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CAPÍTULO 2 ASPECTOS HISTORICOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, EM NÍVEL

2.2 O ENSINO SUPERIOR E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRIMEIRAS

Pelo fato de a universidade ser a instituição de maior responsabilidade pela oferta da educação superior, neste item, será discutido alguns aspectos históricos relacionados à formação de professores em grau superior. Entre os autores que buscamos para dialogar e fundamentar esta abordagem, citamos: Fernando de Azevedo (1932); Octávio Ianni (1963); Jorge Nagle (1985); Iria Brzezinski (1996); Simon Shwartzman, (1984, 2005); Ana Waleska Mendonça (2000); Leonor Tanuri (2000); e Dermeval Saviani (2005; 2008).

A partir dos trabalhos desses autores/historiadores, fica evidente que o ensino superior na Brasil tem seu início marcado pela, dependência e pelo controle da coroa portuguesa e, também, em resposta ao movimento de expansão (século XX) do ensino superior em todos os continentes do planeta. A oferta desse ensino no cenário brasileiro ocorre com a criação, em 1920 – 420 anos do seu

descobrimento – pelo governo federal, da primeira instituição de educação superior,

a Universidade do Rio de Janeiro, fruto da reunião das Escolas Politécnicas, de Medicina e de Direto, anteriormente criadas para servir à coroa nos aspectos socioadministrativos. (SHWARTZMAN, 1984; 2005); (MENDONÇA, 2000); (SAvIANI, 2008).

Seguindo o mesmo processo, em 1927, por iniciativa do governo do Estado mineiro, foi criada a Universidade de Minas Gerais. De maneira geral, a criação dessas instituições decorreu de toda uma mobilização sócio-político-cultural, deflagrada por grupos sociais de espírito e ideais nacionalistas, todos eles desejosos de instituir uma Nova República, defendida como necessária à “reconstrução/construção da nacionalidade” (MENDONÇA, 2000, p.136).

No que diz respeito ao sistema educacional mais amplo, a mobilização foi realizada com a participação dos intelectuais liberais. Esses intelectuais, influenciados pelas mudanças educacionais ocorridas nos Estados Unidos, as quais

foram fundamentadas no pragmatismo do filósofo John Dewey41, passaram a opor- se e a criticar a educação praticada, entendendo-a como hegemônica, propedêutica, enciclopédica, verbalista e em seu lugar propunham a prática de uma Nova Escola, direcionada para o desenvolvimento de uma ação educativa fundamentada em princípios biopsicológicos (respeito pelo desenvolvimento natural da criança), científicos (mas não conteudista), democráticos (valorização e respeito à liberdade humana) e, voltada para a solução dos problemas vividos pela sociedade brasileira (educação para o trabalho) (AZEvEDO, 1932); (SAvIANI, 2008).

Como fruto da intelectualidade, sentimento nacionalista e missão sociopolítico-cultural42 que marcaram a referida década, Fernando de Azevedo escreveu - o também emblemático – e por nós conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação, sob o título: A reconstrução Educacional no Brasil - ao povo

e ao governo (1932). Esse documento contou com o apoio de 26 signatários,43 todos eles homens e mulheres que, mesmo assumindo posições ideológicas divergentes, uniram-se na proposição de um projeto educacional que possibilitasse a prática de ações que viessem a contribuir com a reordenação da sociedade brasileira, pós Revolução de 30, de maneira a caracterizar e identificar a nação e o povo brasileiro (AZEvEDO, 1932; SAvIANI, 2008).

Sem abandonar uma posição crítica ao documento do Manifesto e considerando os interesses políticos, o contexto da época e algumas expressões contidas, muitas delas características dos pensamentos construídos por influências externas; reconhecemos que este documento, produzido em um tempo histórico conturbado, buscou traçar e caracterizar o percurso da educação ofertada no país e

41 Para uma maior compreensão sobre o pragmatismo de Dewey, aludimos pela leitura do curto, mas

esclarecedor, o artigo de Cassiano Terra Rodrigues, sob o título, Desenvolvimento do Pragmatismo Segundo Dewey, publicado pela revista eletrônica Cognitivo-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia. PUC-SP, 2008.

42 O desejo de afirmar a intelectualidade e o nacionalismo brasileiro foi retratado na realização da

Semana da Arte Moderna, realizada em 1922, na comemoração do centenário da independência do Brasil. O evento ocorreu em uma época caracterizada por turbulências de cunho político, socioeconômico e cultural e ingressou na história do país a figura de artistas e políticos com a de Osvaldo de Andrade, Tarsila do Amaral, Menotti Del Pichia, Anita Malfatti, Di Cavalvanti, Mário de Andrade e outros. Um dos objetivos do evento foi anunciar e renovar o potencial artístico brasileiro, até então marcado pela arte europeia. Se o evento não foi entendido em sua época, nos dias atuais, ele é um fato que contribuiu para o entendimento do processo de independência e desenvolvimento sociopolítico-cultural do Brasil.

43 Afrânio Peixoto, A. de Sampaio Doria, Anísio Spínola Teixeira, Lourenço Filho, Roquette Pinto, J.

G. Frota Pessôa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros Noemy M. da Silveira, Hermes Lima Attilio vivacqua, Francisco venancio Filho, Paulo Maranhão, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda A. Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme, Raul Gomes.

se tornou um instrumento de sustentação para a proposição de uma nova educação, agora de caráter público, gratuita, mista, laica, obrigatória, única e articulada entre os níveis de ensino, com a comunidade local e com o mundo. Neste sentido, entre outros aspectos, logo no segundo parágrafo do documento, Azevedo (1932) assim expressa a situação educacional instalada:

Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência de um problema sobre objetivos e fins da educação" (p. 188).

Oficializando, de certa forma, a nova concepção de educação, o Manifesto constituiu em importante documento da história da educação brasileira e, em muitos aspectos, se mantém atual, vez que as ideias, as inovações e as contribuições contidas continuam a reverberar em diferentes tempos e contextos, a suscitar discussões de cunho sociopolítico-cultural, a exemplo do papel da universidade na formação de professores. Nesse sentido, em um texto organizado para participar do evento de recepção aos novos alunos do Curso de Pedagogia, Beisiegel (2003) destaca que o Manifesto,

(...) continha posições inegavelmente avançadas. Para os educadores empenhados na construção de um sistema de ensino mais justo, respeitadas as diferenças de época e de conjuntura, muito do que defendia continua tendo validade, ou como afirmação de valores e objetivos a serem alcançados ou como orientações para a realização da pesquisa educacional (BEISIEGEL, 2003).

Didaticamente escrito e estruturado por quatro grandes tópicos, entendemos o Manifesto, conforme nos possibilita as palavras do seu redator, a partir de duas dimensões, ambas contidas no próprio documento. A primeira como uma “[...] reação categórica, intencional, sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista[...]” (AZEvEDO, 1932, p. 191) e a segunda como uma carta de intenções e possibilidades de se instalar no país uma educação

cuja concepção, finalidades e práticas se voltam para “[...]. desenvolver meios de ação durável com o fim de “dirigir” o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com certa concepção de mundo (AZEvEDO, 1932, p. 191).

Nos subtópicos do Plano de Reconstrução Educacional, sob os títulos:

O conceito de Universidade e o problema universitário no Brasil; e A unidade de formação de professores e a unidade de espírito, são encontradas as temáticas

diretamente relacionadas à pesquisa realizada. Ambos os tópicos discutem e criticam a prática universitária e a falta de formação/qualificação dos professores e, respectivamente, reportam:

A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas em nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas (AZEvEDO, 1932, p. 198-199).

A maior parte dele, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, [...]. O magistério primário, preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e, as vezes misto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades (AZEvEDO, 1932, p.199).

Ressalto, conforme reportamos aos que se dedicam ao estudo da História da Educação, que o Manifesto dos Pioneiros não resultou de um ato isolado, mas de processos/movimentos sociais iniciados em anos anteriores por outras personalidades, também motivadas e desejosas de (re)construir a nação, porém,

não lograram êxito em suas ações. Nessa perspectiva, Damis (2006), em uma análise sobre a formação pedagógica dos professores, citou um trecho da exposição de motivos apresentada pelo ministro Francisco Campos (1931), referente à reforma do ensino secundário, disponibilizada no 1º Boletim do Ministério da Educação e da Saúde Pública (1931), que está abaixo transcrito:

[...] o Brasil não cuidou ainda de formar o professorado secundário, deixando a educação de sua juventude entregue ao acaso da improvisação e da virtuosidade, sendo inacreditável que nenhum esforço haja sido tentado naquela direção (DAMIS apud, 2006, p.101).44

Entretanto, o defendemos como um documento-chave para as primeiras preocupações e ações voltadas para a organização do sistema educacional brasileiro, e por que não dizer, da formação dos profissionais da educação em nível superior, a exemplo da formação de professores, a ser abordada no próximo ponto.