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CAPÍTULO V – CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA NA

3. Percepção e perspectivas sobre comunicação pública na EBC

3.4 Espaço de diálogo e interação com cidadãos

Os entrevistados responderam sobre sua percepção a respeito da existência ou não de espaços de interação com cidadãos. O Manual de Jornalismo da EBC (2013) diz que a empresa deve “se submeter” ao interesse público, tendo foco no cidadão e valorizando o “foco do cidadão”. Segundo o documento, tais vetores “influenciam, impactam e definem o conteúdo do jornalismo da EBC” (p. 27-8). Para tal, imaginamos que, a exemplo do que aprendemos a partir do debate sobre as possibilidades e limites da experiência do civic journalism (como tratado por BORGES, 2009; ROTHBERG, 2011; FELTRIN, 2018), seria necessário criar métodos e

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Os relatórios não chegam mais, ou mudaram demasiadamente na gestão atual Críticas da Ouvidoria melhoram a qualidade do trabalho

Os relatórios ajudam na argumentação com as chefias Os relatórios não são levados em conta pelas chefias A Ouvidoria nunca influenciou minha vida na EBC Não menciona / não respondeu Os relatórios não são levados em conta pelos

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orquestrar uma série de instrumentos que não são comuns nas redações jornalísticas, e que permitissem a permeabilidade, na EBC, da influência esperada pela ação de pessoas que estão fora, não só de seu quadro institucional, mas de seu campo. Voltando a Bourdieu (2010), um campo tem uma série de especificidades, e legitima-se, também, por meio delas e da defesa da exclusividade do trabalho especializado dentro dele, no caso, do trabalho dos jornalistas. Sete entrevistados perceberam a Ouvidoria como órgão que cumpre (ou cumpria até a gestão de Joseti Marques) este papel de mediação com o cidadão, mesmo que de forma incompleta – acreditavam, por exemplo, que a Ouvidoria era pouco conhecida pelos cidadãos, e que há dificuldade no acesso ao órgão. No mais, as opiniões foram bastante pulverizadas, mas a interpretação geral aponta para a falta de espaços institucionais que garantissem a interlocução com os cidadãos. Também não há, segundo os entrevistados, uma direção concreta sobre o que esta interação significaria: um espaço para receber e veicular conteúdos do leitor/ouvinte/telespectador; para receber suas críticas e indicações sobre a programação; para acolher sugestões de pauta ou para realizar pautas de modo coletivo, etc. Todos esses aspectos surgiram na conversa com este grupo de jornalistas como possibilidades, na percepção deles. Nenhuma era realizada, ou plenamente realizada pela EBC, na perspectiva dos entrevistados. Um terço (5) desses jornalistas ponderou que o nível de interação variava bastante conforme a natureza do veículo. Argumentaram, por experiência própria ou por ouvir relatos neste sentido, que as rádios são veículos mais propensos à participação do público e têm programas que a estimulam. No entanto, uma das entrevistadas (com passagem pelo radiojornalismo), registrou que a grande participação observada nas rádios, especialmente nas emissoras que falam para a Amazônia, refere-se a programas de variedades e não se repetem, nem são estimuladas, no radiojornalismo.

Três dos jornalistas entrevistados disseram entender que, apesar de não considerarem haver espaços institucionais de interlocução com o público, esta eventualmente se dá diretamente entre fontes e redações/jornalistas o que, no meu entender, não é exclusividade da EBC ou da comunicação pública. Um desses jornalistas pondera que, nesses casos, trata-se com muito maior frequência de fontes especializadas (assessorias de imprensa) que prestam serviço para certas causas e movimentos sociais e, segundo esse relato, procuram os profissionais da empresa por verem na EBC um espaço com alguma permeabilidade para as demandas desses segmentos da sociedade – o que seria um diferencial com relação aos veículos estatais e privados.

Quatro entrevistados relataram experiências pontuais de certos setores, notadamente o Portal da EBC (mas não apenas), na interlocução com o público. As experiências do Portal da

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EBC se devem às próprias características dos veículos online, que suscitariam maior interação. Porém são rememoradas experiências também muito pontuais, como a realização de oficinas com públicos específicos (como estudantes de jornalismo) para produção de material que seria posteriormente publicado nos veículos da EBC.

Dois entrevistados observaram que as mudanças relacionadas ao formato da programação promovida depois de 2016, com redução do jornalismo local, afastariam ainda mais a EBC dos cidadãos. Isso pelo entendimento de que é no jornalismo local que estaria o interesse mais direto dos usuários em participar dos veículos.

Um trabalhador disse que não há diálogo ou interação de qualquer tipo com o público e outro não fez menção ao tema. A seguir, destaco trechos ilustrativos desse ponto:

Muda dependendo do veículo, tem mais proximidade de lugares mais longínquos (Entrevista 1). É aquela coisa, o cidadão pode pautar os veículos? Pode. Pode usar a Ouvidoria. Mas não há estímulo para isso em tudo, no geral (Entrevista 2).

Poderia muito, mas a gente não tem uma relação com o público. (...) Qualquer veículo local conta muito com as sugestões das pessoas, se você for um veículo com penetração naquela cidade pode ter certeza que vai conseguir sugestão de pauta, as pessoas vão mandar vídeo, coisa que viram na rua, vão te procurar pra fazer uma reclamação (Entrevista 3).

a gente recebe na redação sugestões de pauta. Algumas de comunidades, de pessoas que se interessam e ligam. Mas não é na maioria das vezes o cidadão comum. Na maioria das vezes é assessoria, entidades da sociedade civil, e algumas críticas eventualmente chegam por telefone (Entrevista 4).

Os princípios públicos básicos da empresa meio que desmoronaram, não tem mais participação (Entrevista 5).

É muito distante, a coisa do contato com cidadão acontece com os locais, onde o público se sentia mais aberto, tinha canal de whatsapp, pautas tinham maior urgência de apuração. Sem jornal local não tem isso (Entrevista 9).

Acho que devia ter outros canais [para participação dos cidadãos]. Eu recebi uma ou duas vezes apontamento do público sobre meu trabalho que chegou na Ouvidoria, um pedido de explicação de algo que não ficou claro, (...) Mas acho que isso é muito pouco, geralmente, o que eu percebi esta aproximação era sempre questionando ou pedindo esclarecimento, não tem um feedback positivo, de que o leitor gostou da matéria (Entrevista 14).

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Gráfico 11 – Como percebe espaço de interlocução com cidadãos?

Fonte: elaboração própria