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2.2. Metodologia da investigação

2.2.2. Opções e justificação do dispositivo adotado

Portanto, metodologicamente, para atingir os objetivos mencionados e com base nos pressupostos teóricos já apresentados, seguimos o pensamento de Bogdan e Biklen (1982), quando referem que o investigador deve adotar as metodologias qualitativas quando não pretende somente saber o que é feito, mas o que é sentido, como é sentido e como se perceciona o desempenho nas funções que se assume. Pretende-se compreender um fenómeno na sua

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Conforme veremos adiante, por exemplo, nos estudos de casos, a seleção dos mesmos não visa “representar o mundo” mas representar o caso (Stake, 1994, p. 245). Não se torna legítima qualquer generalização, i.e., efetuar extrapolação dos dados para outros contextos com base em qualquer procedimento estatístico-inferencial. Se o estudo de caso revelar um contraexemplo, pode ser que a generalização seja passível de ser refinada ou, sendo um exemplo positivo, pode conferir mais confiança na própria generalização que é a priori sustentada (Stake, 1995). O que pode ser possível é aquilo que tem sido designado uma generalização naturalística, decorrente da avaliação e comparação das experiências pessoais de terceiros e do conhecimento do caso que foi investigado. Nesta perspetiva de transferibilidade (Lima, 1992), a generalização procede de “caso para caso”, onde o leitor indaga: o que eu posso (ou não) aplicar deste caso na minha situação? (Ludke & André, 1986).

complexidade, numa determinada situação e contexto. Quando as questões de investigação lidam com o como ou o quê de uma determinada temática, ou mesmo em situações em que o tópico precisa de ser explorado pormenorizadamente, a família de métodos de investigação qualitativa é a mais adequada. A nossa investigação enquadra-se nesse âmbito, pois o problema central lida como as escolas sustentam e promovem o desenvolvimento do carácter nos seus alunos na sua complexidade e dinâmica e ter acesso ao pensamento e à vivência dos diversos membros da comunidade educativa. Por isso, a nossa decisão foi de se recorrer a uma metodologia qualitativa.

Dentro das possibilidades do paradigma naturalista-interpretativo, apesar das dificuldades associadas à primeira experiência41, a nossa investigação consiste num estudo multicasos42 (Lessard-Hérbert et al., 1994; Stake, 1994, 1995; Yin, 2003) com triangulação de métodos e fontes. Consideraremos concretamente a consideração de dois casos, os quais serão primeiramente alvo de uma profunda análise individual, partindo da sua especificidade própria, tornando possível a deteção, compreensão e explicação mais profundas das similaridades e diferenças que podem emergir dos casos em análise (Lessard-Hérbert et al., 1994; Miles & Huberman, 1994). O aspeto central do estudo do caso é assegurar que se analisa intensivamente um determinado fenómeno no seu carácter social unitário. Tenta-se assim captar a complexidade de um sistema integrado (descrevendo, compreendendo e explicando), dentro de um contexto de vida real, apelando às múltiplas fontes de evidência disponíveis (J. Duarte, 2008; Goode & Hatt, 1969; Yin, 2003). O estudo de caso privilegia a observação direta e a recolha de dados nos ambientes naturais, ao invés de depender primariamente naquilo que Yin (2003) designa como dados provenientes de resultados de testes, estatísticas ou respostas a questionários. O investigador além de ter que mergulhar na realidade, permanecer no terreno (sentir, viver a experiência) deve retirar-se dessa situação para que possa analisar, compreender e interpretar o significado da experiência tida, de modo a obter um conhecimento mais rico e amplo (Maykut & Morehouse, 1994).

Partindo da sua essência conceptual, é um método vocacionado, apesar das reservas43, para a explicação e interpretação de fenómenos complexos que não são passíveis de serem

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Os estudos realizados simultaneamente em múltiplos locais constituem-se difíceis de serem realizados numa primeira experiência (Bogdan & Biklen, 1982, p. 98), pois requerem experiência no raciocínio teórico e na recolha de dados por parte do investigador. Ademais, um único estudante pode não possuir o tempo e os recursos necessários para tal empreendimento, o que faz dessa opção uma decisão sensível (Yin, 2003).

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A opção pelo estudo multicasos não condiciona a utilização de um método de investigação particular, dado que se trata apenas da escolha dos casos a utilizar e não de escolhas ao nível metodológico (Stake, 1994).

43 Existem de facto preconceitos e críticas em torno do estudo de caso, sendo por alguns, considerado no âmbito das Ciências

Sociais o “irmão mais fraco” em termos metodológicos (Yin, 2003). O potencial enviesamento do processo de investigação, os riscos no domínio ético, a impossibilidade de realizar generalizações, a exigência de tempo e recursos financeiros e a possibilidade em derivar num documento volumoso e de difícil leitura, são as críticas e os receios mais comuns e possíveis (Stake, 1995). O carácter microscópico dos estudos de casos, mesmo sendo múltiplos, remetem-nos para um patamar que não contempla a dimensão macroscópica do fenómeno (Yin, 2003). Assim se compreende que os investigadores qualitativos sejam designados jornalistas ou cientistas soft, imersos de viés e perspetivas pessoais (Denzin & Lincoln, 1994).

investigados fora desse contexto ao longo do tempo (Yin, 2003). A nossa investigação requer uma compreensão e explanação profundas sobre um determinado aspeto na vivência escolar, as quais são influenciadas por um complexo conjunto de fatores que é melhor compreendido num contexto particular. Os objetivos do estudo reconhecem o carácter holístico e sistémico de um estabelecimento de ensino na sua ação modeladora e formativa, com as suas diversas unidades (professores, funcionários, liderança e alunos), bem como a teia de inter-relacionamentos que carecem de ser destrinçados (Sturman, 1997). Assim, como estratégia de investigação em cada escola, utilizou-se essencialmente uma abordagem qualitativa, com uma componente etnográfica (Atkinson & Hammersley, 1994), com um carácter descritivo-interpretativo, com recurso a múltiplas estratégias, de forma a coletar os dados qualitativos nas duas escolas que serão a base empírica do nosso trabalho. Dada a proeminência da nossa questão de investigação central, a nossa investigação é um estudo de caso coletivo de carácter instrumental (Stake, 1995) e embebido (Yin, 2003), pois procuramos entender melhor o assunto da especificidade da formação do carácter, num contexto onde existem subunidades de análise bem definidas que queremos contemplar (docentes, alunos, funcionários e liderança). Eis, então, as estratégias

específicas: a observação direta, as entrevistas semiestruturadas, a análise documental e os grupos-focais.

Observação. A observação permitiu aceder a alguns dos contextos formais e informais

onde inevitavelmente ocorrem situações reveladoras de como a Escola promove e vivencia a Educação para a Cidadania. Procurar-se-á o desenvolvimento de uma rede de contactos e uma relação de cumplicidade com pessoas chave, para produzir um discurso interpretativo sobre o papel da Escola no desenvolvimento pessoal e social dos alunos. Recolheremos ainda descrições detalhadas e aprofundadas das atividades e comportamentos dos diversos atores educativos, bem como, através de conversas informais, uma gama de interpretações acerca das interações e ações emergentes, compreendendo a respetiva organização, as estruturas e as práticas diárias, que podem incluir atividades, dias especiais, semanas temáticas, cerimónias e assembleias envolvendo toda a comunidade escola, a atmosfera vivida e os valores enaltecidos e partilhados (Patton, 1990). Nas observações de aulas, convergimos a nossa atenção em como o currículo formal é utilizado para endereçar a questão da cidadania, como se caracteriza o relacionamento humano entre os intervenientes do processo ensino-aprendizagem, especialmente no que concerne aos 3 traços de carácter que consideramos com mais detalhe neste trabalho. Optámos por não interagir intencionalmente nos processos e contextos dos estabelecimentos de ensino, não desempenhando qualquer papel específico no mesmo, minimizando desse modo um viés potencial (N. Afonso, 2005). Tentou-se criar um olhar abrangente e profundo, tão discreto quanto possível, como se o investigador fosse papel de parede (Glesne & Peshkin, 1992). Esse

olhar foi benéfico, no sentido de contribuir para a confirmação das interpretações que emergiram das entrevistas ou de outras fontes, ou, em sentido contrário, de ajudar a encontrar elementos que posteriormente foram também introduzidos no corpo da entrevista (Tuckman, 1994/2000).

Entrevistas semiestruturadas. Em relação às entrevistas, algumas considerações e

justificações também devem ser dadas. A realização de entrevistas a vários elementos da comunidade escolar possibilitou, não somente uma interação mais estreita e convergente com os diversos atores escolares, bem como um acesso ao seu pensamento, experiências, motivações e expetativas (Patton, 1990). A opção pela entrevista semiestruturada implicou que todos os intervenientes fossem sujeitos ao mesmo conjunto de questões base, a um esquema que assegurou melhor a neutralidade do processo e a consistência das conclusões (Tuckman, 1994/2000). Não nos pareceu legítimo o uso da entrevista estruturada, mais apropriada para um estudo quantitativo, onde a rigidez e a uniformidade na recolha de dados é bem patente, limitando desse modo o nosso propósito de investigação. Ademais, tendo já identificado um conjunto de tópicos relevantes, à luz dos objetivos de investigação, não nos pareceu do mesmo modo adequado usar a entrevista aberta, que aliás requer determinadas competências profissionais do entrevistador que assumimos não possuir.

Análise Documental. A análise documental, que requer recolha de informação, por

exemplo, em publicações, artigos de imprensa, em documentos oficiais e pessoais (correspondência e diários) (Patton, 1990), é considerada a terceira maior fonte que providencia dados num estudo de caso, e providencia ao investigador, a possibilidade de aumentar a compreensão e a vislumbrar ideias significativas para o estudo em questão (Merriam, 1988). Para Lüdke e André (1986), a análise documental também assume grande importância no levantamento de novas questões sobre o fenómeno em estudo. Todavia, a análise dos documentos, particularmente a relativa ao próprio estabelecimento de ensino, não deve ser encarada com absoluta fidedignidade. Por isso, fomos cautelosos e considerámos tais fontes como elementos secundários que eventualmente corroboram evidências de outras fontes analisadas (Tellis, 1997; Yin, 2003).

Grupos Focais. Finalmente, realizámos grupos-focais com alguns alunos. O grupo-

focal44 é, em termos gerais, uma técnica que recolhe dados verbais, um volume de informações expressivo obtido num período curto definido de tempo, através da interação de um grupo sobre um determinado tópico definido pelo investigador, que assume um papel de moderador. É um

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No entendimento de Morgan (1997), a definição de grupo-focal é ampla no que concerne ao carácter mais ou menos estruturado, à condução diretiva do moderador, à composição e dimensão do grupo (tem-se convencionado que este número pode variar entre quatro a 10 pessoas), ao local e ao uso de recursos especializadas para a entrevista. Todos esses elementos deverão estar dependentes dos objetivos da investigação, da natureza do próprio campo da investigação e da reação prevista dos participantes em relação à temática.

recurso metodológico que visa compreender e analisar o processo de construção das perceções, opiniões, crenças, atitudes e representações sociais de grupos humanos, em relação a um assunto (Veiga & Gondim, citado em Gondim, 2002, p. 151). Nas entrevistas de grupo, “participants build on each other’s talk and discuss a wider range of experiences and opinions than may develop in individual interviews” (Morgan, citado em Eder & Fingerson, 2001, p. 183). As discussões em grupo proporcionaram evidências diretas acerca das similaridades e diferenças nas opiniões e experiências dos participantes, constituindo-se uma fonte rica de “insights”, apesar de se reconhecer que a técnica não providencia detalhe e profundidade, relativamente a cada um dos participantes (Morgan, 1997).

Tivemos uma atenção particular na criação de um ambiente natural de entrevista, pois é um aspeto considerado importante na investigação com jovens que faça uso da técnica em consideração. Seguimos igualmente o conselho de utilizar nas entrevistas grupais com jovens, uma abordagem aberta, inclusiva e flexível para que o entrevistador não pudesse ser associado com o professor da turma. No decurso dos encontros, procurámos a qualidade e a riqueza das discussões, tentando moderar da melhor forma45, assegurando que existisse um adequado e pertinente guia (Gondim, 2002).