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No âmbito jurídico, os exames de DNA são realizados seguindo protocolos rigorosos para que sejam garantidas a segurança e a confiabilidade dos procedimentos e, consequentemente, dos seus resultados. Logo, dadas às especificidades que envolvem as metodologias e técnicas empregadas na análise do DNA, surgiu a área denominada de Genética Forense.

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A Genética Forense é a ciência forense que desenvolve e aplica conhecimentos, técnicas e

metodologias relacionadas à pesquisa genética, sendo fundamentada principalmente pelos estudos da biologia molecular, da estatística e da genética de populações (SILVA et al., 2017, p. 241), de modo que possa dar fundamentação às investigações periciais e às decisões judiciais.

Para tanto, os exames genéticos realizados na esfera forense buscam, de maneira geral, a identificação inequívoca dos participantes de um delito (suspeitos e/ou vítimas), partindo de amostras biológicas coletadas no local do crime ou nos/dos próprios suspeitos envolvidos.

É importante esclarecer que dentre as vantagens da análise do DNA sobre os métodos convencionais de identificação (como as impressões digitais), enumera-se a sua estabilidade química, já que o DNA permanece estável por longos períodos de tempo, e a sua ocorrência em todas as células nucleadas do organismo humano, seja qual for o tipo de tecido ou fluido corporal. Por sua vez, nas cenas de crimes, buscam-se amostras biológicas que sejam fontes de material genético, sendo que as mais comuns de serem encontradas são: sangue, sêmen, saliva, mucosas, cabelos (com bulbo capilar, que são as raízes), pelos, urina, fezes, pele, unha, suor, impressões digitais ou qualquer outro material biológico com células nucleadas.

Dado a abundância do DNA, é possível que ele seja utilizado, por exemplo, na identificação: de suspeitos em casos de crimes sexuais e crimes contra a vida; de cadáveres carbonizados, em estágio avançado de decomposição, mutilados ou indigentes; de instrumentos lesivos usados em delitos; da própria vítima, em crimes diversos; e do vínculo genético, para apuração de crimes como raptos, sequestros e tráfico de pessoas (especialmente de crianças), dos quais envolvem criminosos que se passam por parentes das vítimas.

Por outro lado, Silva et al. (2017, p. 261) argumentam que a Genética Forense permite também a análise de DNA não humano, como em casos de: tráfico e roubo de animais, identificação de vegetais de plantio ilegal (como aquelas usadas no preparo de drogas ilícitas), biopirataria (identificação de espécies), bioterrorismo (identificação de microrganismos patogênicos) e na Entomologia Forense (especialmente em exames relacionadas à identificação de insetos da fauna cadavérica, visando estimar o tempo transcorrido da morte).

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Perguntado sobre os principais exames feitos no laboratório de DNA, o perito criminal* respondeu:

“No laboratório de DNA, nós fazemos exames criminais de quatro áreas, que seriam: exames de

identificação, por exemplo, um cadáver que é encontrado em estado avançado de composição, ai não se tem condições da realização da identificação desse cadáver, encaminha-se então esse material [para o laboratório], juntamente com o material dos possíveis familiares do cadáver que foi encontrado para fazer esse exame de identificação, então há a comprovação ou não se esse cadáver é realmente familiar daquela família que está requerendo o corpo; exames de local de crime, em que todos os vestígios ali encontrados, como sangue, sêmen, um fio de cabelo, uma bituca de cigarro, chiclete e todos os materiais biológicos encontrados na cena do crime serão encaminhados [para o laboratório], para fazer os exames de DNA; exames ligados aos crimes sexuais, que vem do IML [Instituto Médico Legal], pois o IML faz a coleta do material da vítima de estupro e envia para cá; e também exame de paternidade criminal, para ver se uma criança é fruto de abuso sexual, de estupro” (GREG SANDERS, 38 anos).

*Entrevista realizada com peritos das áreas de Balística Forense, Biologia Molecular, Engenharia Legal, Identificação Veicular, Química Forense e Perícias Externas, entre 29 de outubro e 06 de dezembro de 2019.

Neste contexto, é imperativo esclarecer, mesmo que de modo não aprofundado, os conceitos gerais do exame de DNA, uma vez que este se constitui, à grosso modo, num exame de comparação, com resultados medidos em probabilidades estatísticas. Assim, Silva et al. (2017) explicam que quando uma amostra biológica é processada em laboratório para realizar o exame de DNA, ela passa pelas etapas de “extração e purificação do DNA, quantificação, amplificação dos marcadores genéticos, separação e detecção dos marcadores genéticos por eletroforese capilar, interpretação dos perfis genéticos obtidos e o confronto genético” (p. 251).

Nos processos de extração e purificação do DNA, o objetivo é obter DNA em quantidade e qualidade suficiente para se proceder as demais etapas. Para tanto, a purificação acontece com a retirada de possíveis interferentes que acompanham as amostras, como no caso de fibras de roupas e sujidades diversas. Já a extração se dá pela separação do DNA dos demais componentes presentes nas células, tanto o nuclear quanto o mitocondrial. Ainda nesta etapa, promove-se a inativação de enzimas que podem degradar o DNA, como as nucleases denominadas de DNAases (SILVA et al., 2017, p. 251).

Quanto à etapa de quantificação, esta se dá pela determinação da concentração do DNA presente na amostra após os processos anteriores. Nesta fase, utiliza-se geralmente a técnica de Quantificação por Reação em Cadeia da Polimerase de DNA (ou PCR, do inglês Polymerase Chain

Reaction), da qual é possível verificar se há inibidores na amostra ou se o DNA está degradado,

além de já poder identificar à qual sexo pertence o DNA analisado (SILVA et al., 2017, p. 251) – o

COM A PALAVRA, O PERITO:

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que já é bastante útil na análise forense envolvendo crimes sexuais, diferindo o material genético do suspeito e da vítima (quando forem de sexos opostos).

De acordo com Silva et al. (2017, p. 252) e Jobim et al. (2018, p. 185), a amplificação dos marcadores genéticos também é feita por PCR, pois ela permite a amplificação seletiva, in vitro, de regiões do DNA, mesmo a partir de pequeníssimas quantidades de material biológico (na ordem de poucas dezenas de células). Neste processo, diversas reações bioquímicas acontecem usando diversos componentes químicos (como enzimas, cofatores e nucleotídeos) e ambiente com condições rigorosamente controladas (principalmente de temperatura), incluindo distintas etapas em repetição: desnaturação (à cerca de 90C), para abertura da dupla hélice do DNA através do

rompimento das ligações de hidrogênios entre as bases nitrogenadas dos nucleotídeos;

anelamento (entre 50 e 60C), quando a região alvo do DNA é delimitada e passa a ser amplificada

pelo pareamento de iniciadores de cadeia (primers); e extensão (em torno de 72C), quando se

realiza a síntese de uma nova fita de DNA. A repetição dessas três etapas (ciclos) acontece normalmente de 25 a 35 vezes, amplificando aproximadamente em um bilhão de vezes os marcadores genéticos (sequências de DNA especificas).

A próxima etapa é a separação e detecção dos marcados genéticos, que acontece por eletroforese capilar. Neste processo, os marcadores genéticos são sequenciados a partir da separação por tamanho, seguido da detecção por fluorescência – que ainda na etapa de amplificação são marcados por fluoróforos (espécies químicas com propriedades fluorescentes) (SILVA et al., 2017, p. 253).

A partir de programas específicos de análise, os perfis genéticos sequenciados são interpretados a partir de eletroferogramas – que são representações gráficas (picos) que identificam os marcadores genéticos e, consequentemente, o conjunto deles identifica o perfil genético analisado.

A última etapa é o confronto genético que se dá pela comparação do perfil genético questionado (como a de um determinado vestígio encontrado numa cena de crime) com perfis cuja identidade é conhecida (dos suspeitos). Caso os perfis não sejam idênticos, tem-se a exclusão do suspeito – pelo menos no sentido restrito do material analisado, e não necessariamente do evento criminoso. Por outro lado, quando há compatibilidade entre os perfis, estima-se a probabilidade da ocorrência desse genótipo (tipo/perfil genético) ser de qualquer outra pessoa da população da qual o investigado pertence. Logo, quanto “menor for a frequência do genótipo

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obtido, maior será o peso da evidencia genética, ou seja, menor será a probabilidade de observarmos esse mesmo genótipo em outro indivíduo da população” (SILVA et al., 2017, p. 255),

sendo muito provável que os perfis analisados (o questionado com o de identidade conhecida) sejam de uma mesma pessoa. Além disso, os resultados são expressos geralmente na ordem de probabilidade de 1/1.000.000.000 (um para um bilhão).

Por fim, e como curiosidade, segundo Mendes Júnior (2012, p. 203), o primeiro caso em que houve o uso de exame de DNA para fins forenses ocorreu no Reino Unido, em meados da década de 80. O caso envolveu o estrupo e assassinato de duas jovens: Lynda Rose Marie Mann (em 1983) e Dawn Amanda Ashworth (em 1986). Incialmente, o adolescente Richard Buckland confessou o crime em interrogatório, entretanto os exames de DNA procedidos a partir do sêmen deixado nas jovens resultou em negativo, inocentando-o. Isso levou a polícia a retomar a procura pelo criminoso, realizando exames de DNA em todos os homens que viviam na região onde havia sido cometido os crimes. Para fraudar o exame, o criminoso ainda usou amostras de outra pessoa, até que foi denunciado e teve sua participação comprovada, em 1987, por um novo exame de DNA. Colin Pitchfork, o verdadeiro criminoso, foi sentenciado a cerca de 30 anos de prisão.