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4.2. A Efetividade da Nova Educação do Carácter

4.2.1. Investigações recentes

Chegados ao ano de 2005, os investigadores Berkowitz e Bier (2005b), sustentaram com mais veemência que um crescente corpo de investigação sobre a Nova Educação do Carácter sugeria que a recente prática de fomentar a ética e a moralidade, promovia um conjunto de resultados positivos (sociais e académicos). Três grandes estudos foram realizados, concedendo pistas do que constitui um programa de sucesso, cada um deles abordando cientificamente a metodologia de três prismas de vantagens distintos. O primeiro examinou mais de 600 escolas do primeiro ciclo na Califórnia que adotaram um programa particular, o segundo analisou as iniciativas de 24 escolas secundárias que receberam reconhecimento de excelência e o último examinou 33 estudos de investigação sobre programas específicos adotados. Relativamente ao primeiro, foi equacionado o possível relacionamento entre os programas de NEC com os resultados académicos nas escolas do primeiro ciclo (Benninga, Berkowitz, Kuehn & Smith, 2003). Os investigadores encontraram uma variedade de evidências de pequenos mas discerníveis efeitos ocorridos. As escolas com os mais fortes resultados na NEC tendiam a ter melhores resultados académicos por uma pequena mas significante margem.

O segundo estudo é o relatório What Works in Character Education (WWCE) (Berkowitz & Bier, 2005a, 2005b, 2005c), um esforço conduzido pela Universidade de Missouri-St. Louis, que abrangeu e sintetizou a investigação científica existente nos efeitos da Nova Educação do Carácter, contemplando 69 estudos relativos a 33 programas educativos.

De acordo com Berkowitz (2006, Março), eis alguns exemplos de programas considerados exemplares: Child Development Project (primeiro ciclo); Responding in Peaceful & Positive Ways (segundo e terceiros ciclos); Teen Outreach Program (secundário). O projeto concedeu três contributos parcelares. O primeiro é um relatório específico para os legisladores que contempla a pertinente questão da efetividade da NEC e do que ainda é necessário saber da prática efetiva da NEC. Um segundo relatório, destinado a educadores, sumariza as melhores

137 Várias outras iniciativas e programas de NEC reportam estudos sobre a efetividade, mas não são geralmente dados a conhecer

e publicados. Os melhores exemplos nesse capítulo são: Responsive Classroom, Second Step, Positive Action e o Resolving Conflict Creatively Program (Berkowitz, 2002, pp. 56-57).

práticas na NEC. Finalmente, o terceiro contributo que perfaz o relatório WWCE, apresenta os detalhes do projeto de investigação. Tendo revisto a literatura, notaram que, apesar da diferença terminológica (educação do carácter, aprendizagem sócio emocional, prevenção escolar e educação para a cidadania), os métodos utilizados, os princípios teóricos subjacentes e os resultados obtidos eram similares. As principais conclusões relacionadas com a efetividade dos programas foram: (1) existem resultados (“does work”) se implementado e desenhado de uma forma correta, (2) os programas variam (existem modelos abrangentes de toda a Escola, modelos centrados na sala de aula, etc.), (3) os efeitos são amplos (afeta aspetos concernentes ao conhecimento, pensamento, emoções, motivação, comportamento e competências – existe assim ampla evidência que a NEC frequentemente melhora os resultados académicos, reduz os comportamentos de risco (e.g., uso de drogas, violência, comportamento sexual desregulado), aumenta comportamentos desejáveis e incrementa competências sócio emocionais e pró-sociais) e (4) os resultados perduram ao longo do tempo. Apesar das diferentes abordagens, na consideração do que realmente funciona, as três perspetivas mencionadas mostram uma consonância assinalável. Os objetivos devem ser explícitos e ambiciosos, o desenvolvimento profissional é fulcral, toda a comunidade escolar deve estar envolvida e os adultos necessitam de se assumir como modelos. A maioria dos programas com sucesso tinha oito estratégias comuns: instrução direta, interação entre pares, gestão do comportamento na sala de aula, reorganização institucional, modelação, serviço comunitário, desenvolvimento profissional do educador e participação da família e comunidade. Os três estudos indicam assim que, devidamente implementados os programas de NEC têm um efeito positivo no âmbito académico, no comportamento pró-social e na redução do comportamento de risco.

Finalmente, gostaríamos de focar um terceiro estudo. Deixámo-lo para último lugar devido não só à natureza qualitativa da própria investigação, mas principalmente pelas implicações da mesma na própria epistemologia da Nova Educação do Carácter. O estudo concedeu contributos marcantes ao nível de determinados paradigmas, como o conceito de carácter, o relacionamento entre academismo e comportamento ético e a noção e natureza da comunidade escolar. Tal investigação é considerada por alguns uma contribuição histórica para o campo da NEC e para todo o movimento reformista educacional. O autodenominado relatório para a nação Smart & Good High Schools: Integrating Excellence and Ethics for Success in School, Work and Beyond (Lickona & Davidson, 2005), identificou práticas prometedoras em prol do carácter dos alunos (estudo em escolas secundárias138). No entanto, segundo Berkowitz (citado em Lickona & Davidson, 2005), o modelo explanado aplica-se igualmente bem para as

138 A investigação de dois anos apoiou-se na análise da literatura relevante da área, em entrevistas com educadores e colegas, no

apoio de comités de especialistas e em visitas a 24 escolas de todo o país (públicas, privadas, pequenas e grandes), que têm empreendido estratégias e programas que promovem a excelência e a ética.

escolas do ensino básico. A asserção central do estudo realizado, foi o reconhecimento de que, para o desenvolvimento do potencial positivo quer intelectual e ético dos adolescentes, para a redução dos comportamentos negativos que são prejudiciais aos próprios e aos outros, para a criação de uma atmosfera escolar segura, cuidadora e efetiva, as escolas devem colocar a formação do carácter como âmago da sua missão139. Os investigadores pretenderam encontrar estratégias com sucesso nas escolas de excelência e assim extrapolar generalizações relativas a práticas efetivas. Os resultados da investigação foram apresentados no formato de seis princípios. As escolas secundárias Smart and Good: (1) desenvolvem uma identidade e propósito partilhado, onde estão explicitadas as expetativas para o comportamento pessoal, assim como relativamente aos resultados académicos, (2) alinham as suas práticas com os resultados desejados e investigação relevante, (3) permitem que alunos e demais membros associados à Escola tenham possibilidade de emitir a sua opinião, (4) os adultos assumem responsabilidade pelo desenvolvimento pessoal contínuo, (5) praticam responsabilidade coletiva em relação à excelência e ética e (6) lidam com assuntos delicados, chegando mesmo a confrontar práticas institucionais e temas que questionam o compromisso de excelência e ética por parte da escola. A excelência e a ética são promovidas através de todas as fases da vida escolar: o conteúdo curricular, as interações entre estudantes e o pessoal, os elevados padrões académicos, as regras e disciplina, a resolução de conflitos, o envolvimento parental e a atmosfera global escolar (Lickona & Davidson, 2005)140.

4.2.2. Considerações finais

A crítica e o desafio colocados por algumas vozes educacionais, ao apontarem legitimamente para a ausência de um conjunto de investigações que se pronunciassem sobre a efetividade da Nova Educação do Carácter já não têm sustentabilidade. Apesar dos constrangimentos externos e do foro processual, os recentes estudos referidos, projetos de investigação de larga escala, conferem a credibilidade que outrora, dada a ausência de qualquer indicador cientificamente digno, não poderia ser defendida. Porém, é ainda reconhecido inequivocamente que são necessárias mais investigações, que visem dar resposta às questões pendentes, que ainda carecem de ser respondidas sobre a efetiva educação do carácter. A prova por excelência, em matéria de aferir a eficácia de um programa de formação humana, reside no

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Ambos são definidos em termos de oito linhas de intervenção para o fortalecimento do carácter que, ao serem tomadas em conjunto, refletem uma visão de florescimento da humanidade durante a vida, a saber: (1) aprendente ao longo da vida e pensador crítico, (2) diligente e executante capaz, (3) competente social e emocionalmente, (4) pensador ético, (5) agente moral respeitador e responsável, (6) autodisciplinado que possui um estilo de vida saudável, (7) membro ativo da comunidade e

cidadão democrático e (8) pessoa espiritual empenhada no desenvolvimento de uma vida com propósito nobre (Lickona & Davidson, 2005).

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Mais recentemente, Berkowitz, Battistich e Bier (2008), com base em 87 estudos de investigação de 45 programas de educação do carácter sobre a efetividade dos mesmos no contexto norte-americano, permitiram aos educadores a seguinte conclusão: “we can reasonably conclude that character education can be quite effective in promoting both character development and academic achievement” (p. 431).

fruto efetivo no futuro dos alunos, o que requer estudos científicos extensivos e longitudinais. Esse empreendimento na área da investigação ainda não foi realizado, o que não permite consequentemente posições mais fortes.

Também deve ser aduzido que o desenvolvimento moral, como o desenvolvimento intelectual, tem por vezes aquilo que é designado o efeito adormecido (“sleeper effect”). Os resultados, por vezes, não surgem após a aplicação imediata de um determinado programa, mas são notórios após um maior período de tempo decorrido (Sullivan, 1975, citado em Lickona, 1991). A tradição da NEC também reconhece que, para formar um ser humano moralmente forte, estão envolvidos variados parâmetros, persistentemente aplicados ao longo do tempo. Não existem rápidas e fáceis soluções (Wynne, 1985). Reconhece-se que o projeto é delicado e difícil. Lickona (2001) é perentório, ao assumir e avisar que a NEC é trabalho duro. Não se trata somente de incorporar lições de vida ou reforçar o código de comportamento (Manzo, 2005).

Em suma, julgamos que é preciso evitar os extremos e posições estritamente lineares. Os resultados que de alguma forma avaliam o comportamento ético não dependem exclusivamente do empreendimento escolar, por muito válido, amplo e profundo que seja. A socialização moral dos alunos, está também dependente de outras variáveis, não controláveis pela instituição escolar. Qualquer posição que pretensamente sustente que os programas de NEC constituem a panaceia única e total da formação pessoal e social dos mais novos, não é admissível nem sensata. Similarmente, com base na investigação científica já realizada até este momento, o ceticismo radical é também inverosímil e academicamente infundado. Com base nos últimos relatórios emanados de investigações académicas cientificamente implementadas, existem razões para considerar a metodologia contemporânea da Nova Educação do Carácter no contexto norte-americano, protagonizada e realizada segundo os pressupostos teóricos apresentados, como uma possibilidade válida no contexto escolar, no sentido de promover uma sadia e ampla formação pessoal e social. Faz sentido invocar a convicção pessoal de Lockwood, ao reconhecer o seu posicionamento intermédio entre aqueles que estão convencidos que a NEC é a resposta para as calamidades e tribulações da escolaridade contemporânea e os céticos que apontam um fraco benefício (Lockwood, 1997, p. 58).

A avaliação da aplicabilidade da NEC no contexto português, nomeadamente no contexto do 3ºciclo do ensino público, não se coloca presentemente. Todavia, os resultados e investigações relativos à efetividade da Educação do Carácter, principalmente no contexto norte-americano, suscitam pelo menos uma interpelação à comunidade educacional portuguesa, mormente à esfera que define a política educativa, para a consideração dos seus pressupostos, estratégias e requisitos, à luz dos potenciais resultados que se podem verificar.

4.3. Síntese do capítulo

Nesta última parte do capítulo, queremos sintetizar as principais ideias concernentes à abordagem da NEC. Também queremos sintetizar a resposta à pertinente questão relacionada com o carácter doutrinador da NEC. Não consideramos adequada e bem fundamentada a acusação feita à recente abordagem renascida no contexto do ensino público norte-americano como metodologia doutrinadora, com toda a carga pejorativa que inevitavelmente transporta no plano das intenções e dos meios utilizados. É necessário saber concretamente qual é a vertente que se está a considerar quando se refere formação do carácter. Finalmente, no que concerne à efetividade, apesar das reservas que têm que ser observadas, existem indícios positivos em relação à sua eficácia num horizonte temporal médio. Seguindo o princípio probabilístico referido pelo investigador educacional Wynne (1987), quanto mais frequentes, diversos e persistentes forem os variados esforços de todos os agentes, mais provavelmente os alunos serão moralmente formados de forma apropriada.

CAPÍTULO 5

AS POLÍTICAS EDUCATIVAS NO ENSINO BÁSICO PÚBLICO EM

TORNO DA FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL

A educação deve contribuir “...para o

desenvolvimento pleno e harmonioso da

personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho” (LBSE, art.º 2º, n.º 4).

O sistema educativo organiza-se de forma a “contribuir para a realização do educando através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos” e a alínea c) que refere a formação cívica e moral dos alunos (LBSE, art.º 3º, b)).

Relativamente à Educação Pré-escolar, a LBSE, refere como um dos objetivos, a necessidade de “desenvolver a formação moral da criança e o sentido de responsabilidade, associado ao da liberdade” (LBSE, art.º 5º, alínea d)).

…a história da implementação da formação pessoal e social (…) é a história do apogeu e queda de uma ficção.

(Menezes, 2007, p. 20).

“Na minha opinião, acho que é muito papel, muita reunião, muita reflexão, muita coisa e depois no assunto principal é nada, é zeros!” (E14).

Este capítulo consiste na análise, numa lógica descrita-interpretativa, dos principais marcos da política educativa na história recente do sistema educativo português no âmbito da Educação Básica desde 1986, sob o ângulo da Formação Pessoal e Social (FPS), e, particularmente na perspetiva da Nova Educação do Carácter (NEC). A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) (Lei n.º 46/86), a reforma curricular do Ensino Básico e Secundário (Decreto-Lei n.º 286/89), a reorganização curricular de 2001 (Decreto-Lei (DL) n.º 6/2001) e o Despacho n.º 19308/2008 merecerão uma atenção privilegiada, dado serem os principais marcos normativos do período considerado, que traduzem, em certo sentido, o percurso evolutivo da temática em consideração. Iremos assim responder à primeira questão de investigação deste trabalho, que procurou indagar a evolução do quadro normativo, bem como todas as dinâmicas associadas, relativas às políticas e diretrizes no âmbito da formação pessoal e social dos alunos no sistema educativo português.

Assim, neste capítulo, começaremos por, antes de tratar cronologicamente a legislação emanada pelo Ministério de Educação, referir o enquadramento constitucional em matéria educacional. Seguidamente, desde a Lei de Bases publicada em 1986 até à Revisão da Estrutura Curricular em 2012, salientaremos e analisaremos os principais aspetos contidos nesses documentos. O objetivo é compreender, mais acuradamente, o desenvolvimento da área de formação pessoal e social ao longo dos últimos anos. Em segundo lugar, abordaremos o assunto associado às problemáticas geradas pelas políticas educativas, efetuando uma análise e um balanço a esse respeito. Terminaremos tentando efetuar uma síntese sobre o sucedido até aos dias de hoje, e assim perspetivar o futuro do sistema de ensino em matéria de Formação Pessoal e Social sensível e sintonizado com o contributo da Nova Educação do Carácter.