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Elementos Estruturais da Praxeologia

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SABER ENSINADO Instituição: Sala de aula

1.1 Elementos Estruturais da Praxeologia

A noção de praxeologia se forma em torno de tipos de tarefas (T) a serem cumpridas por meio de pelo menos uma técnica (τ), que, por sua vez, é explicada e validada por elementos tecnológicos (θ) que são justificados e esclarecidos por uma teoria (ϴ).

Para Chevallard (1999), a noção conferida ao tipo de tarefa reflete no sentido antropológico da teoria, supõe a existência de objetos bem precisos e inclui apenas as ações que são humanas, ou seja, que não são provenientes diretamente da natureza. Na maioria das vezes, a noção de tipo de tarefa está relacionada a um objetivo claro e exato, geralmente expresso inicialmente por meio de um verbo de ação mais o complemento da frase, como, por exemplo, comparar a área de duas figuras planas. Se observarmos simplesmente o verbo comparar, tem-se o que Chevallard (1999) chama de gênero de tarefas, pois não explicita o que é para comparar.

Ao longo da escolaridade, os gêneros de tarefas vão se enriquecendo e aprimorando. Para exemplificar, podemos observar um aluno do 6º ano da Educação Básica para quem o gênero de tarefa ‘calcular’ pode caracterizar-se como um tipo de tarefa que tem por objetivo determinar a medida da área de um terreno. Já para um aluno do ensino superior, que faz licenciatura em matemática, pode expressar um tipo de tarefa mais complexo, como, por exemplo, determinar a integral indefinida de uma função. Logo, são necessários vários tipos de tarefas para um gênero de tarefa existir. Assim, o gênero calcular, por exemplo, vai se enriquecendo de novos tipos de tarefas ao longo da escolarização.

Contudo, apesar de os conceitos de tipo de tarefa (T) e de tarefas (t) estarem fortemente relacionados, eles são distintos. O tipo de tarefa (T) pode ser descrito como um grupo de tarefas que engloba várias tarefas com atributos comuns. Por exemplo, considere TM- Determinar a medida da área de uma figura ou região, como um tipo de tarefa; podemos considerar TM1: determinar a medida da área de uma figura ladrilhável com quantidade finita inteira ou metades de superfícies unitárias e TM2: determinar a medida da área de um retângulo qualquer com comprimentos dos lados conhecidos, como tarefas de TM. Quando uma tarefa (t) faz parte de um tipo de tarefa (T) dizemos que t єT.

Portanto, tarefas, tipos de tarefas, gêneros de tarefas “são <artefatos>, <obras>, construtos institucionais, como, por exemplo, uma sala de aula, cuja reconstrução é inteiramente um problema, que é o objeto da didática” (CHEVALLARD, 1999, p. 222).

Esse autor ainda argumenta que as tarefas podem ser rotineiras quando as respostas são imediatas, ou seja, o sujeito não sente dificuldade para resolvê-la, e problematizadoras, quando, para serem resolvidas, é necessário que haja a elaboração de uma estratégia, isto é, o sujeito não domina ou não conhece antecipadamente o procedimento para resolver a tarefa.

Para resolver as tarefas t єT, devemos realizar determinados procedimentos. Essa maneira ou ‘caminho’ de fazer determinada tarefa é designada por Chevallard (1999) como técnica (τ).

Segundo Chevallard (1999, p. 222), “uma praxeologia relativa a um tipo de tarefa (T) precisa (em princípio) de uma técnica (τ) para executar as tarefas tєT”. Contudo, podemos ter o caso de uma técnica (τ) não ser suficiente para realizar todas as tarefas t єT. Com isso, existe a necessidade de se empregar mais de uma técnica. Dessa forma, a técnica pode funcionar para uma parte P(τ) dos tipos de tarefas T e fracassar na outra parte. Assim, poderemos ter algumas técnicas mais amplas que outras, quanto à realização de certos tipos de tarefas.

Em relação ao uso das técnicas em uma dada instituição (I), Chevallard (1999) argumenta que existe um número restrito de técnicas (τ) institucionalmente reconhecidas, no entanto, as mesmas técnicas poderão não ser reconhecidas em outra instituição. Tomemos como, exemplo, a resolução da equação do 2º grau, em uma escola da educação básica, cuja técnica amplamente reconhecida é o uso da fórmula de Báskara, no entanto o método de resolução geométrica, que consiste em completar quadrados, nem sempre é reconhecido em todas as instituições.

Essas técnicas utilizadas para realizar uma t єT precisam ser justificadas dentro de um discurso lógico, claro e coerente, surgindo, então, a noção de tecnologia (θ), a qual Chevallard (1999, p. 223) define como “um discurso racional (logos) sobre a técnica” que apresenta três funções.

A primeira função da tecnologia é justificar racionalmente a técnica (τ), assegurando que ela cumpra bem a tarefa do tipo T. A segunda é explicar, tornar inteligível, esclarecer e expor por que a técnica (τ) funciona bem. A terceira função da tecnologia é produzir novas técnicas, isto é, “trazer elementos para modificar a

técnica e ampliar seu alcance, superando, assim, suas limitações e permitindo, em alguns casos, a produção de uma nova técnica” (CHEVALLARD; BOSCH e GASCÓN, 2001, p. 125).

Chevallard (1999), ainda sobre as tecnologias (θ), comenta que em uma instituição (I), qualquer que seja o tipo de tarefa T, a técnica (τ) relativa a esta tarefa estará sempre acompanhada de uma tecnologia ou de um indício de tecnologia. Em alguns casos, pode existir em uma instituição apenas uma técnica canônica15 reconhecida e empregada, logo não há a necessidade de justificativa para seu uso, pois essa técnica é considerada “autotecnológica” (ibidem, p. 224).

O último elemento da praxeologia é a teoria (ϴ) que, em outras palavras, é a justificativa e o esclarecimento da tecnologia. Ela tem um “nível superior de justificação-explicação-produção e exerce com relação à tecnologia o mesmo papel que a tecnologia tem com relação à técnica” (CHEVALLARD, 1999, p.224, tradução nossa16).

Esse autor argumenta que não é necessário justificar a teoria, pois entraríamos em paranóia, no sentido de ter que justificar uma coisa atrás da outra, ou seja, para analisar um tipo de tarefa é suficiente o trio formado pela [τ, θ,ϴ], no qual se justifica a técnica e a tecnologia empregada.

Apoiado nas ideias de Chevallard, Menezes (2010, p. 82) afirma que a teoria é a “especulação abstrata da tecnologia; no plano teórico encontram-se as definições, os teoremas, as noções mais abrangentes que servem para explicar, justificar e produzir novas tecnologias”. Assim, a teoria tem um discurso justificativo e explicativo mais abrangente e abstrato, que muitas vezes não aparece de forma clara nos enunciados teóricos.

Desse modo, os elementos descritos acima, tipos de tarefa (T), técnica (τ), tecnologia (θ) e teoria (ϴ), representados pela notação [T, τ, θ, Θ], formam as organizações praxeológicas da Teoria Antropológica do Didático.

As organizações praxeológicas podem ser pontuais, locais, regionais e globais. A praxeologia pontual é definida por [T, τ, θ, Θ] e se desenvolve com base

15

Original - canonique

16

Original - On passe alors à un niveau supérieur de justification-explication-production, celui de la théorie, Q, laquelle reprend, par rapport à la technologie, le rôle que cette dernière tient par rapport à la technique.

em um único tipo de tarefa, por exemplo, comparar áreas de figuras planas sem o uso de medidas em uma sala de aula do 6º ano do ensino fundamental.

As praxeologias locais [Ti, τi, θ, Θ] agregam várias organizações pontuais, e a passagem de uma para outra coloca em evidência a tecnologia como, por exemplo, a resolução de diferentes tipos de tarefas envolvendo aditividade de áreas de figuras planas.

Para termos as praxeologias regionais é necessário que as locais se juntem em torno de uma mesma teoria, por exemplo, o estudo da área de figuras planas. O agregamento das diversas organizações regionais relativas a várias teorias corresponde a uma organização global [Tijk, τijk, θij, Θk], como é o caso, do estudo das grandezas geométricas em uma sala de aula do ensino médio. Assim, o bloco do saber-fazer é uma aplicação do bloco do saber (CHEVALLARD, 1999).

Para esse autor, a organização praxeológica descrita acima se apresenta, de forma geral, necessitando de um aprofundamento por meio de estudos empíricos e análise de observações. Ele ainda argumenta que não existe um mundo institucional perfeito, padronizado, no qual as atividades humanas sejam formadas por praxeologias bem adequadas que admitam alcançar todos os tipos de tarefas que se deseja de uma maneira eficiente, segura e inteligente. Um exemplo disso é que em uma organização praxeológica pontual, o tipo de tarefa pode ser mal identificado ou a técnica associada a esse tipo de tarefa pode não ser a ideal ou, ainda, a tecnologia pode não estar bem explicitada.

De forma específica, vamos nos interessar pelas praxeologias relativas ao saber matemático. O estudo de um tema matemático pode ser realizado por meio da descrição e análise levando em consideração duas dimensões na prática do professor. A primeira é “a realidade matemática que pode ser construída em uma aula, onde o tema é estudado”, que será denominada de organização ou praxeologia matemática e “como se pode construir esta realidade matemática, ou seja, como ele pode realizar o estudo do tema”, também chamado de organização ou praxeologia didática (CHEVALLARD, 1999, p. 228).

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