auxiliava no controle do apetite (XAVIER et al., 2008). Contudo, com a proibição e popularização, seu uso passou a ser mais comum entre os jovens que frequentam festas noturnas do tipo tecno e raves (que são caracterizadas por tocarem músicas eletrônicas contínuas, por várias horas ou dias, exigindo muita disposição física).

ECSTASY (MDMA) ANFETAMINA

Figura 43. Reação química entre ácido benzoico e metanol para a produção do benzoato de metila (principal

responsável pelo odor característico da cocaína).

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Após administração oral, a ação da MDMA se dá em torno de 20 a 60 minutos. A “pílula do amor”, como também é conhecida, age no sistema nervoso central, aumentando a secreção e diminuindo a reabsorção dos hormônios serotonina, dopamina e noradrenalina (IPÓLITO; OLIVEIRA, 2015, p. 33). Como efeito, ela produz ação estimulante e alucinógena, gerando sensação de bem-estar, euforia, aumentando a autoconfiança e a sociabilidade, além de alterações significativas na percepção sensorial.

Contudo, passado os efeitos iniciais – que pode perdurar de duas a quatro horas, considerando uma ingestão moderada de 75 a 100mg (XAVIER et al., 2008) –, pode ocorrer sintomas que dependerão do tempo, da dose e da susceptibilidade de cada indivíduo, ao quais pode incluir, segundo Souza et al. (2003), de taquicardia, bruxismo (cerrar e ranger os dentes), sudorese (suor excessivo) e náuseas até dormência, alucinações, exaustão, depressão, danos hepáticos e, em altos níveis de intoxicação, a morte. Além disso, estudos revelam que esses efeitos podem durar até cerca de duas semanas após a sua ingestão.

Já o exame toxicológico para atestar o uso de ecstasy e outras anfetaminas, também acontece nas mesmas matrizes que as demais drogas aqui já citadas. No entanto, destaca-se que cerca de 65% dela é comumente eliminada na urina sem sofrer alterações estruturais. Já o restante é metabolizado quase em sua totalidade pelo fígado (XAVIER et al., 2008).

Outro entorpecente bastante disseminado no Brasil é o LSD (dietilamina do ácido lisérgico, ou LSD25) (Figura 45), cuja venda acontece geralmente em selos de papel filtro, embebidos com

solução da droga, para uso sublingual. O LSD é uma droga sintética incolor e inodora, com estruturas semelhantes às substâncias produzidas por fungos (cogumelos) da espécie Claviceps

purpurea (IPÓLITO; OLIVEIRA, 2015, p 31).

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O LSD é mais usado por frequentadores da vida noturna, assim como o ecstasy. Sua ação acomete potencialmente o sistema nervoso central, especialmente modificando os níveis de serotonina. Logo, com pequeníssimas doses da droga (em torno de 30 μg), os usuários já sentem efeitos como euforia, alterações da percepção sensorial (as cores ficam mais vivas e os sons mais audíveis) e alucinações intensas (FARIAS, 2015, p. 44). Todavia, normalmente ocorrem também, durante ou após os efeitos primários, midríase, taquicardia, sudorese, alucinações violentas e desagradáveis, náusea e depressão, além dos chamados flashbacks (os usuários podem voltar a ter as alucinações mesmo decorridos muito tempo de seu uso).

A toxicologia para verificar a ingestão de LSD segue os mesmos preceitos das demais drogas de abuso, com especial atenção à realização de exames usando a urina como matriz, pelo qual a maior parte dos metabólitos é eliminada, tendo em vista que o LSD passa por intensa metabolização hepática.

Para além das substâncias proibidas, há muitas outras que também podem causar dependência química. Estas substâncias, entretanto, recebem atenção especial, uma vez que são de uso controlado (com exceção das bebidas alcoólicas e do fumo), estando presente geralmente em medicamentos analgésicos, regulares hormonais e aqueles relacionados aos diversos transtornos mentais.