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4.2 OS PARADIGMAS POLÍTICOS E SUA INFLUÊNCIA NA FORMULAÇÃO DAS

4.2.4 O modelo de Estado como indutor da economia, não regulador

Roberto Mangabeira Unger, quando Ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, dizia que sua tarefa era de ajudar a formular e debater um novo modelo de desenvolvimento para o país, pois:

tradicionalmente, os setores avançados e internacionalizados da economia brasileira crescem e geram riqueza e parte dessa riqueza é usada para financiar programas sociais. Agora, a Nação quer mais do que isso. Sou um inconformado com essa visão de Suécia tropical, de que esse é o único modelo possível a ser seguido. É preciso que se busque um modelo de desenvolvimento na ampliação das oportunidades de inclusão, não apenas de políticas compensatórias. (UNGER, 2008).

Na formulação da nova política industrial havia a necessidade de redirecionar a ação governamental, pois existia uma política voltada para as grandes empresas, enquanto a realidade econômica era de um grande número de pequenas empresas e empreendimentos emergentes não assistidos. Era criar o que Unger (2008) chamou de política industrial de inclusão, ou seja, uma política industrial voltada para o mundo dos emergentes, para que esses compreendam as mudanças que estão acontecendo na economia do país, que tenham crédito para investir, que se formem quadros dirigentes para as empresas, que se proporcione incremento da tecnologia, pois isso é fundamental para o desenvolvimento.

Na visão de Unger (2008), o país poderá ficar imprensado entre os países de trabalho barato e os países de produtividade alta, sem espaço nem em um nem no outro lado. Meu argumento, diz ele, é que “temos de optar pelo lado da valorização do trabalho e não pelo achatamento salarial e resgatar da informalidade os 60% de trabalhadores brasileiros que

trabalham nas sombras. Isso é um desastre para o País, não apenas um desastre econômico, mas político e moral.” (UNGER, 2008).

Além da formulação da política industrial, outro aspecto considerado necessário para impulsionar o desenvolvimento do país, na concepção de Unger (2008) é o de redefinir a função do Estado no atual processo do desenvolvimento capitalista. Não é apenas pensar o Estado como interventor na economia, mas como indutor da economia, usar o Estado para fazer o mercado, para estimular e radicalizar a concorrência, para impor o capitalismo desejado, para construir o mercado que se quer, para que mais gente tenha acesso ao mercado e de mais maneiras.

Ao ser questionado se esta proposta de Estado não poderia acabar por afugentar investidores internacionais e também se ela não iria contra a fórmula que o mundo segue, respondeu:

A grande lição do desenvolvimento é que quem vai para frente é quem rejeita o formulário. A região mais obediente do mundo sempre foi a América Latina. E ela está longe de ser a região que mais obteve ganhos. Na história, os obedientes são castigados e a rebeldia é premiada. (UNGER, 2008).

No mesmo sentido do pensamento de Unger de que se deve ir contra o que muitas vezes já está estabelecido, pode-se acrescentar o que Bauman (1999) já havia se referido sobre o problema da condição contemporânea da nossa civilização moderna. É o não se questionar sobre fatos que interferem diretamente nas pessoas, pois pensamos que eles são assim mesmo, o que é um momento passional da vida, não propositivo:

Não formular certas questões é extremamente perigoso, mais do que deixar de responder às questões que já figuram na agenda oficial; ao passo que responder o tipo errado de questões com frequência ajuda a desviar os olhos das questões que são realmente importantes. O preço do silêncio é pago na dura moeda do sofrimento humano. Fazer as perguntas certas constitui, afinal, toda a diferença entre sina e destino, entre andar à deriva e viajar. Questionar as premissas supostamente inquestionáveis do nosso modo de vida é provavelmente o serviço mais urgente que devemos prestar aos nossos companheiros humanos e a nós mesmos. (BAUMAN, 1999, p. 11)

O atento olhar vigilante e questionador da mídia sobre as funções do Estado, em países mais suscetíveis da influência do capital internacional, parece ser uma questão recorrente nesses tempos de internacionalização da vida planetária. Principalmente porque a função do Estado como indutor da economia, conforme proposto por Unger (2008), foi reduzida no processo global da economia por impedir a manifestação espontânea do mercado e a livre circulação dos produtos em toda parte.

Quando o Estado resolve interferir na economia, é imediatamente criticado com o argumento de que ele não deve tocar em coisa alguma relacionada à vida econômica e que será punido de forma rápida e furiosa pelos mercados mundiais, principalmente o financeiro.

A função mais notória abandonada pelo Estado ortodoxo ou arrancada de suas mãos foi a manutenção do ‘equilíbrio dinâmico’ que Castoriadis descreve como uma ‘igualdade aproximada entre os ritmos de crescimento do consumo e da elevação da produtividade’ – tarefa que levou os Estados soberanos em diversas épocas a impor intermitentes proibições de importação e exportação, barreiras alfandegárias ou estimulação estatal keynesiana da demanda interna. (BAUMAN, 1999, p. 73).

Para Bauman, a única tarefa econômica que o livre mercado espera que o Estado assuma é “garantir um ‘orçamento equilibrado’, policiando e controlando as pressões locais por intervenções estatais mais vigorosas na direção dos negócios e em defesa da população face às consequências sinistras da anarquia do mercado.” (ibidem, p. 74), pois “Estados fracos são precisamente o que a Nova Ordem Mundial precisa para sustentar-se e reproduzir-se.” (ibidem, p. 76).

A separação entre economia e política e a não intervenção regulatória do Estado faz com que a política deixe de se constituir como agente transformador efetivo, até mesmo de ser capaz de propor e conduzir ações para resolver questões sociais antigas e novas, que começam a surgir em decorrência da assimetria entre a realidade externa e interna, que leva à ampliação da exclusão social:

Como assinala Claus Offe, o agente político como tal – ‘a capacidade de fazer opções coletivamente impositivas e executá-las’ – tornou-se problemático. ‘Em vez de perguntar o que deve ser feito, devemos com mais proveito investigar se há alguém capaz de fazer o que deve se feito’. Uma vez que ‘as fronteiras se tornam permeáveis’ (de maneira altamente seletiva, com certeza), ‘as soberanias tornaram-se nominais, o poder anônimo e o lugar, vazios’(...). ‘O padrão dominante pode ser descrito como ‘afrouxamento dos freios’: desregulamentação, liberalização, flexibilidade, fluidez crescente e facilitação das transações nos mercados financeiros, imobiliário e trabalhista, alívio da carga tributária, etc.’ (BAUMAN, 1999, p. 76).

Esse receituário sobre ‘afrouxamento dos freios’ leva ao contínuo processo de exclusão social e às novas formas perversas de inclusão trabalhista, que, segundo Vieira (2005), mesmo ao conseguir um emprego de carteira assinada, a população à margem do processo global encara a realidade da precarização dos direitos trabalhistas. É o que Kuenzer (2004) denominou de exclusão includente, isto é, a exclusão dos trabalhadores do mercado formal, com seus direitos assegurados, e a inclusão no mercado precarizado, com renda mais baixa e condições de trabalho muitas vezes mais exigentes e com a redução de seus direitos.

4.2.5 Considerações sobre a relação entre o modelo de Estado e as políticas públicas

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