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ZONAS DE CONVERGÊNCIA-DIVERG ÊNCIA

No documento e o cerebro criou o homem.pdf (páginas 179-183)

O QUE HÁ NO CÉREBRO CAPAZ DE CRIAR A MENTE?

ZONAS DE CONVERGÊNCIA-DIVERG ÊNCIA

A peça principal da hipótese proposta era uma arquitetura neural de conexões corticais dotada de propriedades sinalizadoras conver- gentes e divergentes para certos nodos. Chamei os nodos de zonas de convergência-divergência (ZCDs). As ZCDs registravam a coin- cidência de atividade em neurônios provenientes de diferentes sítios cerebrais, neurônios que haviam sido ativados, por exemplo, pelo mapeamento de determinado objeto. Nenhuma parte do mapa geral do objeto precisava ser permanentemente representada uma segunda vez nas ZCDs para ficar registrada na memória. Somente a coin- cidência de sinais de neurônios ligados ao mapa precisava ser regis- trada. Para reconstituir o mapa original e assim produzir a re- cordação, propus o mecanismo da retroativação sincrônica [time-

locked retroactivation]. O termo "retroativação" aludia ao fato de

que o mecanismo requeria um processo de "volta" para induzir a atividade; a ideia de sincronização chamava a atenção para outro re- quisito: era necessário retroativar os componentes do mapa aproxim- adamente no mesmo intervalo temporal, de modo que o que ocorria simultaneamente (ou quase) na percepção pudesse vir a ser reconstit- uído simultaneamente (ou quase) na evocação.

O outro elemento fundamental da estrutura teórica estava na suposição de uma divisão de trabalho entre dois tipos de sistema cerebral, um que gerenciava os mapas/imagens, e outro que geren- ciava as disposições. No que diz respeito aos córtices cerebrais,

propus que o espaço de imagem consistia em várias ilhas ou córtices sensoriais iniciais - por exemplo, o conjunto de córtices visuais que circundam o córtex visual primário (área 17 ou V1), o conjunto de córtices auditivos, o dos córtices somatossensitivos, e assim por diante.

O espaço dispositivo cortical incluía todos os córtices associat- ivos de ordem superior nas regiões temporais, parietais e frontais; além disso, um conjunto antigo de mecanismos dispositivos per- manecia sob o córtex cerebral no prosencéfalo basal, gânglios basais, tálamo, hipotálamo e tronco cerebral.

Em suma, o espaço de imagem é o espaço onde podem ocorrer imagens explícitas de todos os tipos sensoriais, tanto as que se tor- nam conscientes como as que permanecem inconscientes. O espaço de imagem está localizado no cérebro produtor de mapas, o vasto ter- ritório formado pelo agregado de todos os córtices sensoriais iniciais

[early sensory cortices], ou seja, as regiões do córtex cerebral situa-

das no ponto de entrada dos sinais sensitivos dos tipos visual, audit- ivo e outros e em áreas próximas. Também inclui os territórios do núcleo do trato solitário, do núcleo parabraquial e dos colículos su- periores, que são dotados de capacidade para criar imagens.

Figura 6.1. Esquema da arquitetura de convergência-divergência. Quatro ní- veis hierárquicos estão representados. O nível cortical primário é mostrado em retângulos pequenos, e três níveis de convergência-divergência ( em retângulos maiores) estão marcados como ZCD1, ZCD2 e RCD. Entre níveis ZCD e RCD (setas interrompidas) são possíveis numerosas ZCDs. Note que, em toda a rede, cada projeção para a frente tem uma projeção de retorno recíproca ( setas).

O espaço dispositivo é onde as disposições mantêm a base de conhecimento e os mecanismos para a reconstituição desse conheci- mento na evocação. É a fonte das imagens no processo de imagin- ação e raciocínio, e também é usado para gerar movimento. Situa-se nos córtices cerebrais que não são ocupados pelo espaço de imagem (os córtices de ordem superior e partes dos córtices límbicas) e em numerosos núcleos subcorticais. Quando os circuitos dispositivos são ativados, sinaliza m a out ros circuitos e causam a geração de im- agens ou ações.

Os conteúdos exibidos no espaço de imagem são explícitos, en- quanto os conteúdos do espaço dispositivo são implícitos. Podemos acessar os conteúdos de imagens, se estivermos conscientes, mas

nunca podemos acessar diretamente os conteúdos das disposições. Necessariamente, os conteúdos das disposições são sempre incon- scientes. Eles existem de forma codificada e latente.

As disposições produzem vários resultados. Em u m nível básico, podem gerar ações de diversos tipos e muitos níveis de com- plexidade, como a liberação de um hormônio na corrente sanguínea, a contração de músculos em vísceras, em um membro ou no aparelho vocal. Mas as disposições corticais também mantêm registros de uma imagem que foi efetivamente percebida em alguma ocasião anterior, e participam da tentativa de reconstituir a partir da memória um es- boço dessa imagem. As disposições também contribuem com o pro- cessamento de uma imagem percebida no momento, por exemplo, in- fluenciando o grau de atenção dispensado à imagem em curso. Nunca nos damos conta do conhecimento necessário para executar qualquer uma dessas tarefas, nem dos passos intermediários no pro- cesso. Só nos apercebemos dos resultados, por exemplo, um estado de bem-estar, o coração disparado, o movimento da mão, um frag- mento de som recordado, uma versão editada da percepção corrente de uma paisagem.

Nossas memórias das coisas, de propriedades das coisas, de pessoas e lugares, de eventos e relações, de habilidades, de processos de gestão da vida - em suma, todas as nossas memórias, herdadas da evolução e disponíveis já quando nascemos ou adquiridas depois pelo aprendizado - existem no cérebro sob a forma dispositiva, aguardando para tornar-se imagens explícitas ou ações. Nossa base de conhecimento é implícita, codificada e inconsciente.

Disposições não são palavras; são registros abstratos de poten- cialidades. A base para a produção de palavras ou sinais também ex- iste sob a forma dispositiva antes que ganhem vida como imagens e

ações, como na produção da fala ou na linguagem de sinais. As re- gras pelas quais juntamos as palavras e sinais, a gramática da lin- guagem, também são mantidas sob a forma dispositiva.

OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS ZONAS DE

No documento e o cerebro criou o homem.pdf (páginas 179-183)