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EIxO I A PERCEPÇÃO DE SI ENTRELAÇADA NA PROFISSÃO

5.2 SENTIMENTOS – PROCESSO SELETIVO E RESULTADO

A resposta ao subitem que buscou investigar o sentimento originado no momento do processo seletivo, em sua maioria, os professores revelaram sensações de nervosismo, ansiedade, expectativas, insegurança, medo, tensões,

mal estar e sentimento de estar concretizando um sonho. Muitos relataram vivências

de insônia no dia anterior ao da realização da prova, necessitando de calmantes e muitas orações. De modo geral, os professores vivenciaram o sentimento do impacto causado pelo momento de estarem no lugar sonhado e tomado como de concretização quase impossível.

No esforço de uma análise histórica do acesso ao ensino superior no Brasil, estar na universidade, mesmo para realização de uma seleção, era realmente um sonho, um sonho sem projetos e difícil de ser pensado no plano pessoal e profissional. Por isso, todos os sentimentos apresentados caracterizam não apenas o sentimento dos sujeitos da pesquisa, mas da maioria dos jovens e adultos que – em situações privilegiadas ou desafiadoras das regras socialmente estabelecidas – conseguem realizar e sentir esse momento. Tal situação conduz o nosso pensar para as seguintes relações: o grande número de professores com formação média e o reduzido número81 de IES e de cursos; as precárias condições socioeconômicas dos professores frente às exigências para a realização de um curso superior; os conhecimentos exigidos na seleção e o despreparo dos professores. Para expressar os sentimentos vividos no momento da seleção, citamos alguns dos relatos obtidos.

Enfim, chega o dia, a ansiedade tomava conta de mim, na hora da viagem tomei até suco de maracujá. Ao chegar naquele paraíso (UESC) declarei que ali adentrava em o nome de Jesus, fiz a prova e saí um tanto otimista. À noite, sonhei que eu era a única da cidade que não conseguia passar, acordei com tanta angústia! (Profª. Elenita, 46 anos).

[...] e quando este dia chegou, estava super ansiosa, de tanto nervoso, até senti dor de barriga. Fiz a prova com muita dificuldade,

81 No período da oferta do curso, a região dos municípios participantes do PROAÇÃO dispunha

apenas de 04 IES. Dentre estas, apenas a UESC como instituição pública. As demais eram instituições privadas, recentes, criadas com o incentivo da LDBEN 9.394/96, e que não ofertavam cursos de licenciatura.

porém confiante de um resultado positivo, sempre falando comigo mesma: “eu preciso passar” (Profª. Adenildes, 46 anos).

Entre estudos e o momento do vestibular, senti muita ansiedade. Finalmente, estava eu lá na UESC, poderia adentrar, ou não. Lembro-me que, ao final da prova, fui tomada por um momento de tristeza e frustração – a prova foi horrível! Contudo, no fundo, continuava mantendo a esperança de ver o meu nome, nem que fosse ao final da lista (Profª. Jorgínia, 46 anos).

Chegando à UESC, tive vários sentimentos: medo, alegria, tristeza e, ao mesmo tempo, pensei: “O que estou fazendo aqui? Será que é isto mesmo que quero?’’ Finalmente chegou o momento da prova, olhava para um, olhava para outro, percebia todos ansiosos e logo pensei: seja o que Deus quiser! Durante a realização da prova, percebi que muitas questões estavam fáceis, pois há pouco tempo tinha participado de um curso de formação (PROFA) Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profª. Ana Glória, 47anos).

Outro aspecto que não foi investigado, mas citado por 17 (8,5%) professores e que mereceu nossa análise, refere-se ao relato do investimento dos professores no preparo para a realização da prova, inclusive, com a constituição de grupos de estudo, visando aprimorar ou adquirir conhecimentos propostos para a referida prova. No mesmo sentido, alguns professores citaram a contribuição dos

conhecimentos adquiridos no curso de formação continuada, o PROFA82, no

momento de realização da prova.

Pelos relatos sobre a preparação para realizar o curso, é possível inferir quanto o curso representa para os professores que, diante do novo contexto referente à sua formação, precisavam de novos conhecimentos para aventurar-se aos desafios impelidos para o ingresso na universidade. Os esforços dispensados pelos professores trazem a reflexão do quanto, eles, trabalhando dois ou três turnos e com uma vida (família e filhos) para dar conta (ver perfil no capítulo 4), se dedicaram para obter sucesso na seleção. Este fato contraria segmentos da sociedade que insistem em afirmar que os professores nada querem ou que somente lutam por melhores salários. Com o relato dos professores, confirma-se a necessidade que o próprio professor tem da formação continuada. O interesse existe, basta que sejam oferecidas as possibilidades adequadas e teremos os

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Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA - organizado e ofertado desde o ano de 2001, pelo Ministério de Educação e realizado em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, especialmente destinado a professores que trabalham com o início da leitura e da escrita, na Educação Infantil e alfabetização de crianças e adultos.

professores dispostos a melhorar continuamente o seu fazer profissional. vejamos alguns relatos que confirmam o interesse dos professores.

[...] não sabia nada sobre a seleção, reuni com alguns colegas de Itajuípe e formamos um grupo de estudo, foi ótimo (Profª. Suemey, 41 anos).

O que mais me preocupava no vestibular era a redação, por isso, eu e algumas colegas formamos um grupo de estudo (Profª. Jozélia, 41 anos).

Lembro muito bem que, das literaturas indicadas, a primeira que eu devorei na leitura foi Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire e um dos subtítulos que mais me chamou atenção foi “Ensinar exige a

convicção de que a mudança é possível”. Enquanto eu li as

indicações, cresciam as expectativas para o momento da seleção (Profª. Elenita, 46 anos).

[...] não perdi tempo, logo comecei a estudar com mais três colegas [...]. A prova foi no período de férias, por tanto, nesse ano, não tive férias, passei todo o mês de janeiro literalmente com a cara no livro (Profª. Alci, 33 anos).

Durante a realização da prova, percebi que muitas questões estavam fáceis, pois há pouco tempo tinha participado de um curso de formação (PROFA) - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profª. Ana Glória, 47 anos).

[...] tinha participado de um curso preparatório do Estado para professores alfabetizadores, portanto, tinha lido alguns autores que me deram uma base como Paulo Freire e Mirian Lemle (Profª. Rosimeire, 46 anos).

Por razões obviamente diferentes, os mesmos sentimentos vividos no processo seletivo também foram sentidos pelos professores ao saberem da aprovação: sensação de sonho realizado, de euforia, de luz na vida pessoal e

profissional, milagre, benção divina, de dever cumprido, de capacidade e também de medo, insegurança. Estes sentimentos poderiam não merecer a nossa atenção se

considerarmos serem reações geralmente demonstradas pela maioria das pessoas ao vencer desafios/obstáculos de tal ou similar natureza. Entretanto – o interesse pela investigação desse ponto pretendeu verificar o estado emocional, o envolvimento e as expectativas desses professores para com o futuro curso, para ser possível perceber a representação do mesmo para a vida pessoal e profissional – esta posição se mostra coerente com posicionamentos de Nóvoa (2007) e Imbernón (2009).

Todos os professores indicaram o conhecimento da aprovação como um momento marcado por sentimentos inesquecíveis, compartilhados como as pessoas que os incentivaram para realização do curso. Em todos os relatos, foi possível observar quanto o resultado mexeu com o emocional dos professores e explicitam também o sentimento de descrença na própria aprovação alcançada, quando afirmam não acreditar no resultado positivo. As emoções acompanhadas da descrença podem estar relacionadas a vários fatores como: a falta de tempo para

leitura e estudos; pouca qualificação; desconhecimento das políticas públicas; falta de vivência das situações para demonstrar os conhecimentos que porta; descrença na formação adquirida no magistério médio ou identificação e reconhecimento do distanciamento entre o que pratica e ensina das visíveis e crescentes necessidades dos alunos.

Ao estabelecer relação entre os fatores apontados e os relatos dos professores, evidencia-se uma felicidade que vem acompanhada do medo do novo,

do desejado/sonhado, mas, ao mesmo tempo, desconhecido da maioria. O que

normalmente sabiam sobre aquele lugar, a UESC, acreditamos, resumia-se a ser o lugar da formação superior, cujo ingresso ocorre através de difícil vestibular. Assim, mesmo com a realização de uma seleção específica, com conhecimentos considerados ao alcance dos professores, os mesmos não se sentiam seguros com o resultado, tendo em vista as suas condições objetivas, formativas e sociais. Ser aprovada na UESC seria como descreveu a Prof.ª Luiza (2009): “[...] não era para todos os ‘mortais’, aproveitei a dádiva de Deus na minha vida, pois a oportunidade era ímpar”. Ou ainda como a Prof.ª Simone: “[...] UESC era e é ainda o ‘sonho de consumo’ da região”.

Nos relatos que seguem, verifica-se os sentimentos dos professores quando souberam da aprovação.

Quando saiu o resultado, fiquei sabendo que fui classificado em 9° lugar, a decepção foi grande por não ter conseguido ficar entre os oito. No dia seguinte, fui informado que sobraram três vagas e que essas vagas seriam sorteadas entre os municípios que participaram da seleção e, para minha surpresa, eu fui um dos sortudos que ficou com uma dessas vagas. Logo que soube da minha aprovação, comemorei bastante com os colegas e minha família. Depois da comemoração, veio o momento de reflexão sobre os obstáculos que eu teria que superar (Prof. Ivan, 40 anos).

Ao receber o resultado de aprovada, fiquei em estado de choque, sem acreditar que eu havia conseguido. A alegria foi tão grande que não coube em meu existir. Agora, eu era aluna da UESC (Profª. Sílvia,41 anos).

Não acreditei quando o resultado foi confirmado, chorei de felicidade, afinal de contas, eu fui a única professora do campo a ser aprovada, fiquei em 3° lugar (Profª. Luzia, 31 anos).

Em uma bela tarde, o telefone toca uma colega fala que o resultado tinha saído e que eu tinha sido aprovado, não me contive de tanta alegria, até hoje fico comovido com aquela notícia, os meus pais ficaram muito contentes. Percebia claramente em seus semblantes o orgulho em ter o primeiro membro da família a entrar em uma Universidade, tão almejada por muitos (Prof. José Milton, 31 anos). Foi momento de alegria, medo, porque era algo novo que iria acontecer na minha vida. Demorou eu acreditar que fui aprovada (Profª. Ana Cristina, 40 anos).

Meu maior sentimento ao saber que fui aprovada foi de alegria e tristeza ao mesmo tempo, pois minha irmã não tinha sido aprovada, mas é assim mesmo, não haveria vagas para todos os concorrentes (Profª. Joelma, 39 anos).

[...] foi como uma estrela brilhando na minha vida, no caminho, principalmente, profissional e foi também uma realização pessoal muito grande sem explicações, não cabe aqui no papel o sentimento de estar na UESC. (Profª. Adelma, 37 anos).

Antes de passar para o próximo tópico, utilizamos este espaço para registrar o quanto nos chamou a atenção o fato de os professores atribuírem a possibilidade de realização do curso e a aprovação para o mesmo à ação divina. Sem emissão de juízo e reconhecendo as dificuldades de acesso ao ensino superior, essa atribuição nos leva a refletir sobre os fatores que contribuíram para que assim os professores pensassem. Dentre esses fatores, citamos a distância geográfica entre os municípios e a universidade, a baixa autoestima, o sentimento de incapacidade e despreparo dos professores e a própria relação destes com a religião ou crenças professadas.

Tomado como ponto de discussões deste estudo – o ingresso no curso como dádiva divina - conduz a importantes reflexões sobre o direito do professor, como cidadão e agente social, a processos formativos, necessários de serem social e politicamente assegurados, bem como alerta para a tomada de consciência pelo professor sobre a necessidade de buscar e lutar por seus direitos, seja de formação, de reconhecimento do seu valor ou a planos de carreira correspondentes a sua

importância para a formação dos cidadãos e consequentemente da sociedade em geral.

Nesse sentido, consideramos que a presença e a influência da religiosidade na educação passam a ser um campo fértil, aberto a investigação, merecedor da atenção dos estudiosos e pesquisadores da formação e atuação docente, de modo a alcançar não somente os formandos, mas também, os formadores.