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4.2 OS PARADIGMAS POLÍTICOS E SUA INFLUÊNCIA NA FORMULAÇÃO DAS

4.2.3 O conflito entre o sistema capitalista e o Estado

Offe (1977) analisa o sistema capitalista nos países avançados, no qual identifica alguns aspectos necessários que devem ser considerados para evitar a ruptura do sistema (mecanismos auto-regulativos) e dar continuidade ao mesmo. Esses mecanismos auto- regulativos, segundo Offe, se mostram em três níveis. O primeiro diz respeito à organização das unidades produtivas com o interesse de garantir a sobrevivência do capital particular. O segundo se vale do desenvolvimento institucionalizado da ciência e da técnica para assegurar a sobrevivência do capital global, por meio dos fluxos financeiros em tempo real. O terceiro propõe a regulação das funções do poder político, indispensável à manutenção da estrutura global, política, econômica e social do capitalismo com o propósito de valorização do capital.

Outro aspecto que Offe (1977) observou nos sistemas capitalistas avançados é a combinação entre elementos formais capitalistas (redução a mercadorias da força de trabalho assalariado) e não-capitalistas (organização de uma parcela da força do trabalho no trabalho burocrático) como condição necessária para o equilíbrio do sistema. Porém, o crescimento das funções reguladoras do Estado pode desestabilizar o equilíbrio do sistema, ao provocar uma ruptura entre os processos de setores dominados pela lógica da valorização do capital e aqueles dominados pela lógica administrativa, pois o trabalho de funcionários públicos deve ser considerado improdutivo, porque não está vinculado à forma mercadoria. É uma forma de trabalho ‘concreto’ em contraposição a forma de trabalho ‘abstrato’, utilizado na produção de mercadorias por seu valor de troca.

Para evitar distorções no sistema capitalista é necessário, diz Offe (1977), marginalizar, evitar previamente ou excluir atividades não relacionadas à produção, que denominou de estruturas ‘extraterritoriais’ e que vem aumentando em muitos países, pois se tratam de formas ‘desmercantilizadas’, alheias ao processo de valorização do capital e da socialização da força de trabalho. O processo de desmercantilização pode ser percebido no momento em há alterações na socialização proposta pelo trabalho, na inversão do número de trabalhadores que passam a atuar um maior número no setor terciário e na ação do Estado na realização da infra-estrutura interna.

A socialização parece não mais ocorrer apenas por meio do emprego econômico da força de trabalho, mas também por outras formas alheias ao conceito ao próprio de trabalho institucionalizado, identificadas em grupos de estudantes que retardam o seu ingresso no trabalho, pelos aposentados e pelas donas de casa. Além do que muitas atividades hoje se realizam por meio de organizações não-governamentais, por exemplo.

Com o desenvolvimento tecnológico, há maior amplitude do trabalho concreto improdutivo no setor de serviços, nos empregos nas empresas e no Estado em relação ao trabalho abstrato empregado na produção de mercadorias, o que provoca uma mudança na força de trabalho e uma perda de legitimação que, na sociedade liberal-capitalista, se dava pela equivalência entre retribuição e valor do trabalho, bem como na identificação do trabalhador com sua tarefa.

Essas alterações levam, segundo Offe (1977), a ‘transformação morfológica’ da forma de trabalho, na qual o processo de valorização capitalista passa a utilizar instrumentos do tipo não-capitalista, fazendo com que a ação econômica não se baseie mais nas condições do mercado. Esse fato gera a necessidade de aumentar a qualificação da força de trabalho e, com ela, a emergência de novos instrumentos de direção que permitam preservar a subordinação funcional do trabalho improdutivo às estratégias de valorização do capital.

O último elemento desmercantilizado está no setor de infraestrutura onde a presença do Estado, por vezes necessária, vai além do usual, por provocar um aumento do valor não- capitalista de produção, de valor de uso e não de troca. Nesse caso, o Estado é para Offe uma estrutura que passa a atuar em áreas que poderiam ser de competência da iniciativa privada, pois é improvável que o Estado tenha legitimidade para atuar fortemente na infraestrutura, pois não é capaz de desenvolver uma racionalidade administrativa máxima, nem devolver os investimentos com recursos públicos em forma de benefícios sociais.

Embora o Brasil não fizesse parte daquele grupo de países de capitalismo avançado, Offe foi convidado para vir aqui a palestrar durante o processo de ampla reforma do Estado brasileiro, que se deu se concretizou de forma mais acentuada no período de 1995 a 2002, e que se caracterizou por ser um processo de retirada do Estado de funções não bem vista pelo pensamento liberal-capitalista e nem mesmo pelo capitalismo maduro na construção de Offe.

A reforma brasileira seguiu o modelo neoliberal de Estado mínimo, pois reduziu a participação empresarial do Estado ao privatizar quase toda a infraestrutura construída ao longo de décadas, principalmente nas áreas de siderurgia, energia, telefonia, estradas, ferrovias, portos, bancos, etc. Realizou uma ampla reforma constitucional e infraconstitucional, que abrangeu a previdência social do setor público e privado, reformas na educação, com ênfase na expansão do ensino superior privado e alterações no ensino profissionalizante ministrado pelas escolas técnicas federais, colocando-o como mero formador de mão de obra para as empresas.

Essas reformulações vieram ao encontro das ideias defendidas por Offe (1977) para o qual o Estado deve estar à margem do processo de desenvolvimento do capitalismo maduro e nele ser um ator secundário, para não se constituir em estrutura ‘extraterritorial’ que venha interferir no processo de valorização do capital e da socialização da força de trabalho.

Era de se esperar que as medidas previstas pelo receituário para os países de capitalismo maduro e instituído nos dois períodos de governo fosse levar o país a outro patamar de desenvolvimento. Mas o que se verificou: redução na atividade econômica, aumento de desemprego, maior concentração de riqueza para os ricos, maior pobreza para os pobres, entre outros indicadores.

Logo, esse modelo não é adequado para o país com altas carências sociais.

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