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3.1. As estratégias de FPS no continuum Conteúdos-Processos

3.1.2. Estratégias assentes em processos

Antes de expor, conforme já mencionámos, as abordagens da Clarificação de Valores e a Discussão de Dilemas, eis uma súmula da outra estratégia que está no polo-processos. Segundo Coimbra (1991), os programas de educação psicológica deliberada, concebidos por Mosher e Sprinthall, fornecem o melhor exemplo de concretização do modelo ação-reflexão. Esses programas registaram um desenvolvimento acelerado e abrangente a partir da década de setenta (desde adolescentes em escolas até ao ensino da psicologia e formação de professores). Esta abordagem baseia-se teoricamente no desenvolvimento psicológico, essencialmente perspetivado em termos estruturais-cognitivos, mas não se confinando (como no caso da discussão de dilemas) a um objetivo setorial desse desenvolvimento, o qual deve ser merecedor de uma orientação holística de intervenção, proporcionando à pessoa a “oportunidade de viver e integrar experiências reais de vida em contextos genuínos” (Coimbra, 1991, p. 34). Assim sendo, a reflexão assume um papel importante, permitindo que sejam integradas as experiências proporcionadas, contribuindo para a contemplação do princípio dos três r’s: reais condições, responsabilidade e reflexão (rigoroso exame do significado da experiência, que se baseia no pressuposto da capacidade de constante reavaliação e reflexão crítica). A abordagem é assim caracterizada por um conjunto de pressupostos que, segundo Menezes (1998), radicam na sequencialidade do processo inerente ao desenvolvimento psicológico abarcando gradualmente maior complexidade e na necessidade e possibilidade de promover esse desenvolvimento.

Seguidamente, explanaremos então as principais linhas definidoras de dois modelos centrais na Formação Pessoal e Social, a saber: a teoria da clarificação dos valores e a abordagem cognitivo-desenvolvimentista da educação moral de Lawrence Kohlberg, metodologias de promoção de valores que se fundamentam em teorias personalistas e construtivistas, respetivamente. Além da conceptualização teórica, serão sublinhadas algumas críticas, reservas e limitações de cada um dos modelos, de forma a poder interagir no decurso deste trabalho com o modelo da Nova Educação do Carácter.

Essas duas possibilidades de intervenção têm sido as metodologias preponderantes a partir do 25 de Abril no contexto português (no plano da teorização e disseminação académica), facto claramente evidenciado não só nos objetivos programáticos, bem como no tipo de sugestões que os programas da já extinta disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social

sustentavam (Marques, 1999). Todavia, conforme constataremos no capítulo seguinte, no contexto português, não tem existido uma operacionalização efetiva e sustentada à escala nacional de nenhuma dessas metodologias73.

Em contraponto, a Nova Educação do Carácter74, daqui em diante designada por NEC, não tem merecido a mesma atenção e consideração no seio da classe docente e académica (Cunha, 1996; Marques, 1999)75. É desse modo oportuno relançar o debate, e trazer para o leque de possibilidades de intervenção escolar esta estratégia. Justifica-se essa necessidade pelo desconhecimento generalizado da abordagem em Portugal, pelas indicações positivas que existem da sua efetividade em diversos contextos, e pela necessidade de problematizar alguns aspetos associados às críticas feitas. Veremos, seguidamente, os principais elementos que compõem as três estratégias de formação pessoal e social em contexto escolar.

3.1.2.1. A Clarificação dos Valores

A teoria da Clarificação dos Valores (CV), devedora à metodologia não diretiva e à técnica terapêutica desprovida de juízos morais de Carl Rogers, surgiu com a publicação, em 1966, de Values and Teaching pelos professores de educação Louis Raths, Merril Harmin e Sidney Simon (Raths, Harmin & Simon, 1966). Os autores reconhecem, perentoriamente, que o seu contributo no domínio da moralidade não se assume como panaceia universal em relação à enfermidade juvenil e educacional. Em termos gerais, a metodologia não trata do ensino de valores, mas de ajudar os alunos a clarificar os seus próprios valores, as suas ideias e os seus sentimentos. A ênfase reside substancialmente no processo. Cada estudante deve decidir, por e para si próprio, o que é errado e o que é certo, não sendo correto emitir qualquer juízo moral em relação a diferentes posições. Tendencialmente, o movimento manifestou uma posição crítica em relação às abordagens tradicionais de educação moral (diretivas e com ênfase no conteúdo), chegando-se mesmo a desejar que os pais parassem de fomentar a imoralidade da moralidade.

Na construção teórica de Simon, Harmin e Raths, é proposto um processo assente em três estágios (escolha, apreciação e ação), no sentido de equipar os alunos para uma aproximação responsável ao mundo dos valores. Os três patamares englobam sete critérios

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Uma palavra merecida, ao modelo da Escola Cultural, também chamada de escola pluridimensional ou axiológica (abrangendo assim os valores morais), a qual se inseriu no contexto da Reforma Educativa de 1986 e teve como principal ideólogo e motivador Manuel Patrício (1989, 1993, 1995, 1997, 2011, Julho; ver também Casulo, 2008, pp. 137-154; Marques, 2006b, Junho). A proposta do professor eborense, alicerçada na perspetiva personalista, seria uma resposta ao repto contido na LBSE, mormente os seus artigos 47º e 48º, onde se apela à constituição de uma escola pluridimensional, em contraponto à escola curricular estrita e unidimensional (Branco, 2005). Contudo, teve apenas o apoio ministerial até 1989/1990, remetendo-se assim simplesmente a um conjunto de experiências piloto que decorreram num período reduzido.

74 Apesar da transmissão firme e consciente de um património ético, não se tratar claramente de uma ideia nova, o facto de

possuir facetas diferenciadas dos programas de formação do carácter da história educacional, alguns autores referem-se a este movimento como a Nova Educação do Carácter.

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Com base nas inquirições realizadas, não encontrámos no contexto académico nenhum registo de uma investigação ao nível de mestrado ou doutoramento que se tenha devotado, em larga escala, à Nova Educação do Carácter. Portanto, a NEC surge como um legítimo e pertinente objeto de estudo no contexto educacional público português, quer a análise da natureza do objeto que representa, quer a reflexão sobre a sua não divulgação como abordagem possível.

relacionados com o processo de valoração. Na Figura 2, temos os critérios associados aos três estágios, a saber: (1) escolha livre; (2) escolha de entre alternativas; (3) escolha feita depois da consideração ponderada das consequências de cada alternativa; (4) ser capaz de ser elogiado e aplaudido; (5) ser capaz de ser afirmado publicamente; (6) manifestar-se no nosso viver e no nosso comportamento; (7) manifestar-se em várias situações e ocasiões, isto é, ser frequente e repetir-se. Os estágios envolvidos e os critérios relacionados, que devem ser todos satisfeitos, definem compreensivamente o processo de valoração, do qual resultam os valores (Azevedo, 1996; Raths, Harmin & Simon, 1966; Valente, 1989a, 1992).

Figura 2. Processo global de valoração

No primeiro estágio, naquele onde a escolha preside, os professores encorajam os alunos a selecionar livremente, perante um conjunto de alternativas propostas e após uma consideração racional das consequências de cada uma. No segundo estágio, conhecido como apreciação, os alunos são levados a elogiá-los e afirmá-los publicamente, numa dimensão pedagógica claramente cívica e social. Segundo os autores, os professores não devem somente ajudar os alunos a analisar o assunto, mas contribuir para que tais opções possam ser incorporadas num modelo de vida constituído por um conjunto básico de valores. É o alvo do terceiro patamar no processo de valoração destinado à ação (Ellenwood, 1996). No entendimento dos autores da CV, aquilo que é considerado um valor, deve de facto satisfazer todos os sete critérios mencionados. Existem muitas outras evidências que não são passíveis de serem consideradas como valor, apesar do relacionamento significante no processo de valoração, como indicadores de valores que surgem no contexto escolar (objetivos, aspirações, atitudes, interesses, sentimentos, convicções, atividades e problemas) (Raths, Harmin & Simon, 1966). A investigadora Maria O. Valente, que no contexto português tem sido a principal defensora do modelo em consideração,

3 ESTÁGIOS

C R I T É R I O S

1. Escolha livre alternativas de entre

após consideração das

consequências de cada hipótese

2. Apreciação ser capaz de ser elogiado ser capaz de ser afirmado

publicamente

sintetiza o propósito e o alcance da teoria desta forma: “o fundamento principal da clarificação de valores é o de que as pessoas podem ser ajudadas a debruçarem-se sobre as questões de valores e a integrarem as suas escolhas, podendo então continuar a fazer isso pela vida fora, aumentando a sua possibilidade de auto-direção esclarecida” (Valente, 1992, p. 4).

A CV tem recebido várias críticas nas últimas três décadas. Uma das críticas mais recorrentes é que os exercícios propostos levam os alunos a pensar que os valores são relativos, tornando-se dessa forma, simplesmente, uma questão de gosto pessoal. A ênfase concedida a esse aspeto é tão grande que os sentimentos se confundem com valores (Kilpatrick, 1992). Aceitando a ideia que não existem respostas certas ou erradas em questões de moralidade e conduta, os alunos interiorizam que apenas é suficiente serem claros em relação àquilo que sustentam e relacionarem-se com o mundo de uma forma satisfatória e inteligente. Na versão mais aguda, refere-se que a CV doutrina os alunos no relativismo ético (Kohlberg, 1971, Setembro), apesar da extensa contra-argumentação dos seus proponentes a esse respeito.

Outra das críticas, refere que a metodologia separa os alunos da sabedoria coletiva que a humanidade consagrou na esfera moral ao longo dos séculos, tratando a criança como se fosse um adulto, cujo único desafio é apenas clarificar os valores que já se encontram conhecidos e percebidos, lesando dessa forma os princípios morais e éticos fundamentais para a manutenção de um Estado democrático (Lickona, 1991; Ryan & Wynne, 1997). Os críticos acusam os educadores, denominados progressistas, de encorajarem todas as pessoas a subirem o seu Monte Sinai, e retornarem com as tábuas escritas pelas próprias, onde está expresso o que é moral para elas, como se a atualização fosse possível em qualquer altura e por qualquer razão (Schwartz, 2002, pp. 18-19). Desse modo, existe explicitamente um convite às gerações mais novas, para o empreendimento, previamente gorado, de reinvenção do mundo moral (Ryan & Wynne, 1997). Na verdade, Kirschenbaum (2000) e Harmin (1988), dois dos líderes do movimento entre os anos 60 e os anos 80 do século XX, reconheceram que poderiam e deveriam ter apresentado uma abordagem mais compreensiva e equilibrada, contemplando o ensino explícito de valores morais estruturantes. Nomeadamente, Kirschenbaum reconheceu a séria lacuna da abordagem: assumia que os valores tradicionais já estavam garantidos76, assumindo que as pessoas tinham dentro de si, suficiente bondade, compreensão intuitiva do certo e do errado, equidade, justiça e força de carácter. Nessas condições, dada a oportunidade de identificarem os seus sentimentos mais profundos e cuidadosamente examinar as alternativas, acabariam por fazer escolhas boas e responsáveis. Por último, é também apontado o seu impacto reduzido ou quase nulo da conduta dos alunos e no desenvolvimento do seu carácter, existindo mesmo um fracasso claro nos

76 Nas suas próprias palavras: “I recognized and accepted what a terrible mistake we values clarification proponents had made in

taking for granted, minimizing, or even denigrating the importance of teaching positive values and good character” (Kirschenbaum, 2000, p. 22).

programas de prevenção de toxicodependência e educação sexual (Kilpatrick, 1992). Não admira que Roldão (1993, p. 338) advertisse em relação aos potenciais efeitos desestruturantes para os alunos. De facto, a dimensão da efetividade, fez com que essa abordagem tenha decrescido no que respeita à sua utilização, pelo menos no contexto norte-americano77 (Berkowitz, 2002; Marques, 1998).

Não obstante, é reconhecido que a CV faz contribuições significantes para os esforços globais de restaurar a importância da consideração dos valores na Escola. A proposta de Raths e dos seus colegas, representou o primeiro desafio em relação à convicção estagnante de que as escolas podem ensinar academicamente assegurando uma neutralidade axiológica (Ellenwood, 1996, p. 123). Nas palavras de Estrela (2002, p. 26), a CV “teve o mérito de sacudir um certo amorfismo axiológico que se verifica em grande parte das escolas contemporâneas”. Na mesma senda, Lickona (1991) aponta ainda que a CV levanta alguns assuntos importantes para os estudantes pensarem e encoraja-os a refletirem sobre a sua própria integridade, particularmente para aqueles que demonstram apatia, inconstância, incerteza ou inconsistência extrema, superficialidade, conformação ou discordância extrema ou são representadores de papéis (Raths, Harmin & Simon, 1966, pp. 5-6). As estratégias têm de facto utilidade pedagógica, sendo eficazes para atingir certos fins (e.g., os alunos articulam aquilo que valorizam; ver Raths, Harmin & Simon, 1966, pp. 49-112; Simon, Howe & Kirschenbaum, 1972, para inúmeras estratégias e exercícios práticos).

3.1.2.2. A abordagem cognitivo-desenvolvimentista

A abordagem cognitivo-desenvolvimentista da educação moral de Lawrence Kohlberg78 foi baseada substancialmente no trabalho pioneiro de Jean Piaget (1932), o qual foi discípulo79 de Dewey e Baldwin, tendo concretizado avanços científicos com rigor empírico, particularmente no desenvolvimento moral (Kohlberg, 1971, Setembro; ver Marques, 1991, pp.

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William Coulson foi investigador associado de Carl Rogers, com o qual escreveu extensivamente sobre psicologia e educação humanista. Depois de uma visita a Portugal, onde estudou os materiais de educação sexual enviados para as escolas em 2000, enviou uma carta aberta e sentida, aos “pais portugueses”, publicada no semanário Expresso. Nessa advertência, mencionou a sua constatação de que esse currículo formativo estava bastante impregnado com as ideias rogerianas, nomeadamente com a Clarificação de Valores (que depois Louis Raths ainda extremou mais, segundo a sua opinião). Ora, segundo ele, essas técnicas foram testadas nos anos 60 do século XX por eles, revelando um padrão de fracasso, com resultados nefastos e

contraproducentes, cenário que ele gostaria de não ver replicado no contexto educativo público português (Coulson, 28 de Maio de 2005).

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Snarey e Samuelson (2008) argumentam que o menos reconhecido método reconhecido por Kohlberg envolve os designados “moral exemplars”, cuja valência pedagógica ajuda a promover a socialização e o desenvolvimento (existem publicações neo- kohlberguianas que, apesar de não serem muitas, desenvolvem esta área). Kohlberg, com base nos escritos e nas ações de Martin Luther King Jr., constatou a formação dos princípios universais de justiça que são o pináculo do desenvolvimento moral. Com base nos seus escritos, algumas pessoas, apesar do reconhecimento das suas limitações e da sua dependência do tempo histórico em que viveram, foram reconhecidamente notadas e foram dignas de pertencer ao seu panteão moral (King, Sócrates, Abraham Lincoln, Marcus Aurelius, Janusz Korczak, Thomas More, Andrea Simpson, Baruck Spinoza e Henry Thoreau). Kohlberg (1970, p. 66) depois do assassínio de Martin Luther King reagiu desta forma: “não são as pessoas que pregam o poder e o ódio que acabam por ser assassinadas (...) são as pessoas que são demasiado boas para ser tomadas como modelo pelos outros...” (citado em Lourenço, 2000, p. 567).

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Através da fundação do Instituto de Psicologia Desenvolvimentista e Pedagogia na Suíça, cujo fundador foi altamente influenciado pelos pensadores norte-americanos).

44-83). Mesmo pelos seus críticos, tem sido encarado como um investigador sério e empenhado na educação (Kilpatrick, 1992). O próprio Lickona, expoente da Nova Educação do Carácter, reconhece Kohlberg como alguém que, além de ter sido um caloroso e generoso colega, é também uma figura proeminente ao nível internacional na psicologia do desenvolvimento moral, que através de um estudo dedicado de quase três décadas, tem impactado a investigação à escala mundial relacionada com a moralidade (Lickona, 1983).

O ex-investigador de Harvard, contrapondo a tónica demasiado relativista do movimento da clarificação dos valores, concebeu um modelo de desenvolvimento moral com um cariz cognitivo e desenvolvimentista, articulado em seis estádios sequenciais e cumulativos, percorrendo três níveis que fundamentariam as razões subjacentes à tomada de uma decisão, particularmente perante dilemas morais. O desenvolvimento moral realiza-se ao longo de três níveis, perfazendo seis estádios, dois em cada um dos níveis. O segundo estádio, em cada um dos níveis, é sempre mais avançado em termos morais e cognitivamente mais complexo do que o anterior. Um ponto teórico fulcral é o reconhecimento de que um ato só pode ser considerado moral, quando são previamente apuradas as razões ou motivos que lhe são subjacentes. Nesse âmbito, existe a distinção entre o conteúdo e a estrutura do pensamento da pessoa. Conforme Valente (1989a) esclarece, o ponto essencial a ter em consideração não é a escolha em si, mas a argumentação aduzida na escolha, perante o dilema apresentado. Os seis estádios englobariam gradualmente a obediência baseada na punição, desenvolvendo-se através do interesse individual, a procura de aprovação grupal e social, o respeito pela autoridade, a observância legalista contratual e culminariam na moralidade baseada em princípios morais arraigados no padrão da justiça.

O primeiro dos níveis designa-se como pré-convencional. Neste nível existe dominância dos acontecimentos exteriores a partir dos quais são ditadas as normas. O poder dita a lei, e as razões de comportamento estão dependentes dos imperativos de poder, que são evitar o castigo e obter o poder. No segundo nível, as boas relações e a imagem públicas são as forças motrizes para se constituírem valores. É a moralidade da conformidade convencional, onde os indivíduos já interiorizaram as normas e as expetativas sociais, e procuram viver de acordo com o que é socialmente aceite e partilhado. No terceiro e último nível proposto, o juízo moral baseia-se em valores e princípios aplicados independentemente do nível de autoridade e das regras impostas. Estamos perante um nível que convoca os princípios éticos por excelência, que são prévios à própria sociedade, não derivando nem do sistema social ou da cultura. O princípio ético constitui um padrão universal que orienta a reflexão, o raciocínio sobre questões morais, fazendo parte integrante da natureza humana e estando inscrito na ordem cósmica (Azevedo, 1995; Kohlberg, 1975, 1976).

O magistral contributo de Kohlberg, na psicologia da moralidade, revitalizou e alterou a direção do campo de estudo da educação moral em contexto escolar. O raciocínio crítico ou uma abordagem cognitiva ao processo de decisão passou a ser sublinhado na educação moral. A aplicação mais direta do seu trabalho é a abordagem via discussão de dilemas morais, onde os facilitadores, através da metodologia do questionamento socrático, segundo a tradição iluministas e trazendo Kant para o seio da sala de aula, encorajam os alunos a tornarem-se agentes éticos autónomos, independentes da Família, da Igreja e do Estado (Power, 2002; ver Lourenço, 1995).

No que concerne às críticas feitas, temos em primeiro lugar, o enfoque excessivo em incertezas ou perplexidades, ao invés de uma moralidade baseada no quotidiano, que apela, em termos de decisões morais, para situações que não devem ser feitas ou para aquelas onde o envolvimento é necessário. Outro dos problemas derivado da apresentação exclusiva de dilemas, é a possível assunção pelo estudante de que toda a moralidade é similarmente problemática, controversa ou vaga. O ato pedagógico assente em problemáticas complicadas e controversas, sem um esforço prévio em formar o carácter, assume igualmente, que o aluno já valora determinados valores e respeita certas normas morais. Por exemplo, no conhecido dilema do remédio, a decisão de roubar ou não, só se constitui como dilema para aqueles que reconhecem que furtar é moralmente incorreto (Kilpatrick, 1992).

Numa análise mais lata, considera-se ainda criticamente que a psicologia moral contemporânea enfatiza sobremaneira a racionalidade e negligencia as virtudes morais e a personalidade. Subsequentemente, a educação moral é enformada por tal corpo teórico, onde esses fatores negligenciados são estigmatizados para o domínio da moralidade privada ou do saco de virtudes kohlberguiano, em detrimento da aplicação da razão ao domínio moral de inspiração iluminista e kantiana. Em termos de implicações, são descurados os aspetos intrapsíquicos que lidam com a conceção de uma boa pessoa e de uma vida boa, ofuscando desse modo a natureza interdependente das três componentes da moralidade (raciocínio, sentimento e ação morais), que devem ser parte da problematização compreensiva do funcionamento moral (Walker, 1999, 2002). Azevedo, após uma análise do domínio moral, como base para as diferentes abordagens teóricas, reforçou a amplitude do mesmo, sugerindo que a moralidade das virtudes pudesse ser incorporada na educação moral, sendo injusta a crítica, baseada na expressão kohlberguiana de saco de virtudes, sem atender ao conteúdo do mesmo (1996, pp. 148-149).