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CAPÍTULO III: INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO E OS GRUPOS

3.6 Grupos econômicos

3.6.2 Tipos de grupos econômicos

As primeiras regras que tratam dos grupos econômicos de forma contundente, foram introduzidas no ordenamento pátrio com a Lei das Sociedades Anônimas. Nessa legislação, a nomenclatura utilizada é “grupo de sociedades”.

Sob essa alcunha, inclusive, foi nomeado o capítulo XXI da lei em comento, que regula, entre os artigos 265 e 277, o que se convencionou chamar de grupos de direito. Estes serão constituídos preenchendo-se os requisitos formais expressos nos artigos mencionados, ficando sujeitos a um regime jurídico específico, diferente da regra aplicável às sociedades empresárias.

Essa diferenciação se dá pela legitimação do poder de comandar conferido à “sociedade diretora” sobre as demais integrantes, subordinando o interesse destas ao do agrupamento.

A formação desse tipo de grupo se dá por meio de uma convenção específica, nos termos do art. 265 da Lei das Sociedades Anônimas, ou seja, é contratual.

Os grupos de direito são amplamente criticados pela doutrina, por requererem uma série de formalidades e exigências que não se coadunam com o objetivo de dinamicidade das relações entre as sociedades. Inclusive, pela leitura da Exposição de Motivos da Lei das Sociedades Anônimas, parece que o legislador já previa que essa constante mutação do mercado requereria um acompanhamento da legislação aos câmbios sociais, pois assim nela ficou consignado:

Os institutos novos para a prática brasileira – grupamento de sociedades, oferta pública de aquisição de controle, cisão de

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companhias e outros – estão disciplinados de forma mais simplificada para facilitar sua adoção, e no pressuposto de que venham a ser corrigidos se a prática indicar essa conveniência; as leis mercantis, sobretudo numa realidade de transformação, como é a do mundo moderno e especialmente a do Brasil, não podem pretender a perenidade têm necessariamente vida curta, e o legislador deverá estar atento a essa circunstância para não impedir o seu aperfeiçoamento, nem deixar em vigor as partes legislativas ressecadas pelo desuso.

Ora, o que se verifica é que efetivamente uma parte da lei ficou ressecada pelo desuso: por sua maior complexidade, os grupos de direito são praticamente inexpressíveis no cenário mercantil brasileiro. Em um estudo sobre o tema dos grupos societários sob a luz da Lei das Sociedades Anônimas, Viviane Muller Prado informa que menos de 30 grupos de direito foram registrados no Departamento Nacional de Registro de Empresas68. A própria autora explicita a causa que fulminou esse tipo de agrupamento:

Ao deliberar a formação dos grupos, os sócios ou acionistas minoritários têm direito de se retirar da sociedade, recebendo o valor das suas ações ou quotas (arts. 270, parágrafo único, 136, V, e 137, II). Com esta previsão do direito de recesso, o custo para a formação do grupo convencional equipara-se ao da realização das operações de fusão ou de incorporação.

A legitimação da unidade econômica do grupo não é suficiente para o empresário incorrer em tais despesas. Uma vez que a participação majoritária no capital da sociedade, sem base contratual, também proporciona o poder de controle sobre toda a empresa, sem o ônus de pagar aos minoritários o recesso, obviamente o empresário opta por não adotar a estrutura do grupo convencional.69

Frise-se ainda que o grupo de direito não é o único mecanismo nem muito menos a forma obrigatória de se agrupar. Assim, efetivamente não se crê que o empresário, dispondo de formas muito menos onerosas, venha a optar por este

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PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. São Paulo: Revista DireitoGV, v. 1, n. 2, p. 05/28, jun/dez, 2005, p. 13.

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PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. São Paulo: Revista DireitoGV, v. 1, n. 2, p. 05/28, jun/dez, 2005, p. 16.

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tipo de grupo econômico, já que, de acordo com a citação acima, a própria participação acionária já pode garantir o controle sobre outras empresas.

Aliás, este é o mote do segundo tipo de grupo econômico que tem previsão na Lei das Sociedades Anônima: os grupos de fato. Neles, o grupo surge pela mera participação societária, relações de dependência entre sociedades empresárias através de controle efetivo (controladas e controladoras) ou por coligação. Não é feito nenhum procedimento formal regulando o grupo, como há no modelo anterior em que existe a convenção, definindo-se o grupo por suas ligações interempresariais e pela finalidade de crescimento conjunto.

No agrupamento de fato não deve haver subordinação das sociedades componentes aos desígnios do controlador do grupo de maneira que uma das agregadas sofra perdas ou se prejudique, devendo haver uma coordenação entre as empresas na busca pela potencialização dos seus resultados. Com isto, a proteção aos acionistas não-controladores repousa unicamente sobre o preceito insculpido no art. 246 da Lei das Sociedades Anônimas, que trata do princípio indenitário por abuso de poder.

Todavia, é claro que se torna extremamente difícil, dentro dos grupos de fato, aferir se houve essa manipulação dos resultados das empresas componentes, se estas acordarem nesse sentido, desrespeitando a lei.

Arrebatando tudo o que foi dito, Calixto Salomão Filho70, enfatiza:

Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro enfrenta momento de séria crise. Do modelo original praticamente nada resta. Sepultadas pela prática ou pelo legislador, as principais regras conformadoras do direito grupal (grupo de direito) como originalmente idealizado não têm aplicação. Os grupos de direito são letra absolutamente morta na realidade empresarial brasileira, em função sobretudo da inexistência de definição de regras de responsabilidade e da possibilidade de retirada em massa dos minoritários da sociedade quando da celebração da convenção de grupo. Já o por assim dizer direito dos grupos de fato flutua entre regras de responsabilidade mal definidas e disciplina de conflito de interesses de difícil aplicação.

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COMPARATO, Fábio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle na sociedade

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Desse cenário conturbado, além dessas duas categorias, surgem os grupos não regulados, ou seja, agrupamentos societários que nem são de direito, já que não formalizam sua situação em uma convenção, nem tampouco podem se dizer de fato, já que prescindem de participações societárias entre si, não sendo obrigatoriamente coligadas ou controladas.

O que une essas sociedades em um grupo não são os preceitos da Lei das Sociedades Anônimas (daí chamá-los de não regulados), mas o fato de haver uma organização para obtenção de melhores resultados no mercado, ocorrendo a pluralidade societária e existindo unicidade de controle fático, ou seja, uma efetiva política grupal, sendo isto o bastante para configurar o grupo.

Atualmente o grupo não regulado é o tipo de grupo mais comum justamente pela enorme liberdade que confere ao empresariado, mas também é o que demanda maior esforço do hermeneuta, já que para sua constatação há uma exigência probatória mais rebuscada, tendo em vista inexistir vínculo direto entre as sociedades (convenção ou controle societário) que comprove facilmente a existência de um grupo.

Diga-se, por oportuno, que nada impede que dentro de um grupo não regulado possam existir sociedades empresárias que sejam coligadas ou controladas, o que pode ser bem representado pelo diagrama abaixo:

Frise-se que esta constatação possui implicações particulares quando se tratar de responsabilização.

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Isto porque, quanto mais ligada uma sociedade for a outra, mais esta responderá por aquela: imagine-se uma grande família, com vários graus de parentesco. Alguns apenas carregam o mesmo sobrenome, sem contudo se conhecerem, outros são parentes mais próximos, tios, primos, até chegar a irmãos, pais e mães. Da mesma forma se pode imaginar num grupo econômico não regulado.

Cabe ainda um aviso: quanto à nomenclatura utilizada por este estudo, esses grupos são chamados de não regulados, pois chamá-los de grupos de fato, genericamente como faz parte da doutrina71 e principalmente a jurisprudência, causa confusão com os grupos de fato mencionados antes e que se encontram na Lei das Sociedades Anônimas. Nestes, grupos de fato, a influência da sociedade empresária dominadora nas demais não se encontra formalizada em uma convenção registrada, entretanto se formaliza pelas ações, cotas ou qualquer outro tipo de participação que garantam sua influência. Naqueles, grupos não regulados, existe um controle que não está formalizado em convenção e tampouco em participação societária.

O nome escolhido também presta homenagem ao princípio da livre iniciativa: é sabido que não existe lei que proíba esse tipo de agrupamento, sendo lícito aos particulares a forma de associação que lhes convenha. Daí porque também não se pode chamá-lo de grupo ilícito.

Esta, aliás, é uma condição que pode ocorrer a qualquer tipo dos grupos citados que incorram em desrespeito a lei. A ilicitude não pode ser presumida como característica de um grupo não regulado, pelo simples fato de não haver normas específicas, bem como não se pode presumir que qualquer tipo de grupo econômico seja ilícito sem que se prove a ilicitude. Cabe ao jurista saber separar o joio do trigo, recorrendo a uma comprovação, por meio da linguagem das provas, de que houve um abuso de direito.

Por falar em ilicitude, estabelecidas as diferenças entre grupos econômicos de direito, de fato e os não regulados, há aqueles que agem de forma ilícita, ou seja, aqueles casos em que em verdade não existe um grupo, mas uma

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FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e os grupos

econômicos In CONRADO, Paulo Cesar. ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (coord). O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 19.

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simulação de grupo, “agindo como uma unidade nos benefícios e como entidades distintas nos malefícios”72.

Num grupo econômico, independente do tipo, onde várias pessoas jurídicas atuam de forma conjunta, reduzindo os riscos, repassando-os ao mercado, agindo como um agrupamento para se fortalecer diante da concorrência e como entidades distintas na hora da satisfação dos credores, pode-se dizer que existe um grupo ilícito e que deverá sofrer as consequências pelo mau uso do direito em benefício próprio.

Feito esse apanhado de conceitos de direito civil e empresarial, este estudo agora volta-se à análise das relações jurídico-tributárias.

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CAMELO, Bradson Tibério Luna. Solidariedade econômica e grupo econômico de fato. In: Revista Dialética do Direito Tributário, n.º 170, p. 22.

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