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CAPÍTULO 1 DO MEU SER, SABER E FAZER AO OBJETO DE PESQUISA

1.1 PRIMEIRAS REFERêNCIAS

1.1.4 EM ATUAÇÃO, O ENCONTRO COM A ESCOLA E O (DES) ENCONTRO COM A

Poucos meses após a conclusão do curso (1985), por recomendação da professora-regente da disciplina Psicologia da Aprendizagem, fui convidada, pela direção da escola na qual estagiara – a assumir o lugar da referida professora, que solicitara demissão da rede de ensino municipal. Imensamente feliz, aceitei o convite e, claro, fui oficialmente contratada10 e, pela primeira vez, tive a carteira de trabalho assinada. Mais que o fato em si do emprego e do contrato, o que mais me deu alegrias foi o fato de ter ingressado no campo da profissão escolhida – professora.

Ao retornar à escola, não mais como estagiária e sim como professora, cheguei imbuída do sentimento da conquista do meu lugar, da minha profissão e da possibilidade de realizar muitas das atividades propostas, discutidas e idealizadas no processo de formação. Como muitos egressos da universidade, tenho esse momento de estágio e os elementos que o compõem como inesquecíveis em minha vida e em minhas memórias.

Ao adentrar a escola como professora, logo percebi a diferença – agora não mais me dirigia para uma sala específica; – precisava passar pela sala dos

8 As causas e consequências do distanciamento entre a agência formadora e a escola básica têm

sido ampla e profundamente discutidas nos trabalhos Zeichner (1993; 1995; 2000; 2009; 2010).

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Nesse período a sociedade civil organizada já se mobilizava a favor do processo de democratização social, da escola pública de qualidade para todos, da valorização dos profissionais de educação etc. Muito foram os movimentos grevistas a favor de um novo cenário sócio-político-brasileiro, como exemplo o movimento Diretas já. No que reporta ao curso de Pedagogia, a discussão era orientada pela ANFOPE na defesa de extinção das habilitações do curso desenvolvido sob sólida formação teórico-prática, cuja base formativa deveria ser a docência, evitando a fragmentação da formação e da prática pedagógica.

10 Com a aprovação do plano de cargos e salários da categoria, anos depois, passei para o quadro

professores para pegar os diários de classe e esperar o toque – ensurdecedor – da sineta. Com o pensamento que estava ali para dar continuidade ao estágio, fui reconhecida e cumprimentada por alguns professores do curso de magistério; outros me viram, mas não se manifestaram. Naquela sala pequena para acolher o grande número de professores, observei que eles chegavam agitados e ávidos por falar sobre vários assuntos. Como “uma estranha no ninho”, senti medo e insegurança e tive ímpetos de sair à procura da sala de aula. Com o toque da sineta fui despertada pela expressão da vice-diretora: Vamos pessoal! Não ouviram a sineta? Esperei que todos saíssem da sala para me dirigir à vice-diretora. Apresentei-me e expliquei o motivo da minha presença na escola. Da vice-diretora, recebi as boas vindas, os diários, os horários das aulas e as orientações para o acesso às salas de aula.

Passados os primeiros contatos e impactos, na mesma semana, tive a oportunidade de participar da reunião da escola, coordenada pela supervisora11 geral. A reunião ocorria quinzenalmente e, dentre outros, tinha por objetivo passar informações gerais, planejamento de unidades, determinações da Secretaria de Educação etc. Naquela data, a reunião tinha como ponto de pauta o encerramento da II Unidade, o planejamento da III Unidade e o calendário do conselho de classe. Os professores ouviram atentamente a supervisora. No decorrer dessa reunião, fui apresentada como a mais nova professora do curso de magistério, fiquei em pé e, de muitos dos presentes, ouvi o sussurro: seja bem-vinda!

Ao término da reunião, de alguns professores, ouvi críticas à prática do conselho de classe, algumas sobre a omissão da escola no trato com os alunos que não “querem nada”. Fui para casa a pensar em tudo o que percebi e ouvi. Agora penso, também, em tudo o que senti e vivi em apenas uma semana na escola e encontro o início da minha trajetória profissional. Daquele instante em diante, passei a analisar o significado da escola, não a escola com seu nome e endereço, mas, a escola com a complexidade, dinâmica e culturas advindas de relações e ações pessoais e profissionais, atos sociais, políticos e pedagógicos e tudo mais que a faz existir.

11 As mudanças propostas pela ANFOPE ou realizadas por organismos governamentais ou agências

para os currículos dos cursos de Pedagogia não ocorreram de modo e tempo iguais nos Estados da Federação. No caso do município de Itabuna, a transformação das funções dos especialistas em coordenação pedagógica somente ocorreu com o novo plano de cargos e salários, em execução na década de 1990. Anterior a este período, a maioria das escolas da rede municipal contava com a presença da direção, dos supervisores – orientação pedagógica da escola; orientadores – orientação e acompanhamento aos alunos; coordenadores de área de conhecimento, diretamente ligados à supervisão, desenvolviam o trabalho de orientação pedagógica juntos aos professores.

Na convivência com a dinâmica da escola, a cada dia e, aos poucos, eu ampliava a minha visão de escola e fui percebendo a ausência de relação entre o que aprendi e não aprendi na formação sobre a escola básica12, sua real dinâmica na prática cotidiana. Então, paulatinamente, passei a compreender e adaptar-me à escola tal como ela era (e é): conduzida por um currículo formal e por regras explícitas e não-explícitas.

A escola real não estava nos livros, nos meus sonhos e nem mesmo nos discursos assistidos e construídos no processo de formação quanto à sua forma de organização administrativo-pedagógica – caracterizada pela divisão do trabalho e relações de poder. Ante a realidade, reconheci o meu despreparo para lidar com aquele espaço, no sentido de propor e, ou participar de determinadas atividades. Como proteção, elegi a sala de aula como meu refúgio e minha fortaleza: ela materializava o lugar em que eu buscava realizar um bom trabalho e, de certa forma, tentava diferenciá-lo, recorrendo à aplicação de dinâmicas e metodologias nem sempre utilizadas pelos demais professores.

Um aspecto que fez parte das minhas preocupações iniciais foi o estabelecimento de boa relação com as alunas. Esta prática produziu excelentes resultados, tanto em sala de aula, como nos momentos de convívio com os pares, a exemplo dos conselhos de classe. O fato de conhecer melhor as alunas conferia-me espaços para esclarecer fatos a elas relacionados, mas desconhecidos por outros professores. A partir dessa experiência, a boa relação com os alunos passou a fazer parte do meu processo de atuação e da minha identidade profissional.

No ano seguinte (1986) ao de ingresso na escola, a pedido das orientadoras, fui novamente convidada pela diretora para integrar o grupo do Serviço de Orientação Educacional da escola.Novamente, fiquei radiante, não apenas pelo aumento da carga horária e, consequentemente, da remuneração, mas, principalmente, por compreender que a minha presença na escola começava a ser percebida pelos pares e, também, que passaria a ocupar um lugar físico-espacial, com possibilidades de estabelecer relações mais próximas com as supervisoras, professores, alunos, pais, direção e outros segmentos da instituição. Meu papel

12 Ao destacar a ausência de relação entre o aprendido e o praticado, não desconsidero a

impossibilidade de uma articulação plena entre a educação superior e a educação básica que, de modo geral, são estruturadas a partir de políticas educacionais diferentes; pensadas e implementadas em tempos e contextos não (ou nem sempre) correspondentes.

social como educadora começava a encontrar sua base de ação profissional e de realização pessoal.