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Etapas do desenvolvimento do Islã e da sua difusão na África

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 97-101)

eram adeptos da religião tradicional africana (em árabe mushikūn, significando politeístas), os seus vizinhos mais próximos eram, por sua vez, cristãos, judeus e zoroástricos, ou seja, do ponto de vista islâmico, pessoas do Livro, ahl al ‑Kitāb. Esta expressão designa os povos aos quais a Escritura foi oferecida e aderiram a um sistema religioso monoteísta, em outros termos, a uma religião revelada, mesmo se ela fosse considerada imperfeita. Pois que os muçulmanos não são de modo algum obrigados a converter estes povos ou exterminá -los, haja vista que o islã, pela sua ideologia, opõe -se à conversão pela força. São a existência e a exemplaridade da verdade última encarnada na comunidade islâmica que devem converter os não -muçulmanos. Certamente, durante o grande período de conquista árabe, não houve nenhuma tentativa para converter através da força os povos do Livro.

Gerações de pesquisadores provaram sem ambiguidades que a imagem do guerreiro árabe exibindo a espada com uma mão e o Corão com a outra per- tencia ao reino da fantasia; este clichê permanece entretanto vivo nos escritos populares consagrados ao Islã e justamente é esta imagem que vigora nos países não -muçulmanos. Este erro de interpretação deve -se ao fato de acreditar -se comumente que algumas guerras de conquista muçulmana conduzidas contra os territórios de adeptos de outras regiões tenham igualmente visado converter os seus habitantes1. A teoria política do Islã efetivamente exige que sejam os

muçulmanos aqueles que exerçam o poder, porém ela não impõe que todos os sujeitos de um Estado muçulmano sejam convertidos à verdadeira fé. A tarefa das conquistas do primeiro século da hégira não era converter os não- -muçulmanos, mas aumentar a esfera de dominação do Islã (Dār al ‑islām). Os muçulmanos estavam mais preocupados em submeter os não -muçulmanos ao Estado islâmico – realização última, aos seus olhos, de um plano divino para a humanidade – que a convertê -los no campo de batalha2. Desejável do ponto de

vista religioso, a conversão não o era necessariamente do ponto de vista político. Efetivamente, os povos do Livro gozavam de grande liberdade religiosa, mediante a condição de pagarem a djizya, imposto de capitação do qual estavam isentos os muçulmanos. Este imposto servia para financiar as pensões que os guerreiros árabes muçulmanos e as suas famílias (igualmente beneficiárias de um estatuto social privilegiado) recebiam do Tesouro Central do Estado (dīwān). Os povos conquistados dificilmente podiam ignorar as vantagens da adesão à fé do vencedor e, portanto, muito dentre eles se converteram ao islã.

1 T. W. ARNOLD, 1913, p. 5. 2 I. GOLDZIHER, 1925, p. 27.

Durante o califado dos umayyades, as conversões multiplicaram -se a tal ponto que as entradas de impostos diminuíram de modo alarmante em nume- rosas províncias; as autoridades dedicaram -se então a desencorajar as novas con- versões, decidindo que os neófitos continuariam a pagar o imposto de capitação e a taxa fundiária, como anteriormente. Esta medida foi provisoriamente adiada sob o reino do piedoso califa Omar II (99/717 -101/720) ao qual se atribuem os famosos dizeres “Deus enviou Maomé para revelar aos homens a verdade e não para coletar impostos3”, porém posteriormente ela voltou a vigorar, retornando-

-se por via de regra a uma política de discriminação perante os muçulmanos recém -convertidos. Somente sob os abássidas os novos convertidos seriam ple- namente integrados à comunidade islâmica e os árabes deixariam de ser uma classe dominante privilegiada.

Foi preciso esperar os séculos I e II da hégira para que a maioria das popu- lações do Oriente Médio aderissem ao islã; um longo intervalo deveria ocorrer entre a conquista militar desta região e a conversão dos seus habitantes. As razões que estimulavam à conversão eram muito numerosas: fascínio exercido pela mensagem simples e direta do islã, desejo de escapar aos tributos e às taxas ou ainda a vontade de identificação com a classe dominante e de participar plenamente da nova cultura islâmica.

Todavia, certamente a conquista árabe provocou – não imediatamente, mas a longo prazo – a islamização da maioria das populações do Oriente Médio e da África do Norte. As estruturas políticas, religiosas e socioculturais do poder estabelecido pelos árabes muçulmanos encorajaram as conversões à religião do grupo político dominante, sem que fosse necessário para isso recorrer à força.

O Egito

O Egito – então província bizantina – foi a primeira região da África invadida pelos árabes. A conquista foi rápida, pois as guarnições bizantinas eram pouco numerosas e a população copta não opôs nenhuma resistência, apresentando ao contrário uma boa acolhida àqueles que vinham libertá -la do jugo bizantino1.

Com feito, além da taxação muito pesada e de outras formas de exploração às quais eles estavam submetidos, os coptas eram perseguidos pela igreja ortodoxa oficial bizantina em razão do seu monofisismo. Estas perseguições agravaram- -se, às vésperas da conquista árabe, com medidas repressivas dirigidas contra a cultura e o clero coptas.

Tem -se o direito de pensar que este enfrentamento entre as duas igrejas cris- tãs do Egito tenha facilitado, em certa medida, a rápida conversão dos egípcios ao islã. Os intermináveis debates teológicos sobre questões abstratas e metafí- sicas devem ter parecido ininteligíveis para a maioria dos fiéis, incontestavel- mente extenuados e ultrapassados por estas fúteis discussões. Numerosos foram, portanto, os coptas seduzidos pela mensagem, simples e clara, da nova religião concernente ao Deus único e ao seu profeta. Isso explica em parte a rápida

1 Consultar mais adiante o capítulo 7.

PARTE I

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