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CAPÍTULO V – CONSTRUÇÃO DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA NA

3. Percepção e perspectivas sobre comunicação pública na EBC

3.3 Relação entre Ouvidoria e cotidiano do entrevistado

Na percepção de um terço (5) dos entrevistados, os relatórios da Ouvidoria também serviam aos jornalistas como base para argumentação com os chefes e gestores, de modo a evitar a repetição de erros e ampliar o uso de abordagens recomendadas pela linha editorial da empresa. Neste sentido, há diálogo entre uso prático dos relatórios da Ouvidoria e dos relatórios do Conselho Curador. Três dos quinze entrevistados reportaram que os relatórios da Ouvidoria não eram levados em conta pelas chefias do modo que consideram devido – as respostas eram dadas por exigência regimental e, quando apontados erros, estes eram corrigidos. Contudo, na avaliação desses trabalhadores, os relatórios não geravam movimento para a mudança de paradigmas nas redações. Ouvimos também reclamações com relação à transparência dos encaminhamentos: trabalhadores acham que as considerações sobre seu trabalho podem chegar a ouvidoria e ficar retidas em algum nível de chefia, não sendo finalmente levadas ao conhecimento dos jornalistas cujo trabalho gerou a questão motivadora do contato.

... a gente acompanhava com muito prazer, até, depois que o Temer entrou, né, os relatórios da Ouvidoria, porque com o fim do Conselho não tinha um controle da sociedade, um controle externo, do que a gente estava produzindo. Então não tinha pra quem recorrer (...) Os relatórios da Ouvidoria eram fundamentais porque confirmavam o que a gente estava falando no dia a dia para os nossos chefes. E que eram desprezados, os comentários (Entrevista 3).

Talvez (falte) uma abordagem das chefias imediatas sobre esses relatórios [da Ouvidoria] (Entrevista 4).

[diante de questionamento da Ouvidoria sobre cobertura que eu tinha feito] eu lembro que mandei um e-mail para minhas chefes imediatas, chefe de reportagem e gerente, e falei que queria conversar sobre o boletim. Eu achei, né, que ia levar um bronca, como é que aquilo tinha chegado assim? E, pra minha surpresa tudo que me disseram foi “fica calma, a gente não liga pra Ouvidoria, eles não entendem nosso trabalho” (Entrevista 1).

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não menciona ou não respondeu Nada mudou com a extinção do conselho Atuação do conselho era usada no diálogo com as

chefias

Atuação do conselho influenciava no nível das chefias e da orientação geral da cobertura

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O que a Ouvidoria fazia e o que o Conselho Curador fazia impactava no crivo do que a gente fazia. Tinha medo, tinha sensação de temor [por parte dos chefes] (Entrevista 7).

Com o fim do Conselho Curador, a Ouvidoria tomou um destaque muito grande, era o único local em que havia críticas aos trabalhos da EBC, as nossas linhas editoriais, aos erros que acontecem em qualquer veículo e a gente precisa ter esses espaços de crítica, não é? (...) O que eu tenho notado é que sumiram essas análises mais aprofundadas da Ouvidoria ultimamente. De uns seis meses pra cá, não vejo mais... (Entrevista 9)

A maioria dos entrevistados (8) disse perceber que as críticas e sugestões que partiam da Ouvidoria melhoravam a qualidade do seu trabalho. Usamos na frase anterior um verbo em tempo passado especialmente porque um número pouco maior (9) de profissionais ouvidos reclamou que os relatórios da Ouvidoria não chegavam mais aos trabalhadores, ou mudaram demasiadamente depois do fim da gestão de Joseti Marques, em março de 2018. Segundo os depoimentos, os relatórios passaram de materiais analíticos a uma espécie de contabilidade, o que teria feito com que perdessem sua utilidade total ou parcialmente.

não tem [mais, depois da saída da Joseti] a Ouvidoria onde a gente ia reclamar, falar ó essa matéria tá com direcionamento muito governamental, enfim, pode até reclamar, mas entra na estatística, tivemos X reclamações, e não se fala no assunto. Não entra na análise, na contextualização do que deveria e do que não deveria ser comunicação pública (Entrevista 5). nos últimos meses, mudou muito a Ouvidoria. Quem está tentando fazer um trabalho diferenciado na empresa, sente essa falta. Nas discussões diárias com os chefes (Entrevista 6). Hoje não tem EBC. Não tem uma empresa diferenciada, a gente voltou à estrutura Radiobrás. E não é de agora, é 2016. A Ouvidoria desmoronou [depois da saída da Joseti Marques]. Eu não consigo ter energia, desculpa, mas eu não consigo defender este projeto não (Entrevista 10). Honestamente, a Ouvidoria tem tido muito pequena presença prática na minha vida e na vida do veículo. Desconheço os últimos boletins da Ouvidoria porque não são publicizados, como deveriam [depois de março]. Não existe um EBC Informa [e-mail da empresa aos funcionários] com os boletins, nem sei se estão sendo feitos, eu lia alguns meses atrás, eles sumiram. Quando chegavam eram ótimos, no tempo da Ouvidoria, antes, com Joseti, eu gostava de ler porque às vezes eram elogiosos, fez isso, fez aquilo bem, e em outros casos não. Eles são interessantes porque captam percepção do público, mas também a percepção dos próprios ouvidores, que analisam criticamente o material e isso é fundamental (Entrevista 14).

Como se vê, a ouvidora Joseti Marques, que foi responsável pelo setor por dois mandatos de dois anos cada106, foi espontânea e nominalmente elogiada por seu trabalho à frente da Ouvidoria e pela boa qualidade de seus relatórios. Sete entrevistados a mencionaram.

106 A última coluna de Joseti Marques no site da EBC foi publicada em 1º de março de 2018 e trata de diagnóstico que ele pontua como recorrente ao longo de seus quatro anos à frente da Ouvidoria: "a abordagem oficialista dos fatos e o constrangimento em noticiar assuntos incômodos para o governo federal e suas autoridades" o que, "do ponto de vista da Ouvidoria – que é baseado nos preceitos legais que informam os princípios e diretrizes da Comunicação Pública –, este é o aspecto de maior gravidade entre os problemas observados, porque afeta diretamente o caráter público dos veículos geridos pela EBC." Cf. MARQUES, 2018.

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Além disso, o trabalho de Marques é percebido pelos entrevistados como um último bastião/pilar de resistência na empresa depois da extinção do Conselho Curador.

Seu mandato foi encerrado em março de 2018 e a ex-diretora Geral, Christiane Samarco, assumiu o cargo em setembro. Conforme entrevistados, com a saída de Joseti Marques os relatórios não circularam mais como antes. Segundo relatam, eram enviados por e-mail na EBC e também replicados por iniciativa de funcionários em redes sociais e, segundo uma das narrativas, chegavam a ser discutidos nas redações entre colegas.

Gráfico 10 – Percepções sobre a Ouvidoria da EBC

Fonte: elaboração própria

Dois entrevistados disseram que a Ouvidoria nunca influenciou suas vidas na EBC e outros dois não falaram sobre o tema. Ninguém menciona que o conjunto de trabalhadores não leva relatórios da Ouvidoria em consideração (ao contrário do que alguns relatam com relação às chefias).