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Espécies de sociedades empresariais no direito brasileiro

CAPÍTULO III: INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO E OS GRUPOS

3.5 Classificações das pessoas jurídicas

3.5.1 Apontamentos sobre sociedades empresárias

3.5.1.1 Espécies de sociedades empresariais no direito brasileiro

Antes de adentrar neste tópico, cumpre salientar que não há a intenção de detalhar os aspectos societários, sendo o único objetivo desta abordagem das espécies de sociedades empresariais deixar claro o modo como se dá a questão da responsabilidade dos sócios pelas dividas da pessoa jurídica. Esse fator mostrar-se-á relevante quando da análise dos grupos econômicos que, conforme se verá, poderão conter várias das espécies aqui mencionadas.

O direito positivo brasileiro garante ampla discricionariedade na escolha da formatação empresarial que os membros podem dar para suas empreitadas. O sistema jurídico, porém, não dá aos sujeitos um cheque em branco, encarregando-se a legislação de impor formas e regimes jurídicos às espécies previstas que ganham personalidade com seu registro59.

Aliás, deve-se dizer que o Código Civil, mesmo prevendo a necessidade do registro para que haja a personificação da sociedade, dispõe sobre as sociedades em comum (art. 986 a 990), englobando em seu conceito tanto as sociedades irregulares, que possuem atos constitutivos não registrados em órgão

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Interessante que se diga que o já citado art. 45 do Código Civil diz claramente que “Começa a

existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no

respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Perceba-se que a parte da letra da lei destacada demonstra o conhecimento do legislador de que existem sociedades empresárias que estão à margem do Direito, ou seja, possuem uma existência que por ele não é reconhecida, somente entrando no mundo jurídico quando feito o registro.

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competente, quanto as denominadas sociedades de fato, que nem sequer possuem um documento de constituição formalizado, mesmo diante de sua realidade no mundo social.

Assim, portanto, estas espécies não gozariam, em princípio, dos direitos inerentes a personalidade, e, consequentemente, a responsabilidade pelas dívidas societárias será dos seus sócios e de seus patrimônios de forma ilimitada.

As sociedades em conta de participação, mencionadas entre os art. 991 e 996 do Código Civil, contam com dois tipos de sócio: os ostensivos e os participantes. Aqueles, respondem pela sociedade, assumem o risco empresarial e a administração. Estes, respondem meramente ao sócio ostensivo nos termos contratados. Nesse tipo de sociedade tampouco há registro formal, mas a responsabilidade perante terceiros é somente do sócio ostensivo, que responde de forma ilimitada.

Percebe-se que esses dois tipos de sociedade não são atrativos para o empresário, justamente por não haver garantia de que seu patrimônio pessoal não será afetado pela aventura empresarial. Ainda assim, as sociedades comuns respondem por uma grande parcela das sociedades empresárias, o que pode ser explicado por um sistema extremamente burocrático na criação e manutenção da atividade empresária no Brasil, com gastos com escrituração de contabilidade, pagamento de tributos e cumprimento de obrigações acessórias que inibem a regularização dessas sociedades. A formalização acaba restringindo-se a quem possua melhores condições de estruturar um negócio.

Desse modo, as sociedades formais, ou seja, aquelas que se encontram registradas, portanto existindo para o Direito, gozando dos atributos típicos da personalidade, são: as sociedades simples, sociedades em nome coletivo, sociedades em comandita simples, sociedades limitadas, sociedades anônimas, sociedades em comandita por ações e as sociedades cooperativas.

Sociedade simples é aquela que não possui caráter empresarial, explorando atividades de prestação de serviços decorrentes de atividades intelectuais. A atividade à qual se dedique a empreitada é exercida pelo sócio, que responde, em regra, subsidiariamente pelas obrigações da sociedade, salvo se

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exista cláusula de solidariedade. Assim, somente com a insolvência da sociedade simples, o credor poderá valer-se dos bens e direitos dos sócios.

Como o próprio nome entrega, a simplicidade é uma de suas características, possuindo importância no cenário empresarial brasileiro, de tal sorte que, mesmo não tendo caráter empresarial, não é incomum que se veja a sociedade simples figurando em fraudes tributárias que envolvam formação de grupos econômicos.

As sociedades em nome coletivo (art. 1.039 a 1.044 do Código Civil), podem ser empresarias ou não, a depender do tipo de atividade que desenvolvam. Entre os sócios pode haver divisão de responsabilidade, que, todavia, não é imponível a terceiros, o que faz com que, para eles, aquela seja ilimitada e solidária.

As sociedades em comandita simples são semelhantes as anteriores, porém com a particularidade de existirem dois tipos de sócios: os comanditados, responsáveis pela gestão, e os comanditários, que geralmente são investidores que não podem exercer cargos de administração. Os primeiros respondem solidária e ilimitadamente, enquanto os segundos têm sua responsabilidade restringida ao valor de suas quotas.

Pela ordem de disposição do Código Civil, chega-se às sociedades limitadas. Pode-se dizer que as atividades econômicas de alguma expressão são exploradas por sociedades anônimas ou limitadas. Esta última formatação empresarial é sem dúvida a mais numerosa no ordenamento jurídico nacional, sendo, consequentemente, a grande massa de contribuintes e devedores tributários. Estão reguladas entre os artigos 1.052 e 1086 da Lei Civil, aplicando-se subsidiariamente, dependendo do ato constitutivo, regras das sociedades simples ou das sociedades anônimas.

A responsabilidade desse tipo empresarial já se desenha no seu próprio nome e está delimitada no art. 1.052 do Código Civil, determinando que “na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Ou seja, o patrimônio do sócio não se comunica com eventuais débitos da empresa,

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não havendo responsabilidade deste sobre obrigações empresariais. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho60:

A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo a regra é a da irresponsabilidade dos sócios das sociedades limitadas pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem, no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade.

A administração de uma sociedade limitada poderá ser exercida tanto por membros como por pessoa estranha ao quadro societário contratado para este fim, havendo, entretanto, uma série de decisões que necessariamente devem ser tomadas em assembleia pelos sócios, cujo rol exemplificativo consta no art. 1.071 do Código Civil.

Nesse diapasão, para fins de apuração de responsabilidade decorrente de ato ilícito, é necessário verificar o processo que culminou com a decisão que deu origem à prática ilegal, para que se determine quem é verdadeiramente responsável pelo ato em nome da sociedade.

Esse tipo de sociedade empresária é responsável pela formação da maior parte dos grupos econômicos, pois, além de ter fiscalização menos rigorosa que as sociedades anônimas, tem organização menos burocrática e a limitação de responsabilidade atende aos anseios de quem pretende se aventurar no universo empresarial.

Inclusive, a busca pela proteção de que goza a pessoa jurídica formalmente organizada levou recentemente à criação das já citadas Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada – Eireli, que seguem basicamente o mesmo regime jurídico da sociedade limitada.

Equiparadas às sociedades limitadas em questão de importância no mercado brasileiro, não pela quantidade, mas pelo vulto de suas atividades e da

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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 434.

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repercussão financeira que são capazes de mobilizar, estão as sociedades anônimas, também conhecidas como companhias. Esse tipo societário empresarial encontra-se regulado pelos arts. 1.088 e 1.089 do Código Civil e, especificamente, pela Lei Ordinária n.º 6.404/76, também conhecida como Lei das Sociedades Anônimas (LSA).

Essa subespécie de sociedade empresarial ainda pode ocorrer de dois modos: com capital aberto e fechado.

As sociedades anônimas de capital fechado são sociedades pequenas, com número restrito de acionistas, devendo a soma de seus patrimônios ser menor do que o estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários para o registro das companhias de capital aberto. A característica que a diferencia desta espécie é que suas ações não podem ser negociadas no mercado. A sociedade, nesse caso, é constituída por sócios que escolhem outros sócios. Isso significa restrição na aceitação de novos sócios dentro do grupo já formado. A subscrição particular da empresa representa menor liquidez nos investimentos.

A companhia de capital aberto, por outro lado, é assim classificada quando seus valores mobiliários são devidamente registrados na Comissão de Valores Mobiliários para negociação na bolsa de valores ou no mercado de balcão. Ou seja, seu capital social é formado por ações negociadas sem o uso de escrituração pública de propriedade. Os investimentos em sociedades anônimas de capital aberto acontecem quando o empreendedor objetiva um grande retorno, ou seja, é necessário juntar uma grande quantidade de recursos com os sócios. A maior vantagem dessa sociedade é a liquidez que o capital adquire, pois, no caso de venda de ações, ela se concretiza rapidamente por causa da eventual boa reputação da empresa.

Esses investimentos são fiscalizados rigorosamente pelo Estado, o que garante segurança e confiabilidade aos negócios para quem investe. Normalmente há uma série de processos decisórios que devem ser observados pelos órgãos administrativos, dentre os quais se destacam o Conselho de Administração e a Diretoria, além do órgão consultivo denominado Conselho Fiscal.

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Na prática, a análise dos processos decisórios é fundamental para se aferir a possibilidade de responsabilização dos seus administradores, tendo em vista que a regra para esse tipo empresarial é somente responder o sócio ou acionista pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir, nos termos do art. 1.088 do Código Civil.

Maria Rita Ferragut61, traz importante lição quanto à responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas:

Agindo o administrador dentro do que estabelece o estatuto social e a lei, não haverá responsabilidade pessoal. Entretanto, para aquele que age com culpa ou dolo, infração à lei ou ao estatuto social, causando prejuízos à sociedade e a terceiros, a responsabilidade é pessoal, conforme previsto no artigo 158, I, da Lei das Sociedades por Ações, in verbis: “O administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar quando proceder, dentro de suas atribuições e poder, com culpa ou dolo”.

O Código Civil ainda fala de outros tipos societários, as comanditas por ações, cuja responsabilidade de seus diretores é subsidiária, porém ilimitada, e as sociedades cooperativas, que, por força do disposto no art. 982 da Lei Civil, são sociedades simples, formadas exclusivamente por pessoas que se obrigam em torno do exercício de uma atividade econômica sem objetivo de lucro, mas no interesse comum de todos os cooperados. Nesse tipo, a responsabilidade pode ser limitada ou ilimitada de acordo com seu ato constitutivo.

Percebe-se, por este rápido apanhado, que no direito brasileiro há uma regra basilar que se replica em todas as espécies societárias personificadas, em que se distingue o patrimônio das pessoas jurídicas do patrimônio dos seus sócios, pessoas físicas ou jurídicas, honrando o princípio da autonomia.

Fábio Ulhoa Coelho explica que “poucas pessoas – ou nenhuma – dedicar-se iam a organizar novas empresas se o insucesso da atividade pudesse redundar a perda de todo o patrimônio, amealhado ao longo de anos de trabalho e

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FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 20/21.

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investimentos, de uma ou mais gerações”62 e por isso é tão importante que, na busca pela responsabilização, não se transponham os limites legalmente criados para barrar a confusão entre o patrimônio do ente moral e o daquele que o compõem.

Se a organização de sociedades formais cresce com as garantias que lhes são dadas pelos direitos de personalidade, um fenômeno inverso pode ser notado quanto à formação dos grupos econômicos. Neste processo, os empresários buscam a maior liberdade que é oferecida pela falta de legislação específica, blindando seu patrimônio da responsabilidade de outras empresas.