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Níveis de Co-determinação Didática

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SABER ENSINADO Instituição: Sala de aula

1.4 Níveis de Co-determinação Didática

Avançando no sentido de construir uma praxeologia associada a um saber matemático, Chevallard (2002) destaca a importância de localizar esse saber em uma escala hierárquica na qual cada nível é relativo a uma realidade, determinando assim a ecologia19, habitat e os nichos das organizações matemáticas e didáticas referentes a esse saber.

Chevallard (2002) apresenta essa escala dividida em nove níveis que se inter- relacionam de forma recíproca. Cada nível é o lugar de origem de algumas condições20 e que muitas vezes aparecem como restrições21 a outro nível.

Como podemos observar na figura a seguir, os níveis são: Civilização (-3), Sociedade (-2), Escola(-1), Pedagogia(0), Disciplina(1), Domínio(2), Setor(3), Tema(4) e Assunto(5).

Figura 03 – Escala dos níveis de Co-determinação Didática

Fonte: autoria própria (adaptado de CHEVALLARD, 2004)

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Segundo Almouloud (2007, p. 128) é o conjunto de condições e necessidades que possibilita o desenvolvimento matemático.

20 “Condição é uma restrição considerada modificável” (CHEVALLARD, 2009, p. 05).

21 “Uma restrição é vista a partir de uma determinada posição institucional em um determinado

momento não modificável (relativo e provisório)” (CHEVALLARD, 2009, p.05).

Nível Realidade -3 Civilização -2 Sociedade -1 Escola 0 Pedagogia 1 Disciplina 2 Domínio 3 Setor 4 Tema 5 Assunto

A duplicidade da seta, presente na figura anterior, indica que o surgimento ou alteração de uma condição em um dado nível, por exemplo, a Disciplina, poderá fazer a diferença em níveis mais baixos como no Domínio, mas também em níveis mais altos como do Pedagógico, da Escola, da Sociedade e até mesmo das Civilizações. De acordo com a teoria educacional tomada como referência no nível pedagógico, ela pode modificar a concepção da disciplina ou até mesmo do nível escolar como é o caso das teorias interacionistas que influenciaram consideravelmente o ensino da disciplina da Matemática e, consequentemente, o sistema escolar.

Segundo Wozniak (2007), essa escala funciona como um filtro ou uma base de decomposição e produz uma estrutura interpretativa das várias sujeições pelas quais as instituições passam.

O mais alto nível é o da Civilização. Essa realidade envolve um conjunto de conceitos complexos e práticas que são comuns a várias sociedades. Se tomarmos como exemplo a Civilização “Brasil”, a Sociedade correspondente poderia ser “Pernambuco”. Essas Sociedades são, portanto, relacionadas a partir do ponto de vista conceitual das Civilizações. Podemos dizer então, que a Civilização é o gênero, enquanto a Sociedade que lhe pertence é a diferença particular.

O nível da Escola refere-se às condições e restrições que afetam não só a questão do ensino e da aprendizagem, mas também de todas as formas de conduzir o ensino, como, por exemplo, o Ensino Fundamental. Chevallard (2004) reflete sobre a função da escola apontando que ela carrega uma missão política e ideológica e que é muito importante para a difusão do saber. No entanto, a sociedade e, acima dela, a civilização, impõe uma "ecologia" muito singular.

No âmbito Pedagógico, que fica na fronteira entre os níveis mais genéricos e os mais específicos, temos as condições e restrições impostas na esfera do sistema de ensino já existente onde são apresentados estudos da área da educação, mas não são específicos de uma disciplina, como por exemplo, a teoria sócio- interacionista desenvolvida por Vygostky.

Segundo Bosch e Gáscon (2009), os níveis descritos acima (Civilização, Sociedade, Escola e Pedagogia) influenciam consideravelmente os níveis

posteriores, inclusive prejudicando a própria disciplina22, no nosso caso, a Matemática.

Esses autores alertam que, em sua prática, os docentes se deparam com restrições e condições que afetam o seu trabalho em sala de aula com seus alunos, e que são específicas da disciplina que lecionam. Uma das restrições e condições é a maneira de preparar o estudo da disciplina em um determinado nível de ensino ou organizar o estudo em um determinado tipo de Escola, e fazê-lo seguindo os princípios de uma Sociedade e os valores de uma Civilização.

Chevallard (2009) argumenta que esses domínios são construções históricas, que não têm caráter intrínseco, pré-determinado, necessário, ou seja, eles podem mudar a sua denominação em outro momento, podendo ser necessário, também, a relocação do conteúdo de ensino.

Os domínios, por sua vez, são construídos em uma disciplina, abrangem um conjunto de organizações regionais como, por exemplo, o bloco das grandezas e medidas, inseridas na disciplina de matemática, em uma escola brasileira que oferece o ensino fundamental. Em relação aos setores, eles se encaixam em grandes domínios como, por exemplo, área de figuras planas inseridas no bloco de grandezas e medidas.

Segundo Artigue e Winslow (2010, p. 51, tradução nossa23), “um setor é caracterizado pelo estudo de uma organização regional (ou partes dela) que vem de uma família de praxeologias compartilhando uma teoria”. Nesse sentido, quando estudamos o setor “área de figuras planas”, no ensino fundamental, vamos encontrar organizações praxeológicas unificadas por uma teoria que nos permite examinar as afirmações precisas sobre o conceito de área, por exemplo, sobre equivalência de área, que serão justificadas por uma tecnologia.

Desta forma, surgirão diferentes temas, cada um unificado por uma tecnologia, como por exemplo, a área de paralelogramos. Logo, cada tema determinará o estudo de uma organização local. Por exemplo: o estudo da invariância da área por decomposição e recomposição seria o assunto que se

22

Para Chevallard (2009, p.06) “disciplina é relativa ao conteúdo praxeológico (matemático, gramática francesa, biologia, [..], etc.)”.

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Original - A sector is characterised by the study of one regional organisation (or parts of it) that comes from a family of praxeologies sharing one theory.

concentra em um tipo de tarefa e técnica, motivado e articulado dentro de um tema maior.

Em relação ainda sobre esses níveis, Chevallard (2009) argumenta que um dos problemas no ensino da disciplina da Matemática escolar é que, de uma forma geral, existe uma cultura que relega a segundo plano os níveis da disciplina, do domínio e do setor. Dessa forma, o trabalho do professor fica restrito, geralmente, aos níveis de tema e assunto.

Bosch e Chevallard (1999) fazem um esclarecimento a respeito da natureza dos objetos matemáticos (assunto) na atividade matemática. Eles estabelecem dois tipos diferentes de objetos.

a) Os objetos ostensivos que são aqueles que têm uma natureza sensível, manipulável, material, e, portanto, de mais fácil percepção da realidade pelo homem (a grafia dos números, sinais, quantificadores, as fórmulas, gráficos, os sons, os gestos, etc).

b) Os objetos não-ostensivos que são aqueles que se referem aos objetos que existem institucionalmente (conceitos, ideias, intuições, isto é, objetos que não podem ser vistos, ouvidos, sentidos por si próprios).

Segundo Bosch e Chevallard (1999, p. 87), estes objetos “só podem ser referidos ou invocados pelo manuseio correto de alguns objetos ostensivos associados”, tais como composição e decomposição de figuras para compreender o conceito de equivalência de área.

Concordamos com Menezes (2010, p.89), quando afirma que:

Podemos ser levados a produzir uma conceituação simples de que os objetos ostensivos estão no nível do saber-fazer, com seus tipos de tarefas e suas técnicas próprias, deixando para os objetos não-ostensivos (conceitos, noções, ideias, etc.), a atividade de justificar e explicar, ou seja, o “saber”. Com isso estaríamos distribuindo os objetos ostensivos e não- ostensivos para os dois grupos que, de acordo com a TAD, formam a praxeologia, a parte prático-técnica (gerando o saber-fazer) e a parte tecnológica-teórica (amparadas no saber).

Podemos exemplificar o que foi dito por meio de uma atividade muito comum nos anos finais do ensino fundamental: um professor apresenta as figuras de vários paralelogramos (um quadrado, um retângulo, um losango, um paralelogramo qualquer), com as suas respectivas fórmulas de cálculo da medida da área e, em

seguida, solicita a resolução de questões envolvendo o cálculo da medida da área de algumas figuras, com o intuito de que os alunos compreendam o conceito.

Essa forma de apresentação do conceito se insere num processo de ensino e de aprendizagem de Matemática, amplamente criticado, no qual as fórmulas e as regras são trabalhadas sem compreensão e apenas baseadas no processo de repetição. Sobre isso, Bosch e Chevallard (1999) alertam que alguns professores acreditam que basta apresentar um objeto ostensivo para o aluno que ele entenderá o seu significado, isto é, o objeto não-ostensivo.

Para a resolução do tipo de tarefa acima, os alunos utilizarão, a princípio, como ostensivos a escrita, as figuras e as fórmulas, isto é, ativarão o bloco do saber- fazer. Os objetos não-ostensivos estarão nas noções e conceitos de área que permitem justificar a técnica; assim, o bloco do saber estará completando uma praxeologia.

Assim sendo, acreditamos que os objetos ostensivos ajudaram nessa tese, no sentido de analisar o livro didático, visto que neste material encontramos imagens, gráficos, tabelas, textos, etc., e também na prática docente onde encontramos gestos, falas, etc. Os objetos não-ostensivos também auxiliaram na perspectiva da análise da aula do professor, por meio das suas explicações e justificativas sobre o conceito de área.

De uma forma geral, podemos concluir que essa tese está inserida nos níveis de co-determinação didática 1,2,3,4 e 5, respectivamente, na Disciplina (Matemática), no Domínio (Grandezas e Medidas), no Setor (Áreas de figuras geométricas planas), no Tema (Conceito de área de figuras planas) e no Assunto (área de retângulos e quadrados).

Portanto, entendemos que uma mesma organização matemática pode ocasionar diferentes organizações didáticas podendo levar a diversos processos de ensino e de aprendizagem, o que nos estimulou a investigar as praxeologias do livro didático e o professor de matemática na sua prática docente em relação ao conceito de área em uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental.

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