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O MODELO EM AÇÃO

No documento e o cerebro criou o homem.pdf (páginas 185-191)

O QUE HÁ NO CÉREBRO CAPAZ DE CRIAR A MENTE?

O MODELO EM AÇÃO

Que indícios temos de que o modelo de convergência-divergên- cia reflete a realidade? Recentemente, meu colega Kaspar Meyer e eu examinamos numerosos estudos sobre percepção, imagens men- tais e mecanismo de espelho [mirrar processing] e analisamos os resultados da perspectiva do modelo de convergência-divergência.8 Muitos dos resultados que examinamos constituem testes interess- antes do modelo. Vejamos um exemplo.

Ao conversarmos com alguém, ouvimos sua voz e ao mesmo tempo vemos seus lábios em movimento. O modelo ZCD prediz que, conforme certo movimento dos lábios ocorre repetidamente junto com sua contrapartida sonora específica, os dois eventos neurais, re- spectivamente nas áreas iniciais de córtices visuais e auditivos, tornam-se associados em uma ZCD compartilhada. No futuro, quando nos confrontarmos com apenas uma parte dessa cena - por exemplo, vendo um movimento labial específico em um filme mudo -, o padrão de atividade induzido nos córtices visuais iniciais desen- cadeará a ZCD compartilhada, e a ZCD retroativará, nos córtices auditivos iniciais, a representação do som que originalmente acom- panhou o movimento labial.

Figura 6.2. Uso da arquitetura CD para evocar memórias desencadeadas por estimulo visual especifico. Nos painéis a e b, um dado estímulo visual entrante (conjunto seletivo de retângulos pequenos sombreados) impele atividade progres- sivamente (forward) em ZCDs de níveis 1 e 2 (setas em negrito e retângulos som- breados). No painel c, atividade progressiva ativa RCDs específicas, e no painel d,

a retroativação a partir de RCDs impele atividade nas áreas iniciais de córtices somatossensitivos, auditivos, motores e em outros córtices visuais (setas em negrito, retângulos sombreados). A retroativação gera exibições no "espaço de im- agem" e também movimento (conjunto seletivo de retângulos pequenos sombreados).

Em conformidade com a hipótese das ZCDs, a leitura labial na ausência de sons induz atividade nos córtices auditivos, e os padrões de atividade evocados coincidem com aqueles gerados durante a per- cepção de palavras faladas.9O mapa auditivo do som torna-se parte integrante da representação do movimento labial. A hipótese das ZCDs explica como podemos "ouvir" mentalmente um som ao rece- ber o estímulo visual apropriado e vice-versa.

Se alguém pensar que a proeza do cérebro quando ele sincroniza elementos visuais e sonoros é apenas uma tarefa trivial, basta lem- brar como é incômodo e irritante assistir a um filme quando sua qual- idade de projeção é ruim e o som e a imagem estão dessincronizados. Ou, pior ainda, quando temos de assistir a um bom filme italiano mal dublado. Vários outros estudos sobre percepção envolvendo outras modalidades sensitivas (olfato, tato) e até estudos neuropsicológicos em primatas não humanos apresentam resultados que são satisfatoria- mente explicados pelo modelo das ZCDs.10

Outro interessante conjunto de dados provém de estudos sobre imagens mentais. O processo da imaginação, como o termo sugere, consiste na evocação de imagens e sua subsequente manipulação - cortar, ampliar, reordenar etc. Quando usamos a imaginação, será que a imagem ocorre na forma de "quadros" (visuais, auditivos etc.) ou se baseia em descrições mentais semelhantes às da linguagem?11 A hipótese das ZCDs corrobora a ideia dos quadros. Supõe que

regiões comparáveis são ativadas quando percebemos objetos ou eventos e quando os reconstituímos de memória. As imagens con- struídas durante a percepção são reconstruídas durante o processo de visualização mental dessas imagens. São aproximações, e não réplicas, tentativas de recuperar uma realidade que, por já ter ocor- rido, não é mais tão vívida e acurada.

Numerosos estudos indicam inequivocamente que em geral as tarefas de produção de imagens mentais em modalidades como a visual e a auditiva evocam padrões de atividade cerebral que coin- cidem em grau considerável com os padrões observados durante a percepção real.12Ao mesmo tempo, resultados de estudos de lesões também fornecem evidências eloquentes em favor do modelo das ZCDs e da ideia de que as imagens mentais ocorrem como quadros. Muitas lesões focais no cérebro causam deficiências simultâneas na percepção e na formação de imagens mentais. Um exemplo é a inca- pacidade de perceber e imaginar cores, causada por lesão na região occipitotemporal. Os pacientes com lesão focal nessa região veem seu mundo visual em preto e branco, ou mais exatamente em tons de cinza. São incapazes de "imaginar" as cores na mente. Sabem perfeit- amente que o sangue é vermelho, mas não conseguem visualizar sua cor, do mesmo modo que não conseguem enxergar o vermelho quando olham para um objeto dessa cor.

Os resultados dos estudos fundamentados em imageamento fun- cional e em lesões indicam que a recordação de objetos e eventos baseia-se, ao menos em parte, em atividade próxima dos pontos de entrada de sinais sensitivos no córtex e também nas proximidades de sítios de saída de informações motoras. Certamente não é por coin- cidência que esses são os sítios envolvidos na percepção original de objetos e eventos.

Os estudos sobre neurônios-espelho também geraram evidências de que a arquitetura de convergência-divergência é satisfatória para explicar certas operações mentais e comportamentos complexos. A principal descoberta nessa área de investigação (capítulo 4) é que a mera observação de uma ação impele atividade em áreas motoras relacionadas.13O modelo das ZCDs é ideal para explicar essa con- statação. Considere o que acontece quando agimos. Uma ação não consiste apenas em uma sequência de movimentos gerada pelas re- giões motoras do cérebro. A ação abrange representações sensoriais simultâneas que emergem nos córtices somatossensitivos, visuais e auditivos. O modelo das ZCDs sugere que a co-ocorrência repetida dos vários mapas sensitivo-motores que descrevem uma ação es- pecífica leva a repetidos sinais convergentes na direção de uma ZCD específica. Em ocasião posterior, quando a mesma ação for perce- bida, digamos que pelo sentido da visão, a atividade gerada em cór- tices visuais ativa a ZCD correspondente. Subsequentemente, a ZCD usa projeções retroativas divergentes na direção dos córtices sensori- ais iniciais para reativar as respectivas associações da ação em mod- alidades como a somatossensitiva e a auditiva. A ZCD também pode sinalizar em direção a córtices motores e gerar um movimento-es- pelho. Da nossa perspectiva, os neurônios-espelho são neurônios de ZCD envolvidos no movimento.14

Segundo o modelo das ZCDs, os neurônios-espelho, sozinhos, não permitiriam que um observador apreendesse o significado de uma ação. As ZCDs não contêm o significado de objetos e eventos; elas reconstituem o significado por meio de uma retroativação mul- tirregional sincronizada [time-locked], em vários córtices iniciais. Como é provável que os neurônios-espelho sejam ZCDs, o signific- ado de uma ação não pode ser incorporado apenas por neurônios-

espelho. É preciso que uma reconstrução de vários mapas sensoriais previamente associados à ação ocorra sob o controle das ZCDs nas quais foi registrada uma ligação com esses mapas originais.15

O COMO E O ONDE DA PERCEPÇÃO E EVOCAÇÃO

No documento e o cerebro criou o homem.pdf (páginas 185-191)