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CAPÍTULO II: SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

2.4 Princípios constitucionais

2.4.2 Princípio da legalidade

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delinear o conjunto das alternativas postas ao legislador para a definição do critério pessoal passivo do tributo.

Dessa forma, não se pode negar a importância das normas de competência para o Direito Tributário, particularmente se levar-se em conta o modelo federativo do Estado brasileiro, em que os entes políticos estão rigidamente subordinados à Constituição da República, o que implica o princípio que se analisará em seguida.

2.4.2 Princípio da legalidade

Os Estados Democráticos de Direito contemporâneos baseiam-se fundamentalmente no princípio da legalidade. Isso porque, depois da revolução francesa e da revolução que culminou com a independência dos Estados Unidos, os cidadãos passaram a pressionar os governantes por uma legislação sólida, que demarcasse de forma clara os direitos e garantias individuais.

Vale dizer ainda que o estopim de ambas as revoluções acima citadas foram pressões estatais para ampliar a arrecadação, ou seja, tiveram motivos de cunho tributário. Na França, a Corte falida de Luís XVI resolveu criar um novo imposto, pressionando mais ainda o Terceiro Estado (a população em geral, que não era do Clero ou da Nobreza) e, nas Treze Colônias, que dariam origem aos Estados Unidos, a metrópole, a Inglaterra, resolveu criar impostos sobre selos e chá, levando os colonos a se revoltarem.

Dessa forma, nos novos regimes sociais que surgiram com essas revoluções, e cujos ecos reverberaram em muitos outros cantos do mundo, fazia-se necessário conferir maior segurança à sociedade, com constituições e leis que não pudessem ser alteradas ao bel prazer da política, e esse sentimento se expressa no princípio da legalidade.

Esse princípio, que se projeta sobre todos os domínios jurídicos, no Brasil, pode ser encontrado em todas as suas constituições pretéritas. No atual sistema constitucional brasileiro, encontra-se positivado de forma genérica no art. 5°,

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inciso II, da Lei Maior que declara que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Esse princípio garante ao particular a liberdade de fazer tudo aquilo que não se encontra proibido em lei (livre iniciativa), aplicando-se à Administração Pública, de certa forma, às avessas: a ela, só cabe fazer aquilo que a lei determina. Esse imperativo encontra-se no art. 37 da Constituição da República.

Há mais: quanto ao Fisco, o princípio toma cores mais fortes, sendo chamado de princípio da estrita legalidade, que se encontra positivado no art. 150, inciso I, do Texto Constitucional, acrescentando rigores procedimentais em matéria tributária, já que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Ou seja, a lei deve carregar elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional e é isso que caracteriza a tipicidade tributária.

Toda a pessoa política de direito constitucional interno somente

poderá impor obrigações aos particulares mediante expedição de lei. Cumpre

ressaltar que essa regra é válida tanto para o legislador das normas gerais e abstratas, quanto para administrador público, juiz e todos a quem incumba cumprir ou fazer cumprir a lei. No desempenho das respectivas funções, todos aqueles vinculados ao funcionalismo público devem obediência ao mandamento constitucional. Qualquer tipo de imposição que se pretenda instituir há de curvar-se aos ditames desse primado, conquista secular dos povos civilizados, permanecendo como barreira intransponível para os apetites arrecadatórios do Estado.

2.4.2.1 Limitações ao poder de tributar: tipicidade tributária

Percebe-se facilmente que o princípio da legalidade pode ser analisado por alguns aspectos. Primeiramente, os tributos só podem ser criados por meio de lei formal, cuja competência será do Poder Legislativo da pessoa jurídica de direito público interno a quem couber a exação, e, num segundo momento, por ser um Estado de Direito, as intervenções estatais nas esferas de liberdade e

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propriedade dos cidadãos necessitam de leis que as autorizem, ou seja, se encontram sob reserva legal, que também obedecem a regras. Destaca Alberto Xavier35:

É que a noção de Estado de Direito, pelo menos, na sua formulação original, reveste um duplo sentido, material e formal: o conteúdo material do Estado de Direito está na afirmação de que a finalidade essencial do Estado consiste na realização da justiça, concebida, sobretudo, com uma rigorosa delimitação da livre esfera dos cidadãos, em ordem a prevenir o arbítrio do poder e a dar, assim, a maior expressão possível à segurança jurídica; o aspecto formal do Estado de Direito, por seu turno, envolve basicamente a ideia de que, na realização dos seus fins, o Estado deve exclusivamente utilizar as formas jurídicas, de que sobressai a lei formal. Por outras palavras: o Estado de Direito foi, ao menos inicialmente, concebido como aquele que tem por fim o Direito e atua segundo o Direito; isto é, aquele que tem a justiça por fim e a lei como meio da sua realização.

Como limites a essas regras que atuam nas esferas privadas das vidas dos administrados, têm-se os direitos e garantias fundamentais e, além deles, regras gerais sobre espécies normativas e suas formas de introdução no sistema jurídico.

Especificamente quanto ao Direito Tributário, a Constituição da República traz várias regras para elaboração de normas a partir do art. 145: são indicadas as espécies de tributos, competências (ou incompetências) para instituí-los e limitações especiais para cada um deles.

Isto conduz à tipicidade tributária, que significa a exata adequação do fato à norma, e, por isso mesmo, o surgimento da obrigação se condicionará ao evento da subsunção, que é a plena correspondência entre o fato jurídico tributário e a hipótese de incidência, fazendo surgir a obrigação correspondente, nos exatos termos previstos em lei, ou seja, quem deve, a quem se deve, o que se deve, quanto se deve e aspectos materiais que provocarão seu nascimento.

Pelo escopo que o presente trabalho pretende, cumpre uma melhor análise sobre a questão da escolha do “quem deve”; aquele que deverá ser o polo passivo da obrigação tributária, verificando se há alguma limitação na eleição desse

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XAVIER, Alberto. Os Princípios da legalidade e tipicidade na tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 08.

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sujeito, ou se o Estado encontra-se livre para indicar qualquer pessoa física ou jurídica.

Tendo em vista a minuciosidade dada pelo legislador constituinte ao tratar do poder de tributar, a análise dessa eventual limitação quanto à sujeição passiva deve, por óbvio, começar pela leitura do texto constitucional. Nessa toada, verifica-se que já existem um série de definições sobre o tema que poderão ensejar a imposição tributária, como os arts. 153, 155 e 156 da Constituição da República. De outra banda, há também uma certa discricionariedade permitida ao legislador infraconstitucional, como se percebe da leitura de artigos como o 48, 149 ou 154.

Sendo assim, faz-se necessária uma leitura sistemática do texto constitucional, levando-se em conta inúmeros fatores, como por exemplo, as regras de estrutura tratadas anteriormente, que estabelecem o modo como devem ser feitas as inovações na matéria, bem como pondo em conta todos os princípios e valores expressivos para a seara tributária.

Isso porque o Código Tributário Nacional, aparentemente, ao abordar responsabilidade, autoriza que qualquer um possa ser colocado nessa posição, desde que por meio de lei. Todavia, no mesmo diploma há freios para essa afirmativa, já que a redação do art. 128 limita esse poder, quando dispõe que somente pessoa vinculada ao fato gerador poderá ocupar o lugar de responsável.

Tal fato se deve, em parte, à vinculabilidade da tributação, recortada do Texto Supremo e inserida no art. 142 do Código Tributário Nacional, a qual traduz uma conquista no campo da segurança dos administrados em face dos poderes do Estado, de tal forma que o exercício da administração tributária encontra-se

tolhido, em quaisquer de seus movimentos, pela necessidade de aderência total aos termos inequívocos da lei, não podendo abrigar qualquer resíduo de

subjetividade própria dos atos de competência discricionária.

O regramento constitucional não permite a fixação arbitrária da sujeição passiva, sob pena de violação de inúmeros direitos e garantias elencados em cláusulas pétreas, o que iria na contramão da história, pondo por terra as vitórias conseguidas pela sociedade, quanto aos seus direitos à propriedade privada e ao não-confisco. Seria, principalmente, uma mácula ao princípio da legalidade, já que é

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totalmente irrazoável uma tributação que não tenha parâmetros para escolha do sujeito passivo.

Há de se convir que aquele que ocupe o polo passivo de uma obrigação tributária tenha efetivamente algum vínculo (direto ou indireto) com o ato ou fato jurídico que a originou, ou, ao menos, condições de se ressarcir ou evitar a formação do débito, pela vedação de tributação com efeitos de confisco, afinal pagar tributo sem ter nenhuma relação com o fato gerador significa permitir ao Estado perseguir de forma arbitrária os bens particulares.

Alberto Xavier36 conclui, portanto, que a Constituição da República fixa um núcleo essencial das hipóteses de incidência no tocante aos tributos nela elencados, o que, de modo geral, torna implícitos a base de cálculo e o sujeito passivo:

Com esta descrição do núcleo essencial dos tipos tributários a Constituição desempenha uma dupla função: uma função horizontal de repartição de competências tributárias entre os entes políticos integrantes da Federação, atribuindo a cada um o poder de tributar certas classes de fatos geradores; e uma função vertical, garantística, dirigida aos cidadãos, pela qual se estabelece um catálogo seletivo das manifestações de capacidade contributiva potencialmente sujeitas à tributação, fora do qual o poder tributário não pode ser exercido.

Assim, quando a Constituição trata, no art. 146, inciso, III, alínea “a”, da “definição de tributos e de suas espécies (...) dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes”, ou na alínea “b”, que trata sobre obrigações, deve o legislador entender que sua atividade encontra-se pautada, muitas vezes, em determinar conotação e denotação dos conteúdos semânticos dos conceitos constitucionais, explicitando o que esteja implícito e conformando o que está autorizado, lembrando-se sempre que o Direito Tributário, assim como o Penal, é informado pela tipicidade.

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XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 23.

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2.4.3 Princípio da capacidade contributiva e a vedação à tributação com efeito