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4.3 AS TRANSFORMAÇOES PROVOCADAS PELAS NOVAS TECNOLOGIAS E OS

4.3.6 Em busca de um novo tempo não opressor do trabalho

A presença acentuada do trabalho imaterial na nova configuração da sociedade pós- industrial leva a suposição de que o tempo livre e a capacidade de valorizá-lo passam a ser determinantes na nossa vida, tanto nos aspectos ligados à cultura e às artes, como também na nossa vida econômica.

O tempo livre passa a ser considerado como um fator econômico por pensadores como De Masi, por exemplo, que já escreveu algumas obras relevantes sobre o tema do ócio criativo e da sociedade sem trabalho. Para De Masi (2001), o homem na sociedade industrial construiu sua condição humana por meio do direito ao trabalho; agora, na sociedade pós-industrial, constrói sua condição humana por meio do direito ao ócio. Uma ascensão do humanismo do trabalho para o humanismo do ócio:

Isto nos agora é permitido graças ao nível de tecnologia e de escolaridade difusa que atingimos: aquele direito ao ócio, gozado pelos aristocratas e pelos herdeiros do Renascimento, mas que sempre pareceu utópico para os operários industriais, é finalmente realizável pelos executivos, empresários e dirigentes, pelos profissionais liberais e por todos os envolvidos em criação na sociedade pós-industrial. Com a condição de que eles não só se conscientizem, mas também se disponham a lutar alegremente contra os burocratas e contra os hiperativos alienados. E que se deem conta de que a contraposição entre trabalho e o lazer, só faz sentido em relação às velhas tarefas executivas [...] Eles devem se empenhar na saudável, e agora realística, tentativa de combinar o trabalho com o estudo e com a diversão, fazendo destas atividades uma síntese inovadora e fecunda. (DE MASI, 2001, p. 14-15).

Trabalho, estudo e diversão são as novas categorias na sociedade pós-industrial para De Masi. Mas não para todos os trabalhadores. Isto faz com que se deixe um pouco de lado a utopia e se vá direto para a realidade.

Agora, o trabalhador criativo, o que gera o desenvolvimento tecnológico, não está mais preso ao local geográfico da unidade de produção e nem aos registros de entrada e saída do seu local fixo de trabalho. Nesse instante ele está com o ponto-eletrônico e a unidade de produção junto de si, com todo o aparato tecnológico que o acompanha no seu ‘livre’ andar, como seu computador pessoal conectado ao mundo, seu telefone celular de última geração

pronto para receber e enviar mensagens, seu desktop e seu telefone fixo, em processo de se tornarem obsoletos, também sempre a postos. O trabalho criativo deixou de ser vinculado a horário e local determinados e passa a ocupar o tempo integral do homem. Antes o trabalho e a vida tinham duas lógicas diferentes; agora se fundem numa só.

Por isso, a preocupação de De Masi (2001) em falar do ócio criativo, por meio do qual os três fatores iniciais devem interagir o tempo todo, para evitar a apreensão integral do trabalhador pelo sistema do capital. Para isso, é necessário conversar com os dirigentes e acertar as regras do jogo, senão vamos retornar a fórmulas ainda mais perversas que se produziam na sociedade industrial, conforme retratadas por Lafargue e Russell a seguir.

Segundo De Masi (2001), Lafargue, em 1880, lembrava que, no início da industrialização, uma boa operária fazia cinco malhas por minuto com seu fuso; as máquinas de tricotar passaram a fazer trinta mil malhas por minuto; e fez as contas. Cada minuto da máquina equivale a cem horas da operária, ou de outra forma, cada minuto da máquina permite que a operária tenha dez dias de descanso. Mas o que se via na prática? À medida que a máquina se aperfeiçoa e reduz o trabalho do homem com rapidez e precisão cada vez maiores, “o operário em vez de prolongar o seu descanso na mesma proporção, redobra seus esforços, como se quisesse competir com a máquina. Que concorrência absurda e mortífera!”. (DE MASI, 2001, p. 160).

Na sua análise e visão de como o trabalho se conformava com a realidade, Lafargue entendia que era necessário que o homem se obrigasse a trabalhar apenas três horas por dia e não fazer nada senão festejar o restante do dia, pois “a paixão cega, perversa e homicida pelo trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de escravidão dos homens livres: sua produtividade o empobrece.” (ibidem, p. 159).

De Masi (2001) percebeu que Russell, em 1935, também era de opinião de que a jornada de trabalho diária deveria ser reduzida a quatro horas, pois seriam suficientes para dar às pessoas o direito de satisfazer suas necessidades básicas e os confortos elementares da vida. E também questionava. Por que a organização científica criada para liberar os homens para lutar na Primeira Guerra e municiar os canhões não foi preservada para reduzir a jornada de trabalho a quatro horas e prevenir o caos do desemprego?

Porque, diz Russell, aqueles cujo trabalho era necessário voltaram às suas longas horas de trabalho deixando os demais desempregados, por uma grande razão: como o trabalho é considerado um dever pela sociedade, as pessoas não devem receber salários proporcionais à sua produção, mas à sua virtude mostrada pelo esforço. (DE MASI, 2001, p. 55).

As colocações acima remetem a culpa ao homem pela sua busca frenética pelo trabalho, mas outros fatores se conjugam conforme se pode depreender das análises anteriores. Para De Mais (2001), diante da constatação de que os povos dos países desenvolvidos, são ‘possuídos pelo demônio da laboriosidade alienada’ e, por isso, “mais teimosamente persistem na neurose do zelo do eficientismo e insistem com ritmos estressantes do trabalho, sempre dispostos a renunciar aos fins de semana, às férias, aos afetos, desde que não interrompam um negócio” (DE MASI, 2001, p. 41) é necessário buscar outros modelos de vida “capazes de gerar e distribuir riqueza com igual eficácia, que coloquem em primeiro plano um bem estar feliz e difuso em detrimento de uma competição inescrupulosa e de opulência reservada a poucos privilegiados.” (ibidem, p. 43).

Nesse seu pensar, os povos latinos, mesmo com suas contradições, são alegres, acolhedores, como não são a maioria dos outros povos desenvolvidos, e, por isso, é provável que “sejam os latinos os primeiros a elaborar um novo modelo, alternativo ao americano, finalmente capaz de assegurar a todos uma tranquilidade econômica que não exija a renúncia da serenidade do espírito, da alegria, da diversão e do convívio.” (ibidem, p. 43-44).

É o que também pensava Darcy Ribeiro. No livro O povo brasileiro (1995) vislumbrava, de forma profética, o Brasil ser uma nova Roma, com o florescer de uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra.

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