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5.1. As políticas educativas em torno da FPS desde a LBSE

5.1.7. Revisão da Estrutura Curricular para o Ensino Básico e Secundário

Antes da revisão da estrutura curricular relativa ao Ensino Básico e Secundário, registe- se o DL n.º 18/2011, o qual alterou a matriz curricular do ensino básico e secundário, modificando em alguns pontos o estatuído no DL 6/2001. Assim, a partir do ano letivo 2011-12, a disciplina de Área de Projeto deixou de existir, ficando as valências e preocupações consignadas no Despacho n.º 19308/2008 sem efeito em termos concretos, tornando sem efeito o que tinha sido consignado nessa matéria174.

No início de 2012, a Formação Cívica esteve no epicentro de um debate intenso, devido à Proposta de Revisão da Estrutura Curricular para o Ensino Básico e Secundário, realizado pelo governo de coligação do PSD-CDS, onde estaria perspetivada a sua extinção. A potencial eliminação da Formação Cívica foi contestada por várias instâncias e órgãos (Provedor de Justiça, Conselho de Escolas, Conselho Nacional de Educação, Sociedade Portuguesa das Ciências da Educação175 e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa), argumentando-se, em linhas gerais, que se punha em causa compromissos internacionais, e como tempo educativo inteiramente dedicado às dimensões relacionadas com a Cidadania e a educação para os valores, negligenciavam-se dessa forma a formação integral dos jovens, a melhoria do clima de escola, e em última análise não se reagia à escalada de violência e intolerância contemporâneas.

No nosso entendimento, a proposta ministerial da extinção da FC, mesmo que depois permanesse na estrutura curricular do terceiro ciclo, provavelmente gerou, num primeiro momento, um impacto negativo nos diferentes atores (particularmente entre os docentes). Aquele tempo específico foi negligenciado no seu propósito de ser um espaço privilegiado de Educação para a Cidadania. A perceção e o envolvimento dos docentes nesta ACND tenderá certa e naturalmente a enfraquecer-se ainda mais, devido a esse sinal dado pela tutela.

Todavia, a versão final da Revisão da Estrutura Curricular que entrou em vigor no ano letivo de 2012-13, e que foi aprovada no dia 31 de Março de 2012, refere que uma das medidas a serem adotadas ao longo do Ensino Básico é o reforço do carácter transversal da Educação para a Cidadania, estabelecendo conteúdos e orientações programáticas, mas não a autonomizando como disciplina de oferta obrigatória. De acordo com o DL n.º 139/2012, artigo 15º, subordinado à FPS dos alunos, as escolas têm a possibilidade de empreender iniciativas

174

A disciplina não curricular de Estudo Acompanhado tornou-se opcional, na medida que é dirigida somente aos alunos que precisam de apoio para melhorar os seus resultados académicos.

175 A Sociedade Portuguesa de Educação emitiu um parecer sobre essa proposta, e com base na complexidade da Educação, do

pluralismo e das múltiplas exigências da sociedade contemporânea, considerou negativa a desvalorização dada à Formação Cívica (SPCE, 2012).

com esse propósito, designadamente176: “educação cívica, educação para a saúde, educação financeira, educação para os media, educação rodoviária, educação para o consumo, educação para o empreendedorismo e educação moral e religiosa, de frequência facultativa” (sublinhado nosso). Pela primeira vez, a ênfase transversal colocada na Educação para a Cidadania pode ter,

segundo o critério das escolas, a respetiva materialização disciplinar autónoma com a mesma designação.

A não obrigatoriedade de um espaço específico orientado para a Formação Cívica (agora Educação para a Cidadania), marca uma descontinuidade abrupta da política educativa relativamente a este domínio, desenvolvida pelos governos socialistas nos últimos anos177 (CNE, Parecer n.º 2/2012, secção III). Congruentemente, o Partido Socialista discordou, apontando que tais medidas tinham um cariz ideológico (tal como argumentou a FENPROF)178. Julgamos que estes exemplos denunciam, mais uma vez e pelo menos ao nível das perceções, a influência do fator ideológico na configuração normativa das políticas em torno da FPS, ao nível da concretização curricular. As questões ideológicas e políticas têm influência na configuração da política educativa, particularmente na conceção de uma ação na educação moral (Marques, 1997).

Antes de prosseguirmos para uma secção que abordará a análise e fará um balanço da jornada de políticas educativas que temos vindo a elencar, eis o Quadro 11, síntese dos principais momentos desse percurso iniciado em 1986 até ao ano de 2012, relativamente às diretrizes relativas à área de FPS.

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Registe-se a inclusão, tendo em consideração o Despacho n.º 19308/2008, da educação cívica e da educação moral e religiosa, como elementos ao mesmo nível das demais propostas. Como área nova temos a educação financeira.

177 Essa tendência tem sido traduzida, na última legislatura do Partido Socialista, na constituição de um grupo de trabalho para a

elaboração de uma proposta curricular de educação para a cidadania, para os 12 anos de escolaridade que contempla um tempo específico, na inserção da disciplina de formação cívica no ensino secundário (pela primeira vez em Abril de 2011), e na elaboração de orientações curriculares dirigidas à nova disciplina do 10º ano, as quais foram homologadas no início do ano letivo de 2011/12 (CNE, Parecer n.º 2/2012).

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Aliás, a FENPROF tem acusado a tutela, na pessoa do ministro do MEC, de existirem claras motivações ideológicas na revisão curricular, pois estaria a retornar-se ao tempo do “ler-escrever-contar”. Segundo o seu dirigente, “Nuno Crato é mais conservador e retrógrado do que os ministros da educação do tempo do fascismo” (citado em http://www.profblog.org/2012/06/disparates-do-nogueira.html#more, consultado em 28 de Junho de 2012).

Quadro 11. Sinopse dos principais marcos da política educativa relativamente à FPS (1986-2012)

Constituição da República Portuguesa

Espírito de tolerância - Compreensão mútua - Solidariedade e Responsabilidade

Lei de Bases do Sistema Educativo

LBSE (1986)

Formação Pessoal e Social

Estabelece-se que “os planos curriculares de ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação

pessoal e social, que pode ter componentes como: a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação

sexual, prevenção dos acidentes, a educação para a saúde e a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito” (art.º 47º)

Criação de atitudes e hábitos positivos de relação e de cooperação (art.º 7º, h))

Formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida comunitária (art.º 7º, i))

Formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários (art.º 2º, n.º 4).

Pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos” … “a formação cívica e moral dos alunos” (art.º 3º, b) e c))

Organização dos planos curriculares do ensino básico e secundário

DL 286/89 (1989) PSD Fo rma çã o Pe sso al e So ci al TRANSDISCIPLINARIDADE Desenvolvimento Pessoal e Social Área Escola

Área Curricular Não Disciplinar Projeto Multidisciplinar

(95-110h/Ano)

EMR (opção)

Currículo Enunciado: contribuição sistemática, sensível à fase de desenvolvimentos dos educandos, interiorização valores morais e cívicos; ênfase axiológico; todavia DPS tem um recorte mais psicológico, alheio à tónica social da LBSE (posição de Patrício); Implementação Residual; Abordagem difusa e pontual, de forma descontínua e pouco sistematizada;

DPS opcional em relação a EMR e sujeito a oferta do estabelecimento;

Reorganização curricular da educação básica

DL 6/2001 (2001) PS Edu ca çã o pa ra a C id ad an ia TRANSDISCIPLINARIDADE

Formação Pessoal e Social

Áreas Curriculares Não Disciplinares (ACND) EM

R

45 m

Formação Cívica Área Projeto E. Acompanhado

Formação Cívica – espaço privilegiado de uma consciência cívica que enformasse uma cidadania responsável, ativa e interveniente (art.º 5º, 3, c)); Universalização da oferta das ACND; avaliação posterior globalmente negativa (CNE falava de um bloqueio na escola no que concerne à FPS). Despacho n.º 19308/2008 Despacho 19308/2008 (2008) - PS Educação para a Cidadania

Formação Cívica Área Projeto E. Acompanhado

Mantém-se a transversalidade, a disciplinaridade e a multidisciplinaridade; Formação Cívica: diluição do eixo axiológico e ênfase na resolução dos problemas de aprendizagem e da vida da turma; educação familiar e educação para participação nas instituições e serviços públicos não contempladas; 7 novos domínios;

Decreto-Lei nº. 18/2011 DL 18/2011 (2011) PSD/CDS Educação para a Cidadania Formação Cívica

Orientada para o desenvolvimento da educação para a cidadania, para a

saúde e sexualidade

EXTINTA (AP)

OPCIONAL (EA)

Mantém-se a transversalidade e a disciplinaridade; a multidisciplinaridade, assegurada pela Área Projeto, é extinta;

Revisão da Estrutura Curricular para o Ensino Básico e Secundário

DL 139/2012 Revisão Estrutura Curricular (2012) PSD/CDS Educação para a Cidadania OPCIONAL

Educação para a Cidadania (antiga Formação Cívica)

EXTINTA (AP)

OPCIONAL (EA)

A Educação para a Cidadania mantém-se como intenção educativa em todas as áreas curriculares, mas não como disciplina isolada obrigatória, acentuando-se o seu carácter transversal.