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4.5 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

4.5.6 A EJA no período de 1946 a 1960

Com o fim da era Vargas (1930-1945), o Brasil passou a viver um processo de efervescência política, notadamente pela reorganização democrática, convocação da Assembleia Nacional Constituinte, elaboração da nova Constituição Brasileira e da participação na vida política nacional de diversas correntes partidárias que emergiam dos distintos discursos ideológicos dominantes na cena mundial. A alfabetização e a educação de adultos continuavam a ser importantes no processo de redemocratização, com direito a tratamento diferenciado nesse período.

O que fundamentava a continuação e a individualização do ensino de adultos nessa época (e que o motiva até hoje, com pequenas diferenças) era a constatação de que os altos índices de analfabetismo decorriam da insuficiente expansão do ensino elementar e de sua baixa qualidade, ambos responsáveis pelo abandono das aulas pelos alunos. Assim, a racionalidade dos programas de educação de adultos dependia (e continua a depender) de um ensino elementar comum e, principalmente:

– das oportunidades que oferecia à população escolar (da universalização do ensino), que acabava determinando o número de pessoas que permaneciam analfabetas por falta de escolas;

– da qualidade de ensino, responsável índices de semi-analfabetismo;

– de sua funcionalidade ou disfuncionalidade em relação à vida das pessoas que frequentavam a escola, que se refletia nos índices por desuso;

– de suas perspectivas em relação a um futuro próximo.

Esses aspectos passaram a estar presentes nas campanhas de alfabetização que foram realizadas a partir dessa época.

4.5.6.1 A Campanha Nacional de Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA)

A CEAA começou em 15 de janeiro de 1947, primeiro por apelo da UNESCO em favor da educação popular em países com elevado grau de analfabetismo, e também como política pública para preparar mão-de-obra alfabetizada nas cidades, educar adultos e adolescentes no meio rural com a intenção de integrar os imigrantes e seus descendentes nos Estados do Sul e, como resultado dessa política pública, melhorar os índices de alfabetização do Brasil nas estatísticas mundiais.

Segundo Paiva (1973), a ideia central de Lourenço Filho, organizador da CEAA, era a de que o adulto analfabeto era pensado pela sociedade como um ser marginal, um excluído, incapaz ou menos capaz que o indivíduo alfabetizado. Com conhecimento da realidade nacional, Lourenço Filho dizia que o analfabeto:

padeceria de minoridade econômica, política e jurídica: produz pouco e mal e é frequentemente explorado em seu trabalho: não pode votar e ser votado; não pode praticar muitos atos de direito. O analfabeto não possui, enfim, sequer os elementos rudimentares da cultura do nosso tempo. (PAIVA, 1973, p. 184).

Para se opor a esse contexto, a educação de adultos teria objetivos de integrar as pessoas nessa situação à vida cívica nacional, unificar a cultura brasileira e lhe dar uma profissão.

A diretriz educacional da campanha procurava conciliar uma educação de massa (extensiva) com a qualidade e continuidade do ensino (profundidade), porém o que predominou foi o aspecto quantitativo e a ação em profundidade se deu em pequena escala. Os fundamentos políticos da campanha estavam baseados na integração nacional, como justificação social, e no aumento da produção, como justificativa econômica, como forma de

“impedir a desintegração social, lutar pela paz social e promover a utilização ótima das energias populares através da recuperação da população analfabeta que fica à margem do processo de desenvolvimento do país.” (PAIVA, 1973, p. 179).

O preconceito dominante na sociedade de que o analfabeto era um ser marginal e incapaz foi se dissipando ao longo da campanha, na medida em que a própria experiência demonstrou que tal esquema teórico não correspondia à realidade e também porque novos estudos, como o de Thorndike nos Estados Unidos da América (EUA), contestavam a ideia de que a capacidade de aprender estava condicionada à idade.

Assim, esse preconceito não resistiu à própria prática educativa da campanha. O contato com os analfabetos abriu caminho para a formulação de teorias baseadas na antropologia, que colocavam o analfabeto como um ser capaz de exercer os seus direitos, tal como era reconhecido antes de 1882, quando podia exercer o direito de votar e ser votado, por exemplo.

O predomínio do aspecto político que se observou em relação aos aspectos técnico- educativos dava origem a comentários de que a CEAA havia se transformado muna ‘fábrica de eleitores’. Porém, em termos percentuais, segundo Paiva (1973), a campanha contribuiu para a redução do índice de analfabetos: caíram de 55% em 1940 para 49,31% em 1950 e para 39,48% em 1960, mesmo com o elevado crescimento populacional.

Durante o percurso da CEAA, outras campanhas foram iniciadas. Uma delas, a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) de 1952, que deu origem ao Serviço Social Rural (SSR) e hoje denominado de Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). Essa campanha específica para o meio rural tinha o propósito de uma educação comunitária, no sentido de:

contribuir para acelerar o processo evolutivo do homem rural despertando nele o espírito comunitário, a ideia do valor humano e o sentimento de suficiência e responsabilidade para que não se acentuasse as diferenças entre a cidade e o campo em detrimento do meio rural onde tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas de trabalho, a disseminação de endemias, a consolidação do analfabetismo, a subalimentação e o incentivo às superstições e as crendices. (PAIVA, 1973, p. 197).

Em janeiro de 1958, foi lançada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) como um programa experimental destinado à educação popular em geral, no momento em que se reconhecia a ineficácia de outras campanhas. Essa, agora, estava de acordo com o pensamento do Governo Juscelino Kubitschek, que rejeitava a ideia de que o desenvolvimento econômico é que criaria o desenvolvimento educacional. Houve

uma inversão desse pensamento. Agora, o desenvolvimento econômico e a mudança orgânica da sociedade brasileira dependiam da formação do homem.

Antecedendo essa campanha, o Poder Legislativo Federal determinou que fossem executados cinco projetos-piloto, num município de cada região do país, ‘como elemento básico preliminar de fixação de métodos e processos e de aferição do custo e do investimento’. E liberou recursos para esses projetos, que tinham por objetivo educacional a escolarização primária da população em idade escolar e dos que já haviam ultrapassado tal idade.

Dessa experiência com os projetos-piloto, pensava-se na ampliação progressiva dos processos que fossem consagrados cientificamente nesses municípios a partir de 1960. Na Região Sul, foi escolhido o município de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul. Esses projetos pareceram exitosos e a CNEA foi estruturada em 1960 e, depois extinta em 1963, juntamente com outras campanhas do gênero.

4.5.6.2 O II Congresso Nacional de Educação de Adultos

Em julho de 1958, realizou-se o II Congresso Nacional de Educação de Adultos para avaliar os resultados obtidos pela CEAA. O I Congresso havia se realizado em 1947, dentro dos preparativos para o lançamento da Campanha Nacional de Educação de Adultos e Adolescentes.

Na opinião de participantes do II Congresso, a CEAA não conseguia atingir os objetivos educacionais por algumas razões como: o baixo salário dos professores de adultos pagos pelo Estado, em valores inferiores aqueles pagos aos professores do ensino regular; não sensibilização para o voluntariado ou semi-voluntariado docente para a campanha; funcionamento precário das salas de aula, falta de material didático, de consumo, não adequação do material didático impresso para os adultos ou descontextualizado da região. Também a desorganização dos serviços do Estado era um dos pontos apontados como deficiência, principalmente porque muitos ainda não haviam criado uma entidade que cuidasse da educação de adultos, e também porque a remessa de dados para fins estatísticos atrasavam e muitas vezes os dados eram fictícios.

Nesse II Congresso também começaram a emergir movimentos com uma nova visão independente para tratar a educação de adultos comprometida explicitamente com as escolhas políticas e ideológicas, pensam no ‘nacionalismo desenvolvimentista’ e na transformação do pensamento social. A educação passa a ter importância na recomposição do poder político e

das estruturas sociais fora da ordem institucional vigente: reintroduz-se a reflexão sobre o social no pensamento pedagógico brasileiro. Segundo Paiva (1993), essa nova visão recebeu forte influência do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)1, bem como do pensamento filosófico cristão europeu, que gerou no Brasil (e no mundo) a divisão da Igreja Católica em duas correntes: a conservadora e a progressista.

O precursor dessa nova abordagem pedagógica no Brasil (e no mundo) foi Paulo Freire, ao propor e realizar o trabalho educativo em Pernambuco ‘com’ o homem e não ‘para’ o homem, para ele deixe de ser objeto de pensamento de outrem para ser sujeito de seu próprio pensamento. Esse processo transformador produz:

a indispensável consciência do processo de desenvolvimento por parte do povo e da emersão desse povo na vida política nacional como interferente em todo o trabalho de colaboração, participação e decisão responsáveis em todos os momentos da vida pública. (PAIVA, 1993, p. 210).

No II Congresso, Freire (1974) defendeu a transformação da imagem que se fazia do adulto como alguém de cultura deficiente e inculto, com base na concepção antropológica de alfabetização de adultos, cujo ponto de partida é uma visão de homem em relação cognoscente com o mundo, que lhe permite transitar de uma consciência ingênua para uma consciência crítica, que, por sua vez, pode ser colocada a serviço da transformação social humanizadora. Nessa perspectiva, ler e escrever são interpretados como atos políticos capazes de desencadear processos de conscientização e estimular a participação social.

Esse novo paradigma educacional freireano baseado na conscientização, na valorização da pessoa humana, parte da realidade vivida pelo sujeito e da interpretação de seu mundo pelo educador, não sob o ponto de vista das estruturas educacionais hegemônicas, mas numa relação direta da sua realidade e a realidade entendida pelo educando, onde cada qual aprende numa permanente e progressiva troca de experiências, que ele denominou de relação dialógica.

Outro aspecto discutido no II Congresso foi a democratização da sociedade brasileira, principalmente a contradição existente entre o preâmbulo da Constituição, que afirmava que ‘todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’, e o artigo 132, que impedia a alistamento eleitoral dos que não soubessem se expressar na língua nacional. Para os

1Criado pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955, o ISEB elaborou uma ideologia nacional-

desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). A tese central do nacionalismo-

desenvolvimentista era a de que a promoção do desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituem dois aspectos do mesmo processo emancipatório. A maioria dos membros do ISEB era formada por pensadores nacionalistas. Foi extinto em abril de 1964.

congressistas, se 50% da população brasileira era analfabeta, esse percentual indicava que metade da população estava impedida de expressar sua vontade e de exercer, em consequência, sua cidadania, o seu poder. Os participantes mais progressistas eram favoráveis ao voto do analfabeto, como favoráveis eram também os partidos progressistas na Assembleia Nacional Constituinte de 1947.

A Carta de Princípios, que sintetizaria o pensamento do II Congresso, segundo Paiva, não expressou o que realmente havia sido discutido. Essa contradição decorreu de disputas ideológicas entre os defensores do ensino público e os do ensino privado. Como os redatores da Carta eram dessa última corrente, deram a redação que mais lhes interessava, principalmente indicando a necessidade da subvenção do Estado aos movimentos educacionais privados.

Pode-se perceber que as campanhas de alfabetização desenvolvidas no Brasil nesse período – CEAA (1947), CNER (1952) e CNEA (1958) – refletiam as ideias econômicas, sociais e políticas que fundamentavam o pensamento da democracia liberal e do nacional- desenvolvimentismo e mostravam o envolvimento dos agentes públicos no projeto sociopolítico de estruturação econômica e social, no sentido de buscar o desenvolvimento econômico do país a melhoria dos índices sociais.

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