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Norma de conduta stricto sensu e norma de estrutura: importância do limite

CAPÍTULO II: SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

2.2 Norma de conduta stricto sensu e norma de estrutura: importância do limite

Dentro do sistema do direito existem inúmeros dispositivos que tratam do regramento de condutas intersubjetivas, bem como outras que se voltam mais para o modus operandi para a construção de outras unidades jurídicas.

De um modo geral, toda norma jurídica tem como objetivo a prescrição de condutas, o que pode tornar um pouco redundante o termo “regra de conduta”.

Geraldo Ataliba22 ensinava que “interessam dois tipos de normas jurídicas: a) as que impõem um comportamento e b) as que atribuem qualidade ou estado (indiretamente, impõem a todos o respeito a esta qualidade ou estado e às consequências normativas decorrentes desta definição)”. A doutrina, portanto, costuma dividir as regras jurídicas em dois grande grupos: normas de estrutura e normas de comportamento (ou de conduta em sentido estrito).

Norberto Bobbio explica que regras de conduta são tanto os dez mandamentos, quanto as regras de jogos de cartas ou xadrez, regulamentos de condomínio, bem como aquelas em uma Constituição ou as de Direito Internacional que buscam regular como um Estado deve se comportar perante o outro. É claro que essas regras são muito distintas pelos fins que almejam, pelo conteúdo que carregam, pelo tipo de obrigação que geram, pelo âmbito de suas validades e pelos

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sujeitos criadores e coordenados. Mas todas têm em comum um elemento característico que consiste na função diretiva de seus comandos, sendo “proposições que têm a finalidade de influenciar o comportamento dos indivíduos e dos grupos, de dirigir as ações dos indivíduos e dos grupos rumo a certos objetivos ao invés de rumo a outros”23. A diferença entre uma regra de conduta do pôquer e uma regra de conduta do Direito é a força coercitiva que esta possui; é o poder cogente que a norma jurídica tem de se impor à sociedade, regulando condutas intersubjetivas de acordo com os preceitos e fins almejados pelo Estado.

Um exemplo simples que pode ser citado para ilustrar uma norma jurídica de comportamento stricto sensu é a regra-matriz de incidência de qualquer tributo. Ela estará regulando a forma de agir entre Fisco (sujeito ativo) e contribuinte (sujeito passivo; relação intersubjetiva) determinando entre eles uma relação obrigacional (modal deôntica) onde o segundo deverá recolher aos cofres públicos uma quantia específica em dinheiro, devido à realização de um fato previamente prescrito em lei (hipótese de incidência com subsunção do fato praticado pelo sujeito passivo à norma preexistente).

A norma de estrutura, por seu turno, também se dirige para as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, os comportamentos relacionados à produção de novas unidades jurídicas. Elas dispõem sobre órgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema24.

Encontra-se a diferença entre uma norma especificamente de conduta e uma norma de estrutura, no fato de existirem regras que objetivam disciplinar a produção de outros comandos jurídicos, instituindo condições, fixando limites e prescrevendo modos que devem ser obedecidos na construção de outras regras, sendo por isso que as regras de estrutura também podem ser chamadas de regras de produção.

Isso porque, em sendo o Direito um sistema autopoiético, gerando a si mesmo, devem ficar claros os ditames que regem a criação de outros dispositivos,

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BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 5ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, p. 28. 24

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 187.

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para que não padeçam futuramente em embates quanto a sua permanência no sistema. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho25:

As regras de estrutura representam, para o sistema do direito positivo, o mesmo papel que as regras de gramática num idioma historicamente dado. Prescrevem estas últimas a forma de combinação dos vocábulos e das expressões para produzirmos orações, isto é, construções com sentido. À sua semelhança, as regras de estrutura determinam os órgãos do sistema e os expedientes formais necessários para que se editem normas jurídicas válidas no ordenamento, bem como o modo pelo qual serão elas alteradas e desconstituídas.

Entre essas normas que regulam a produção de outras, para o momento, citam-se normas de competência que constam no sistema constitucional tributário.

Tais normas delimitam o poder de tributar de cada um dos entes políticos de direito interno. Essa delimitação também decorre de princípios consagrados pelo modelo de organização de Estado escolhido pela República do Brasil: o federalismo. Além dele, outro princípio que orienta a Lei Maior é o princípio da legalidade, grande baluarte de qualquer Estado Democrático de Direito. Isso porque cada uma das pessoas políticas de direito interno possui na Constituição a demarcação dos tipos de exações tributárias que poderão instituir (repartindo tributos pelos entes federados), bem como as diretrizes de como fazê-lo (procedimento legal adequado).

Percebe-se, assim, que essas regras de competência, que delimitam o campo de ação de cada pessoa jurídica de direito público interno (União, Estado- membro, Distrito Federal e Município) e o modo como deverão ser feitas as leis são típicas normas de estrutura.

Como exemplo de norma de estrutura, citam-se as imunidades tributárias. As normas que contemplam hipóteses de imunidades caracterizam-se como normas de estrutura, pois não se reportam diretamente à conduta humana,

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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 188.

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dirigindo-se ao legislador da pessoa política de direito interno, delimitando seu campo impositivo.

Demonstra-se a grande importância das normas de produção no direito posto, pois nelas se encontram os preceitos de imunidade, que nada mais são do que limites ao poder de tributar do Estado. Explica Paulo de Barros Carvalho26:

As manifestações normativas que exprimem as imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competência das pessoas titulares de poder político, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferante. Chegamos até aqui com o propósito de reconhecer que espécie normativa é a figura da imunidade, e já sabemos tratar-se de regra que dispõe acerca da construção de outras regras. Além disso, salientamos que o espaço frequentado por tais normas é o patamar hierárquico da Constituição Federal, porquanto é lá que estão dispostas as linhas definidoras da competência tributária, no direito positivo brasileiro.

Verifica-se, com isso, que as regras de imunidade são como verdadeiras incompetências ao poder de tributar. Todavia, esse não é o único limite que a Carta Magna impõe aos desígnios arrecadatórios, sendo apenas um exemplo.

Existe, como bem frisou-se na citação acima, um subdomínio de sobrenormas e metaproposições prescritivas que devem ser obedecidas para que não se extrapole a competência tributária que foi estabelecida pela Lei Maior. O princípio da legalidade é uma delas.

Existem várias regras de estrutura na Constituição da República que dizem o caminho que o veículo introdutor de norma jurídica deve percorrer para poder ser considerado apto a entrar no sistema.

Na “Seção I - Dos Princípios Gerais” no “Capítulo I – Do Sistema Tributário Nacional”, encontra-se o artigo 146, III, da Constituição da República, cuja redação é:

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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 236. Grifou-se.

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Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (grifos acrescidos)

A regra posta nesse comando legal, como pode ser claramente percebido, veicula uma norma de estrutura, ou seja, uma regra que determina o procedimento adequado para a produção de outra unidade deôntico-jurídica que: (a) estabeleça uma definição do que seja – dentre outras coisas – contribuinte em matéria que envolva tributação; e (b) outros tipos de obrigações tributárias que possam surgir.

Em outras palavras: tão somente uma lei complementar poderá

tratar de assuntos que inovem quanto à sujeição passiva tributária e a matérias que envolvam criação de novas formas de obrigação tributária. Assim

como as regras de competência declaram a quem compete estabelecer um tributo, também na Carta Magna há dispositivos que relatam qual tipo de veículo introdutor é competente para tratar de certas matérias. Desrespeitar esses comandos estruturais constitucionais é um atentado ao princípio da legalidade.

Este tópico é de fundamental importância para o entendimento de diversas questões que surgirão no curso desta dissertação, merecendo que se mantenha na memória.