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Organização ou Praxeologia Didática

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SABER ENSINADO Instituição: Sala de aula

1.3 Organização ou Praxeologia Didática

A organização didática está relacionada com a maneira pela qual a realidade matemática poderá ser estudada, isto é, enquanto a organização matemática visa, por exemplo, o estudo matemático do conceito de área de figuras planas desenvolvido em uma sala de aula, a organização didática refere-se ao modo de fazer esse estudo.

As formas de resolver os problemas que envolvem área de figuras geométricas planas são possíveis de evoluir?

Segundo Farias (2008), as organizações didáticas estão relacionadas com as possibilidades de ação, ou seja, as diversas alternativas de organizar o processo de ensino e de aprendizagem da matemática em uma instituição concreta. Entendemos assim que elas não estão restritas ao trabalho do professor em sala de aula, mas também incluem o livro didático e todos os sujeitos que transformam o saber científico em saber ensinado.

A Organização Didática também apresenta os dois blocos da praxeologia, isto é, o bloco do saber-fazer e o do saber, formando assim a quádrupla [T, τ, θ, ϴ]. Diferencia-se da organização matemática por ser de natureza didática, que se origina da necessidade de transpor ou (re)construir essa organização, ou seja, existe a necessidade de preparar uma praxeologia referente às tarefas tєT (CHEVALLARD, 1999).

Esse autor diferencia o desenvolvimento de uma organização didática em seis momentos didáticos ou de estudos. No entanto, esses momentos não determinam uma ordem cronológica, uma vez que, inicialmente, representam uma realidade funcional de estudo. O que determinará a sequência ou não dos momentos são as tomadas de decisões por parte do professor.

Entendemos que esses momentos didáticos ajudam o pesquisador no sentido de analisar as transformações que o objeto de ensino deve sofrer para estar presente em sala de aula e a refletir sobre a execução dos diversos momentos de estudos. Para Chevallard et al (2001, p. 276) “não há momentos ‘mais nobres’ e momentos ‘menos nobres’, como também não há momentos ‘mais matemáticos’ e momentos ‘mais didáticos’”, para esses autores, o didático é inerente ao matemático.

O primeiro momento didático é aquele em que teremos o primeiro (re)encontro com a organização matemática a ser estudada, inevitavelmente, por meio de, pelo menos, um tipo de tarefa. No entanto, isto poderá acontecer, também, de diferentes maneiras e por diversas vezes, por isso não podemos confundir os quinze primeiros minutos da aula como sendo o primeiro momento de estudo, ou seja, o professor, ao anunciar aos seus alunos o tema de estudo da aula do dia seguinte já está realizando, de forma ainda tímida, o primeiro encontro com a organização matemática. Por outro lado, pode acontecer de passar despercebido na aula esse encontro, em virtude de o objeto encontrado se inter-relacionar com o verdadeiro objeto do encontro. (CHEVALLARD, 1999).

Existem duas grandes formas de produzir o primeiro momento de estudo com a organização matemática. A primeira, denominada de encontro “mimético-cultural” e a outra, por meio de “situações fundamentais”.

Segundo Chevallard (1999), no encontro mimético-cultural o professor apresenta a seus alunos um relato, como se fosse uma investigação de certas práticas existentes no mundo sobre a praxeologia matemática a ser estudada de forma mais ou menos explícita. Nesse caso, temos dois sub-momentos: o cultural, no qual o aluno tem apenas uma relação fictícia com o tema em jogo, e o mimético, no qual ocorre a manipulação efetiva do tema.

O encontro designado de “situações fundamentais” tem um papel contrário ao anterior, pois afasta toda a referência de uma realidade preexistente. Dessa forma, o tema de estudo é apresentado ao aluno, considerado como ator principal, como resposta a uma ou mais questões particulares desse sistema de situações. Vale salientar que esse primeiro encontro tem um papel importante na aprendizagem, mas não determina todas as relações possíveis com o tema em jogo.

O segundo momento didático é aquele da exploração dos tipos de tarefas e da elaboração de uma técnica. No estudo de um problema específico, considera-se que ele tenha por objetivo não apenas a sua resolução, mas também que sirva como um caminho para a constituição de determinada técnica, mesmo sabendo que para um determinado tipo de tarefa sempre existe, nem que seja de forma embrionária, pelo menos uma técnica de resolução.

Dessa forma, Chevallard (1999) afirma que a elaboração da técnica está no âmago da atividade matemática e que esse processo constitui uma dialética, na qual, se por um lado estudar os problemas permite criar e aperfeiçoar uma técnica relativa às tarefas de mesma natureza, por outro, a técnica será o meio utilizado para resolver de maneira quase automática as tarefas do mesmo tipo.

O terceiro momento didático é aquele da constituição do ambiente tecnológico-teórico [θ,ϴ] relativo à técnica. Esse momento apresenta uma estreita ligação com os outros momentos anteriores, uma vez que quando escolhemos uma técnica para resolver um tipo de tarefa, ela é constituída em estreita ligação com o bloco tecnológico-teórico, a fim de poder explicá-la e justificá-la. Para

Chevallard(1999, p. 242, tradução nossa17), “Em razão da economia didática global, entretanto, as estratégias de direção de estudo tradicionais fazem, em geral, desse terceiro momento a primeira etapa do estudo”. Assim, dependendo da concepção do autor do livro didático, da escola, ou do professor, existirá uma ênfase no bloco tecnológico-teórico.

O quarto momento didático é aquele reservado ao trabalho da técnica, que visa melhorá-la, no sentido de torná-la mais econômica e eficiente. Outro objetivo desse momento é possibilitar pôr em prova o alcance da técnica, assim como verificar qualitativamente e quantitativamente a confiabilidade da mesma.

O quinto momento didático é aquele da institucionalização, que tem por objetivo oficializar com precisão a organização matemática elaborada. Para Chevallard (1999), é necessário, nesse momento de estudo, que se distingam os elementos que serão integrados de maneira definitiva na organização e aqueles que serão dispensados.

O sexto momento didático é aquele da avaliação, que está articulado com o momento da institucionalização, cujo objetivo é verificar o que foi efetivamente compreendido com a organização matemática construída e institucionalizada, seja em termos de tipos de tarefas, técnicas, tecnologia e/ou teoria.

Esse momento também permite analisar o trajeto da organização matemática construída, ou seja, refletir sobre o estudo realizado, analisando, por exemplo, se o bloco tecnológico-teórico foi bem justificado. Para Chevallard (1999, p. 243), “o processo de avaliação deve ser considerado em um sentido mais amplo”, pois se trata de avaliar não só uma pessoa, mas também de avaliar os elementos da praxeologia.

Ainda sobre a avaliação, Chevallard (1999) a considera como um ato fundamental na vida de qualquer instituição, e argumenta que o sentido de avaliação adotado na TAD tem um caráter mais geral que envolve, inclusive, a avaliação escolar. Esse autor ainda afirma que o ato de avaliar é sempre necessário e relativo. Assim, “o valor reconhecido para um objeto não é de forma alguma intrínseco nem absoluto, porque a atribuição de um valor se refere sempre, implicitamente ou não, a

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Original - Pour des raisons d’économie didactique globale, toutefois, les stratégies de direction d’étude traditionnelles font en general de ce troisième moment la première étape de l’étude,

certo uso social do objeto avaliado, visto que se avalia sempre sob certo ponto de vista” (CHEVALLARD, 1999, p. 224).

Por tudo isso é que Chevallard (1999) estabeleceu um conjunto de critérios avaliativos de uma organização matemática (tipo de tarefa, técnica, tecnologia e teoria) e/ou didática (momentos de estudos) relativa a um objeto de ensino matemático. Os momentos didáticos citados anteriormente permitem evidenciar o desenvolvimento de uma organização didática, cujo objetivo é o ensino de determinado saber, no nosso caso, área de figuras geométricas planas.

Esses momentos têm duas grandes utilidades para o professor. A primeira serve como instrumento de análise dos processos didáticos empregados no desenvolvimento da organização matemática. A segunda utilidade é que permite ao professor identificar claramente os problemas que deverão ser usados nos diferentes momentos de estudo (CHEVALLARD, 1999).

Para ampliar a caracterização de uma organização didática, Gascón (2003), baseado nas ideias da TAD, elaborou um “sistema de referência” que identifica as OD possíveis ao se referir ao desenvolvimento de atividades de matemática, como podemos observar na figura a seguir.

Figura 02- Representação gráfica do Sistema de referência que representa as organizações didáticas ideais e possíveis.

Fonte: Gascón (2003, p. 21) (θ,ϴ ) Construtivistas Clássica s Empiristas (T,τ) Ex Modernista s Teoricista s Tecnicistas

Esse autor criou um espaço tridimensional hipotético, no qual cada dimensão do plano representa uma OD possível e ideal. Assim, os eixos do sistema de referência são representados por três momentos de estudo da TAD, que são os momentos tecnológico-teóricos (θ,ϴ), o trabalho da técnica (T, τ) e o momento exploratório (Ex). Sendo que, em cada um desses eixos, reside uma OD ideal denominada de teoricista (conhecimento acabado e cristalizado em conceitos), tecnicista (repetição da técnica) e modernista (exploração de tarefas diferentes), que são consideradas unidimensionais pelo fato de o processo de estudo centrar-se em uma única dimensão, colocando as demais em segundo plano.

Ainda em relação às OD ideais, Gascón (2003) estabelece que cada organização didática está localizada em uma dimensão do plano de coordenadas do sistema de referência. Logo, temos três tipos de organização didática: Clássica, Empirista e Construtivista.

A primeira, OD clássica - integra o momento tecnológico-teórico (θ,ϴ) e o trabalho da técnica (T,τ) e se “caracteriza, entre outras coisas, pela banalização da atividade de resolução de problemas e por considerar que o ensino de matemática é um processo mecânico totalmente controlado pelo professor” (GASCÓN, 2003, p.20). Logo, o estudante é considerado uma tábua rasa e para isso ele precisa resolver muitas tarefas para poder aprender o conceito.

A segunda, OD empirista – que combina os momentos exploratórios (Ex) e o trabalho da técnica (T,τ). Caracteriza-se pela importância dada à tarefa de resolver problemas dentro do processo didático e por “considerar que o aprender matemática (como aprender a nadar ou a tocar piano) é um processo indutivo baseado na imitação e na prática” (GASCÓN, 2003, p. 20). Aqui, o aluno é convidado a aprender matemática resolvendo problemas que não são triviais e que vão além do que simplesmente aplicar técnicas.

Já a terceira, OD construtivista – que integra os momentos tecnológico-teórico (θ,ϴ) e o exploratório (Ex), distingue-se das outras por contextualizar as tarefas de resolução de problemas situando-os em uma atividade mais ampla, além de considerar que a aprendizagem é um processo ativo de construção de conhecimento. Aqui, Gascón (2003) separa em dois eixos, que são o construtivismo psicológico e o construtivismo matemático. O primeiro dá grande importância ao papel da resolução de problemas, embora seja como um simples meio para construir conhecimentos novos. No entanto ignora a função do trabalho da técnica na

aprendizagem da matemática. O segundo baseia-se no próprio processo de modelização da matemática. Nessa organização didática os problemas são contextualizados ao ponto de “identificar-se o objetivo da resolução de problemas como a obtenção do conhecimento sobre o sistema modelizado” (GASCÓN, 2003, p. 29).

Contudo, de acordo com o autor acima, as organizações didáticas construtivistas, incluindo o construtivismo matemático, possuem uma limitação que não permite o desenvolvimento suficiente do trabalho da técnica, mas está muito mais próximo do modernismo do que do tecnicismo.

Por tudo isso, Gascón (2003) propõe que haja uma integração entre as três dimensões que compõem as organizações didáticas ideais para que tenhamos uma OD mais complexa e relativamente mais completa. Esse autor ainda comenta que tudo isso “exigirá dar espaço, com toda normalidade, sem restrições e prejuízos culturais usuais, ao trabalho da técnica, como uma dimensão a mais da atividade matemática” (p.31).

Como podemos observar na figura anterior, as organizações didáticas Clássica, Empirista e Construtivista são bidimensionais, uma vez que são determinadas por dois eixos correspondentes do processo didático adotado.

Para Gascón (2003), assim como para Chevallard (1999), as organizações didáticas se relacionam fortemente com as organizações matemáticas e, por isso, Chevallard (2001, p. 02, tradução nossa18) afirma que esse “isomorfismo” didático- matemático indica uma hierarquia de níveis, que são níveis de determinação das organizações didáticas, ou melhor, a co-determinação das organizações didáticas e matemáticas”.

No próximo subtópico faremos uma breve alusão aos níveis de co- determinação didática propostos por Chevallard que, mesmo não sendo o foco de nossa pesquisa, consideramos como importante na perspectiva de localizar o nosso objeto de estudo em uma escala hierárquica.

18 Original - Este “isomorfismo” didáctico-matemático lo expresaré mediante una jerarquía de niveles,

que son niveles de determinación de las OD, o, más exactamente, de codeterminación de la OD y de la OM.

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