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4.5 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

4.5.3 A EJA na Primeira República

Na Primeira República pouco se fez em termos de realizações concretas pelo ensino elementar, embora tenha se observado um ligeiro avanço no ensino secundário, no ensino propedêutico e nos cursos superiores, pela criação de algumas escolas superiores. O ensino técnico-profissional também foi beneficiado pelos decretos de 1909, que criaram as escolas de aprendizes e artífices e o ensino agronômico.

Mas o que ainda caracterizou a educação, pelo menos no começo desse período, foi um elitismo na educação, percebido principalmente na formação de professores para atuar na educação elementar, que era obrigatória, gratuita e universal. Segundo Nosella (2008), a clientela das Escolas Normais era formada majoritariamente pelas filhas dos fazendeiros, dos grandes negociantes, dos altos funcionários públicos e dos profissionais liberais bem sucedidos. O ensino nas escolas reproduzia a cultura da elite e estava dissociado do próprio trabalho industrial moderno e, inclusive, do trabalho do educador profissional.

A ruptura com o mundo do trabalho e a sua concepção de cultura como distinção social foram reforçadas pela influência que as congregações religiosas (sobretudo femininas e francesas) tiveram na formação direta e indireta das professoras brasileiras. Tais congregações, espalhadas pelo Brasil inteiro, negavam o genuíno espírito republicano. Basta pensar que muitas delas saíram da França (e para cá vieram) porque os ideais da Revolução Francesa as perseguiam por elas representarem os valores do Ancien Régime. (NOSELLA, 2008, p. 172).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, volta à cena a questão educacional como responsável pelos problemas nacionais e inicia-se uma intensa campanha contra o analfabetismo. Essa preocupação, no entender de Paiva (1973), estava relacionada às transformações que aconteciam nos setores econômicos, sociais e políticos do país, ao fortalecimento político do grupo industrial-urbano, à ampliação dos setores médios do

proletariado, ao nacionalismo suscitado pela guerra e a consequente pressão para recompor o poder político dentro dos padrões da democracia liberal republicana.

Para Paiva, os anos finais da Primeira República foram importantes na história da educação brasileira, pois ali se encontravam os defensores de uma nova educação popular e de novas ideias pedagógicas, manifestadas pelas correntes educacionais denominadas de ‘entusiastas da educação’, Escola Nova e ‘realistas da educação’.

A primeira corrente era defensora da difusão quantitativa da educação, estimulada pelo financiamento do governo central na educação das crianças, dos adultos (em menor grau), na ampliação do ensino profissional e pela nacionalização do ensino nos Estados do Sul do país. Com a Escola Nova, a ênfase na educação passa a ser o aspecto qualitativo e técnico, com a visão do ‘otimismo pedagógico’, acompanhado de um ‘realismo’, que procurava resgatar as ideias e ações esboçadas por Rui Barbosa, de melhoria quantitativa e qualitativa do ensino (uma renovação no ensino).

Mas a mobilização pelo nacionalismo nessa época nem sempre se refletia no ‘entusiasmo pela educação’ e na vontade de reduzir o analfabetismo. Em 1916, Carneiro Leão, um nacionalista convicto, manifestava o temor de que:

com a alfabetização de criaturas incultas ‘talvez aumentemos a anarquia social. Toda essa gente que, inculta e ignorante, se sujeita a vegetar, se contenta com posições inferiores, sabendo ler e escrever aspirará outras coisas, quererá outra situação e como não há profissões práticas e nem temos condições de criá-las, desejará ele conseguir emprego público’. (PAIVA, 1973, p. 92).

Mesmo com sua visão preconceituosa em relação ao analfabeto, Carneiro Leão entendia que era necessário educar o povo sem formar descontentes que pudessem ameaçar o progresso e a harmonia social, principalmente pela percepção de que o intenso fluxo de pessoas do campo para as cidades poderia provocar um desequilíbrio nas estruturas econômicas e sociais nos grandes centros urbanos, já ameaçados nessa época pelas reivindicações trabalhistas. Para contornar essa situação, ele propunha a regionalização do ensino e adequar a escola às condições do meio rural, pelo chamado ‘ruralismo pedagógico’, como tentativa de conter a migração nas suas fontes.

Nesse período de intensas transformações econômicas, políticas e sociais, o nacionalismo educacional também tinha interesse na ampliação das bases eleitorais, pois a forma mais rápida de recomposição do poder político do grupo industrial-urbano dentro do processo democrático era pelo voto e isso somente poderia acontecer pela alfabetização dos adultos.

Essa visão da educação de adultos no processo político é inerente ao desenvolvimento humano como um todo, pois permite a pessoa se perceber como participante na sociedade onde vive. Por esse motivo, a difusão do ensino é importante na medida em que não seja visto apenas pelo caráter utilitário, mas como um princípio de justiça social, que proporciona a igualdade de oportunidades a todos, por meio de uma educação de base qualitativa.

Ainda no período final da Primeira República, surgem os chamados ‘profissionais da educação’, como o pedagogo Lourenço Filho, o jornalista Fernando Azevedo e outros, que, mesmo não tendo formação pedagógica, eram estudiosos dos assuntos educacionais. Esses profissionais eram o que hoje se denominaria de consultores educacionais, pois prestavam informações sobre administração escolar, elaboração de currículos e métodos de ensino, organização de cursos. Num primeiro momento, não interessava para eles a educação utilitária, colocada na arena política para se alcançar maior número de eleitores e sim a educação de qualidade, formadora do ser humano.

Mas a qualidade na educação deve vir acompanhada por políticas públicas de equiparação das diferenças de classe, pois pensar a qualidade apenas como elevação das exigências de entrada no sistema escolar, ou mesmo durante o transcurso do ensino, pode levar apenas a reprodução dos privilégios de classe. Pode-se trazer como exemplo, um episódio descrito por Nosella (2008) referente ao processo seletivo para ingresso na Escola Normal Secundária da cidade de São Carlos/SP, em janeiro de 1931:

Participava da banca o educador Lourenço Filho. Se apresentaram 119 candidatos, na primeira fase (aritmética) foram aprovados apenas 8 (oito). Ao final, passaram somente 4 (quatro). Os jornais da cidade registraram o fato que causou polêmicas e discussões. Nem sempre o rigor dos exames chegava e esses extremos, mas é certo que os pioneiros da educação não entenderam universalizar o ensino elementar rebaixando a sua qualidade. Ou seja, se os fatos aqui relatados evidenciam algum rigor “exagerado”, não se pode dizer, entretanto, que tais fatos não reflitam o clima geral de rigor e seriedade da escola daquela época. (NOSELLA, 2008, p. 170-171).

O fundamento da qualidade na educação decorria das ideias da Escola Nova chegadas da Europa e dos EUA, inovadoras no sentido pedagógico, por enfatizar questões de método e de administração escolar, deram início a tecnificação de todo campo educacional e influíram na formação futura dos ‘profissionais da educação’. Essas ideias foram colocadas em prática nos Estados do Ceará (1923), da Bahia (1925), de Minas Gerais (1927/28), de Pernambuco (1928/29) e no Distrito Federal (1928). Os resultados da experiência no Distrito Federal serviram para a montagem dos Sistemas Estaduais de Educação, até então inexistentes no país.

Com respeito à educação de adultos, uma ação mais eficiente pode ser identificada na Reforma Educacional do Distrito Federal de 1928, que reorganizou os cursos noturnos com a denominação de Cursos Populares Noturnos, que deveriam ministrar o ensino primário elementar em dois anos a adultos analfabetos, ensino técnico elementar e cultura geral, sobretudo higiênica. Essa organização levou a um crescimento expressivo de matrículas (25% em 1929), mas sofreu uma paralisação no ano seguinte devido à Revolução de 30.

Segundo Frigotto (1996), as propostas de reformas educacionais localizadas e de inspiração liberal nesse período foram reproduções dos privilégios da classe dominante, pois as reformas na educação não geraram mudanças na sociedade ao não modificarem sua estrutura e o saber continuava a ser um privilégio de classe, e não para a maioria da população que não se beneficiou delas. O mesmo se deu, para Frigotto, durante o período da Revolução de 1930, do início da Segunda República até o fim do Estado Novo.

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