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Limites na escolha do sujeito passivo e sua implicação na

CAPÍTULO IV: RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA

4.6 Sujeição passiva na obrigação tributária

4.6.1 Limites na escolha do sujeito passivo e sua implicação na

opções que o legislador possui para imputar a alguém a obrigação de pagar tributo, podendo fazê-lo tanto contra quem possuir “relação pessoal e direta” com a situação que constitua o respectivo fato gerador (contribuinte), tanto contra outro sujeito de direitos, desde que por “disposição expressa de lei” (terceiro responsável).

Quanto a isto, cabe uma ressalva: de certa forma, a expressão usada para definir o responsável tributário no inciso II do art. 121 do Código Tributário Nacional – “disposição expressa de lei” –, torna-se sem sentido, já que toda e qualquer obrigação tributária deve ter seus contornos expressamente definidos por lei, em honra ao princípio da estrita legalidade, art. 150, inciso I, da Constituição da República, já estudado.

O que se deve interpretar desse dispositivo é que ao legislador não se está dando uma carta branca para indicar sobre quem deve recair o ônus de pagar tributo, mas que ele deverá observar certos limites. Torna-se interessante demonstrar esses limites com a figura do destinatário constitucional do ônus tributário, bem como todos os requisitos que existem para a introdução de comandos no sistema do direito.

4.6.1 Limites na escolha do sujeito passivo e sua implicação na responsabilidade tributária

Como já se mencionou acima, a Constituição da República não é silente quanto ao contribuinte. Todavia, ela tampouco esgota o tema, deixando ao

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ente público competente pela instituição do tributo certa independência em sua eleição, como exemplifica Maria Rita Ferragut101:

Tome-se como exemplo o ITBI: o artigo 156, II, da Constituição, não estabelece quem deva ser contemplado pela lei como contribuinte, vale dizer, se o alienante do bem imóvel ou o adquirente. A Carta Magna prevê apenas a materialidade passível de tributação, e a competência dos Municípios para tributá-la.

Pode-se com isso, aparentemente, acreditar que inexiste comando constitucional indicativo de quem será o contribuinte nessa relação jurídica tributária, deixando-se livre o legislador infraconstitucional.

Porém, ainda fazendo uso do exemplo acima citado, vê-se que a própria autora esbarra nos limites constitucionais da sujeição passiva tributária, pois, ao mencionar “alienante” e “adquirente” como possíveis submissos às cobranças do Estado, o intérprete é condicionado a observar um grupo específico de pessoas, de acordo com a materialidade constitucional prescrita, ou seja, o destinatário constitucional tributário, demonstrando um vínculo entre esse e o fato gerador. Assim, partindo-se deste específico ponto de vista, é possível concordar com o posicionamento de que a escolha será do legislador infraconstitucional, ressalvando- se que esta não pode olvidar os limites impostos pela Constituição.

Verifica-se que a expressão “destinatário constitucional tributário” serve para demonstrar que, implicitamente, a Constituição da República, ao determinar a materialidade da hipótese de incidência de qualquer exação, deixa indícios dos sujeitos de direito que podem vir a ser eleitos como destinatários da carga tributária e que, quando propriamente escolhidos pelo legislador, serão os considerados como contribuintes. Quando o sujeito pagador for diferente do traçado constitucional, estar-se-á diante de um responsável.

Sobre o destinatário constitucional tributário, Marçal Justen Filho diz tratar-se da102:

101

FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 35.

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(...) categoria de pessoas que se encontram em relação com a situação prevista para inserir-se no núcleo da hipótese de incidência tributária e que são as pessoas sujeitáveis à condição de sujeito passivo tributário (ao menos, em princípio). O destinatário constitucional tributário é aquele que, em princípio, pode dizer- se como eleito constitucionalmente para vir sofrer a sujeição passiva tributária.

Em essência, o destinatário constitucional tributário seria aquela pessoa cuja riqueza é resumida através da situação prevista na Constituição para compor a materialidade da hipótese de incidência tributária.

O doutrinador explica que o destinatário constitucional tributário é o eleito pela Lei Maior para ser o sujeito passivo da obrigação tributária através de sua manifestação de riqueza. Frise-se que ele deixa aberta a possibilidade desse sujeito não sofrer a sujeição passiva, ao dizer que ele será “em princípio” quem se submete ao ônus fiscal.

Interpretando-se a Constituição, existem elementos que fornecem informações sobre a amplitude da liberdade que o legislador infraconstitucional poderá dispor, tanto materialmente como formalmente. Paulo de Barros Carvalho103,

discorrendo sobre o tema, informa que:

A Constituição Federal não aponta quem deva ser o sujeito passivo das exações cuja competência legislativa faculta às pessoas políticas. Invariavelmente, o constituinte alude a um evento, deixando a cargo do legislador ordinário, que deverá girar em torno daquela referência constitucional, mas, além disso, escolher o sujeito que arcará com o peso da incidência fiscal, fazendo as vezes de devedor da prestação tributária.

Mesmo afirmando categoricamente que a Carta Magna não aponta quem é o sujeito passivo, o jurista paulista deixa claro que o legislador ordinário 102

JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 263. Destaques acrescidos.

103

CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 632. Grifou-se.

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deverá guiar seu processo legislativo “em torno daquela referência constitucional”, ou seja, orientando-se pelos dados já fornecidos pela Constituição da República. Nesse sentido, leciona Roque Carrazza104 que:

É certo que a Constituição não indica, de modo expresso, o sujeito passivo de nenhum tributo. Todavia, sinaliza quem, ocorrido o fato imponível, poderá ser compelido a ocupar esta posição: a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência tributária.

A escolha, portanto, é do legislador infraconstitucional, que, peremptoriamente, deverá prestar homenagem aos contornos rigorosamente preestabelecidos no seio constitucional, como leciona Marçal Justen Filho105:

Sempre e necessariamente, haverá uma norma tributária instituindo o contribuinte. Ou seja, atribuirá a condição de sujeito passivo tributário ao ocupante da condição de titular do aspecto pessoal da hipótese de incidência tributária.

Será inconstitucional qualquer disposição que pretenda atribuir a condição de contribuinte a quem não seja o ‘destinatário constitucional tributário’ – ou seja, a pessoa envolvida na situação signo presuntiva de riqueza inserida na materialidade da hipótese de incidência tributária, por escolha da própria Constituição Federal.

Contribuinte, nesse caso, deverá ser necessariamente um dos possíveis sujeitos de direito da classe de destinatários constitucionais tributários, tendo liame com a situação que denote riqueza. Isso implica o vínculo de submissão que a atividade legislativa deve manter com o texto constitucional, inexistindo competência para tributar aquele que não possui capacidade contributiva, de acordo

104

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 477.

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com o sistema constitucional tributário, sob pena de utilizar a tributação para fins confiscatórios. Arremata Andréa Darzé106:

Especialmente no Brasil, a Carta Maior é extremamente analítica, definindo uma espécie de planta fundamental do sistema tributário, na qual está presente o conjunto de diretrizes para a criação de quase todas as normas nessa matéria. Se pensarmos nos efeitos da imposição tributária, tocando direitos e garantias individuais, sem olvidar de valores específicos, como os princípios da capacidade contributiva e da vedação à instituição de tributos com efeito de confisco, veremos que, apesar de existente, é muito tênue o espaço de manobra do legislador infraconstitucional para a escolha dos sujeitos passivos.

Nessa esteira, se ao legislador infraconstitucional não é dada carta branca para apontar qualquer pessoa como contribuinte, o que se dirá quando da instituição de regra que trate sobre responsabilidade tributária: o cuidado e as exigências para que esse procedimento seja feito em estrita legalidade torna-se mais complexo.

Afinal, o responsável tributário é o sujeito que não se reveste das condições de contribuinte, sendo definido pelo legislador como devedor do tributo sem ter realizado o fato gerador, unicamente figurando no polo passivo por disposição de lei, podendo ser um sucessor ou terceiro, responder solidária ou subsidiariamente ou ainda por substituição. Na lição de Regina Helena Costa107:

(...) na obrigação principal, o sujeito passivo direto ou contribuinte é o protagonista do fato ensejador do nascimento do vínculo; já o chamado sujeito passivo indireto ou responsável, terceiro em relação ao fato jurídico tributário, é o protagonista de relação jurídica distinta, uma vez que alcançado pela lei para satisfazer a prestação objeto da obrigação principal contraída por outrem em virtude da prática de ato ilícito (descumprimento de dever próprio), ou em função de disciplina assecuratória da satisfação do crédito tributário.

106

DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade tributária: solidariedade e subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010, p. 79.

107

COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário

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Como já se aventou, se para a demarcação do contribuinte a Constituição fornece informações básicas de como proceder adequadamente, quanto à responsabilização tributária também há a necessidade de identificar os limites impostos ao legislador em seu processo criativo de regras-matrizes próprias de responsabilidade.

Constitucionalmente, já se abordaram vários princípios que devem guiar a atividade legislativa, bem como a exigência de lei complementar108 e – importantíssimo – razoabilidade orientando a escolha do legislador do terceiro que virá a responder pelo ônus tributário, uma vez que há de se estar vinculado indiretamente ao fato gerador.

Quanto ao vínculo com o fato gerador, tal previsão encontra respaldo no art. 128 do Código Tributário Nacional, que é a disposição geral quando se trata de responsabilidade tributária:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Por este comando, em prestígio às limitações constitucionais já apontadas, inicialmente verifica-se o respeito ao princípio da legalidade tributária, já que a indicação do terceiro responsável pela prestação deverá ser efetuada mediante o necessário veículo legislativo (lei complementar). Há também limitação na escolha, ao se estatuir que o legislador não é livre para colocar no polo passivo aquele que esteja desvinculado indiretamente do fato descrito na hipótese de incidência, prestigiando-se a noção de razoabilidade.

Diante do exposto, considera-se que o legislador, no sistema tributário brasileiro, poderá determinar a sujeição passiva tributária somente nas seguintes hipóteses: (i) contribuinte, quando o sujeito tiver ligação pessoal e direta

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com o fato gerador que conste no antecedente da norma instituidora da obrigação e; (ii) responsável, quando se tratar de quem, mesmo sem ter essa relação pessoal e direta, de alguma forma vincular-se com algum elemento do fato jurídico tributário ou tenha condições de ressarcir ou evitar a formação do débito, a não ser quando se trate de infração (ilicitude da conduta). Nas palavras de Luciano Amaro109:

(...) o artigo 128 diz que a lei pode eleger terceiro como responsável, se ele estiver vinculado ao fato gerador. Por aí já se vê que não se pode responsabilizar qualquer terceiro, ainda que por norma legal expressa.

Porém, mais do que isso, deve-se dizer que também não é qualquer tipo de vínculo com o fato gerador que pode ensejar a responsabilidade de terceiros. Para isso ser possível, é necessário que a natureza do vínculo permita a esse terceiro, elegível como responsável, fazer com que o tributo seja recolhido sem onerar o seu próprio bolso.

Somente atendidos esses requisitos haverá uma estrutura de sujeição passiva tributária adequada ao sistema constitucional brasileiro, observando-se sempre as imposições constitucionais e infraconstitucionais.

A questão ganha relevo para o eixo temático deste trabalho a partir do momento em que se coloca em discussão a hipótese de que sociedades empresárias componentes de grupos econômicos venham a responder pelo adimplemento de obrigações tributárias contraídas por uma pessoa jurídica específica participante do agrupamento, pois, necessariamente, trabalha-se a possibilidade de indicação de novos responsáveis tributários para uma relação jurídica. Afinal, terceiros, cuja personalidade é autônoma em relação àquela de quem se cobra e que, em princípio, não praticaram o fato gerador, são chamadas a responder pelo débito.

Tal investigação, além de demandar respeito a todos os critérios já até aqui revelados, de cunho constitucional ou não, também se orienta por outras

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AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 338. Destaques do autor.

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diretrizes que serão mais bem exploradas, quanto a sua amplitude, limites e hipóteses no direito pátrio, no próximo capítulo.