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ESTAR CONSCIENTE

No documento e o cerebro criou o homem.pdf (páginas 195-200)

7. A consciência observada

DEFINIÇÃO DE CONSCIÊNCIA

Procure a definição de consciência em um dicionário comum e provavelmente encontrará alguma variação desta: "consciência é um estado de percepção de si mesmo e do mundo circundante". Substitua percepção por conhecimento e si mesmo por a própria existência, e o resultado é uma definição que capta alguns aspectos essenciais da consciência como a vejo: consciência é um estado mental no qual ex- iste o conhecimento da própria existência e da existência do mundo circundante. Consciência é um estado mental - se não há mente, não há consciência; consciência é um estado mental específico, enrique- cido por uma sensação do organismo específico no qual a mente atua; e o estado mental inclui o conhecimento que situa essa existên- cia: o conhecimento de que existem objetos e eventos ao redor. Con- sciência é um estado mental ao qual foi adicionado o processo do self.

O estado mental consciente é vivenciado da perspectiva exclu- siva, em primeira pessoa, de cada organismo, e nunca é observado por terceiros. A experiência pertence a cada organismo e a nenhum outro. Mas embora ela seja privada, ainda assim podemos adotar uma visão relativamente "objetiva" em relação a ela. Por exemplo, adoto essa visão na tentativa de vislumbrar uma base neural para o self-ob- jeto, o eu material. Um eu material enriquecido também é capaz de gerar conhecimento para a mente. Em outras palavras, o self-objeto também pode atuar como conhecedor.

Podemos ampliar essa definição com algumas observações: os estados mentais conscientes sempre têm conteúdo (sempre são a re- speito de alguma coisa), e alguns dos conteúdos tendem a ser

percebidos como coleções integradas de partes (por exemplo, quando vemos e ouvimos alguém que está falando e andando em nossa direção); os estados mentais conscientes revelam propriedades qualitativas distintas em relação aos diferentes conteúdos de que tomamos conhecimento (é qualitativamente diferente ver ou ouvir, tocar ou provar); sentir é obrigatoriamente um aspecto dos estados mentais conscientes elementares - e l e s n o s d ã o a l g u m a sensação. Por fim, nossa definição provisória tem de dizer que os es- tados mentais conscientes são possíveis somente quando estamos acordados, embora uma exceção parcial a essa definição aplique-se à forma paradoxal de consciência que ocorre durante o sono, quando sonhamos. Em conclusão, em sua forma elementar, a consciência é um estado mental que ocorre quando estamos acordados e no qual existe o conhecimento pessoal e privado de nossa existência, situada em relação ao ambiente circundante do momento, seja ele qual for. Necessariamente, os estados mentais conscientes lidam com o conhecimento servindo-se de diferentes materiais sensitivos - corpo- rais, visuais, auditivos etc. - e manifestam propriedades qualit- ativas diversas para os diferentes fluxos sensitivos. Os estados men- tais conscientes são sentidos.

Quando falo em consciência, não me refiro simplesmente ao es- tado de vigília, um mau uso que comumente se faz do termo, pois em geral quando a vigília se vai, vai-se também a consciência ele- mentar. (A consciência do sonho é um estado alterado da consciên- cia.) A definição também deixa claro que o termo "consciência" não se refere a um processo mental simples, destituído do elemento do self. Lamentavelmente, conceber a consciência apenas como uma

mente é um emprego comum do termo - um emprego errôneo, no meu modo de ver. Muita gente, quando diz que "tem algo na con- sciência", quer dizer que tem algo "na mente", ou que alguma coisa tornou-se um conteúdo destacado em sua mente, por exemplo "o problema do aquecimento global finalmente penetrou na consciência dos países ocidentais"; um número significativo de estudos contem- porâneos sobre a consciência trata a consciência como uma mente. Além disso, na acepção usada neste livro, consciência não denota aquela "consciência de si" que, por exemplo, nos causa constrangi- mento quando sentimos que alguém nos fita com insistência. Tam- pouco significa a "consciência moral", uma função complexa que realmente requer a consciência mas que vai muito além dela e per- tence à esfera da responsabilidade moral. Finalmente, a definição não se refere ao sentido coloquial de "fluxo de consciência" empregado por James. Muitos usam essa expressão para denotar o fluxo dos conteúdos manifestos da mente conforme eles avançam no tempo, como água a correr no leito de um rio, em vez de denotar o fato de que esses conteúdos incorporam aspectos sutis ou não tão sutis da subjetividade. Muitas referências à consciência no contexto dos solilóquios de Shakespeare ou Joyce usam essa noção mais simples de consciência. No entanto, os autores originais estavam ob- viamente explorando o fenômeno em seu sentido abrangente, escre- vendo da perspectiva do self de seu personagem - tanto assim que, na opinião de Harold Bloom, Shakespeare pode ter sido o respon- sável pela introdução do fenômeno da consciência na literatura. (James Wood, porém, fez a afirmação alternativa e muitoplausível de que a consciência realmente entrou na literatura por meio do so- lilóquio, porém isso ocorreu muito antes - na oração, por exemplo, e na

tragédia grega)1

A CONSCIÊNCIA EM PARTES

Consciência e vigília não são a mesma coisa. Estar acordado é um requisito prévio para a consciência elementar. Quer a pessoa ad- ormeça naturalmente, quer seja forçada a dormir sob anestesia, a consciência desaparece em seu formato elementar, com uma ex- ceção: o estado consciente específico que acompanha os sonhos, o qual não contradiz de modo algum o requisito prévio da vigília, pois a consciência do sonho não é a consciência típica.

Muitos veem a consciência como um fenômeno do tipo on ou off, zero para o sono, um para a vigília. Em certa medida isso é cor- reto, mas a concepção do tudo ou nada esconde gradações que todos conhecemos bem. Estar adormecido ou sonolento com certeza reduz a consciência mas não a leva ao zero abruptamente. Apagar a luz não é uma analogia acurada; reduzir pouco a pouco a luminosidade refle- tiria melhor a ideia.

O que revelam as luzes quando são acesas, de repente ou aos poucos? O mais das vezes, revelam algo que comumente descreve- mos como "mente" ou "conteúdos mentais". E de que é feita a mente assim revelada? Padrões mapeados no idioma de todos os sentidos possíveis - visual, auditivo, tátil, muscular, visceral etc., em maravil- hosas tonalidades, matizes, variações e combinações, fluindo de modo ordenado ou caótico, em suma, imagens. No capítulo 3 já ap- resentei minhas ideias sobre a origem das imagens. Aqui só

precisamos relembrar que as imagens são o principal meio circulante de nossa mente e que o termo refere-se a padrões de todas as modal- idades sensitivas, não só a visual, e a padrões abstratos e concretos.

O simples ato fisiológico de acender a luz -acordar alguém de um cochilo - necessariamente se traduz em um estado consciente? É certo que não. Não precisamos ir muito longe para refutar essa ideia. Quando acordamos cansados em outro fuso horário depois de uma longa viagem transoceânica, demoramos alguns segundos, feliz- mente breves mas que nos parecem longos, para nos dar conta de onde estamos. Existe uma mente durante esse curto intervalo, mas ainda não aquela mente organizada com todas as propriedades da consciência. Se eu perco a consciência por bater a cabeça em um ob- jeto duro, terei outro período felizmente breve mas ainda assim men- surável de inconsciência antes de me "reanimar".A propósito, "reani- mar", nesse caso, indica recobrar a consciência, retornar a uma mente auto-orientada. No jargão neurológico, recobrar a consciência depois de uma contusão na cabeça leva algum tempo, e nesse ínter- im a pessoa não tem plena noção de lugar ou hora, muito menos de si.

Tais situações indicam que as funções mentais complexas não são monólitos e podem ser literalmente separadas em seções. Sim, a luz está acesa e estamos acordando. (Um ponto para a consciência.) Sim, a mente está ativa, e imagens do que temos à nossa frente estão sendo formadas, embora imagens recordadas do passado sejam raras. (Meio ponto para a consciência.) Mas não, ainda há escassos indícios de quem é o dono dessa mente vacilante, não há um self para reivindicar sua propriedade. (Nenhum ponto para a

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