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Limites e possibilidades da metodologia revelados durante a pesquisa

CAPÍTULO IV – CAMINHO METODOLÓGICO

3. Limites e possibilidades da metodologia revelados durante a pesquisa

No decorrer da realização da pesquisa compreendi as vantagens e desvantagens das opções metodológicas realizadas. Muitas delas já foram enunciadas, porém, nesta seção as

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retomamos e as expomos de forma mais sistemática com o intuito de, ao ampliar a transparência quanto aos procedimentos, tornar mais claro o que o material poderá nos oferecer em termos de análise.

Em primeiro lugar, entendo que a escolha por entrevistas semiestruturadas como método de composição do corpus do trabalho se mostrou, apesar de alguns transtornos operacionais, o mais adequado para o ambiente da EBC. Acredito que seria difícil obter o engajamento da empresa para desenvolver um trabalho de cunho etnográfico, ou outro método que exigisse a presença da pesquisadora nas redações. E isto também poderia gerar constrangimentos para mim – como trabalhadora da empresa naquele momento – e para os informantes. A respeito das dificuldades de movimento dentro da empresa, é ilustrativo registrar que em dezembro de 2017 o Conselho de Administração da EBC determinou que os trabalhadores deveriam pedir autorização, por via própria, para realizarem qualquer pesquisa sobre a EBC. Busquei a autorização para evitar represálias contra mim e contra qualquer pessoa envolvida na pesquisa. O processo de obtenção da permissão para seguir com a pesquisa durou meses de desgaste96, visto que não estava claro, nem mesmo dentro da EBC, que setor deveria dar a

autorização. Ainda mais para uma pesquisa que sequer relacionava-se a um departamento determinado. Além de atrasar o cronograma do trabalho97, a norma refletiu a imposição de controle crescente dentro da empresa sobre os funcionários – pode, também, vir a ser um mecanismo que cerceia a liberdade de expressão dos trabalhadores (a norma inclui qualquer publicação, como artigos jornalísticos e análises) e representa um desincentivo à reflexão de seus trabalhadores sobre o papel que a empresa vem desempenhando na sociedade brasileira. Por outro lado, ser empregada da EBC ao longo da maior parte do desenvolvimento da pesquisa trouxe algumas vantagens. Tive acesso facilitado aos Quadros de Lotação de Pessoal e colaboração para compreendê-los enquanto fazia parte do mesmo quadro. Além disso, ao

96 A exigência de pedido de autorização de pesquisa pelos funcionários da EBC está prevista no Código de Conduta (item 4.3, inciso XIV, do Código de Conduta e Integridade da EBC, Deliberação CONSAD nº 39, de 14/12/2017). As primeiras consultas informais para localizar na EBC o departamento responsável pela autorização foram feitas em abril de 2018. Diante da falta de respostas concretas, consegui que, em junho, o setor responsável pela Educação Corporativa recebesse e criasse um modo de encaminhar minha demanda. Entreguei à empresa uma carta minha e uma do PPGCom/UNB solicitando a permissão para prosseguimento da pesquisa. O departamento de Educação Corporativa da EBC criou um documento no sistema de solicitações da intranet e pediu que eu refizesse o pedido por meio deste canal, em julho, assinando, ainda, um termo de autorização de uso da pesquisa pela EBC. A autorização para que eu prosseguisse com a pesquisa me foi dada apenas no final de outubro de 2018, mediante reiterados pedidos meus junto à coordenação da Educação Corporativa, que insistiu pela autorização na Diretoria Geral. Foi necessária interferência do gerente do meu setor – que era o de Serviços, portanto, nada tinha a ver com a pesquisa que vinha sendo realizada.

97 Evitei o máximo possível seguir com a pesquisa sem atender as normas por temor de represálias futuras. Contudo, diante da dificuldade para obter autorização, realizei várias das entrevistas ainda sem a autorização.

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menos um dos entrevistados buscou referência com colegas sobre a pesquisadora para aceitar o convite – não sei se outros entrevistados tiveram postura semelhante, apenas esse a enunciou. Em vários momentos das entrevistas informações foram dadas em off. A confiança também foi estabelecida pelo fato de sermos parte do “mesmo grupo”. Como funcionária, nunca fiz parte de qualquer representação e não era figura amplamente conhecida em espaços como as assembleias de trabalhadores. Também nunca deixei de participar, ainda que discretamente, de mobilizações e greves, o que pode me identificar com certo conjunto de funcionários. O mesmo vale pela simples presença em alguns grupos de Whatsapp de trabalhadores e trabalhadoras preocupados com a permanência da empresa e com o desenvolvimento de seu caráter público e autônomo. Além do acesso a certas informações cotidianas que não são públicas (por tomar parte desses espaços virtuais), “ser nativa” do ambiente estudado me permite insights que podem ser inacessíveis à distância.

A própria ideia da pesquisa relaciona-se à familiaridade do ambiente: nasce da inquietação com a pluralidade de opiniões dentro da empresa (que chegaram a mim em diferentes momentos). Por exemplo, sobre a possibilidade ou não de ser autônoma e não- governamental, a possibilidade ou não de produzir conteúdos diferenciados por conta de uma suposta falta crônica de autonomia, etc. Assim, ao mesmo tempo em que o cotidiano da EBC não é parte da pesquisa no sentido estrito, ou seja, por meio de sua exploração e análise rigorosa, ele faz parte dela quando acaba por inspirar o roteiro de questões (que tem o cotidiano dos jornalistas como centro de sua constituição) e quando admito ser, como minhas fontes, uma participante direta (mesmo que distante, estando na NBR) da construção da empresa.

O modo como fiz os convites para as entrevistas tinha a intenção de alcançar um quadro amplo e plural de depoimentos. O resultado não permitiu responder às expectativas completamente, pois apenas aderiram pessoas com perfil próximo ao meu no que diz respeito a “importarem-se” com o caráter público da empresa. Essa é uma afirmação possível na medida em que, como jornalista da EBC, eu acompanhava em certa medida a organização dos trabalhadores, pessoal e virtualmente. É possível que convites mais diretos (por exemplo, determinados por sorteios e realizados por telefonemas, e não via e-mails, naturalmente mais impessoais) tivessem legado uma amostra mais diversa em termos de compreensão da empresa, especialmente em seu caráter histórico e em sua multiplicidade geracional - talvez nossa maior deficiência neste aspecto -, com possibilidade de coleta de mais opiniões de quem foi parte da Radiobrás e da EBN. Por outro lado, a vontade de colaborar por parte do entrevistado é uma barreira real difícil de transpor em qualquer hipótese.

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Uma leitura geral do material deixa clara a impossibilidade de generalizar pontos de vista. Não apenas pela natureza do conceito de percepção explorado, ou por essa ser uma amostra muito pequena frente ao quadro total de trabalhadores, mas pelo perfil relativamente uníssono da amostra – como disse, está composta majoritariamente por pessoal que demonstra internamente importar-se com o caráter público da empresa. Ao mesmo tempo, é inegável que os depoimentos trazem muitas pistas sobre o funcionamento da EBC, inclusive na medida em que os trabalhadores falam também da atuação diversa dos seus pares, complicações advindas das escolhas de chefias, etc. Além do mais, os entrevistados apontam que cada constatação se relaciona com o lugar de onde falam e em que tempo: por exemplo, uma pessoa que trabalha na TV como repórter em Brasília terá uma experiência distinta daquela vivida por quem ocupa o mesmo cargo no Rio de Janeiro, pois a estrutura da empresa permite possibilidades diferentes e tem limites distintos para cada um desses profissionais. Além disso, ao contar sobre suas experiências, os empregados também se referem às diferentes posições ocupadas antes – o que não significa que aquele modo de ser tenha se mantido no tempo. Quando falamos de praças, veículos, tempo de casa distintos e de memória, a complexidade aumenta consideravelmente no que diz respeito a comparações e aproximações. Sendo assim, consideramos fundamental entender os apontamentos que compõe o próximo capítulo como pontos de vista ora convergentes, ora divergentes, que indicam potencialidades e limites da comunicação pública na EBC.

Adotamos uma série de cuidados na pesquisa com o objetivo de lidar com o temor de perseguições por parte dos trabalhadores. Primeiro, os depoentes não foram identificados no ambiente da empresa, por exemplo, evitando a realização de entrevistas em suas dependências e jamais mencionando identidades de entrevistados. No que tange à divulgação, silenciamos trechos que possam identificar o depoente. Conhecendo a estrutura, sei que, ao descrever uma situação vivida por um trabalhador na cobertura de determinado evento é relativamente fácil a identificação entre os pares. Talvez por esse risco, apesar da construção de laços de confiança entre nós, é comum no material que o entrevistado traga algo que passou com outros, ou exemplos genéricos, em vez de exemplos mais pessoais. Na realidade, na maioria das conversas foi preciso pedir exemplos de experiência pessoal e reafirmar que seriam mantidos em off.

A seguir, apresento finalmente a análise temática do conteúdo, que nos informa sobre a percepção dos jornalistas. Tratamos então da experiência deles nesse espaço de trabalho, sobre a prática do jornalismo nessa empresa de comunicação pública e sobre as perspectivas deles com relação aos limites e possibilidades de fazer comunicação pública na EBC.

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CAPÍTULO V – CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA NA PERCEPÇÃO