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Fatores geográficos e econômicos

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 33-36)

O florescimento desta civilização tornou -se possível graças a um conjunto de fatores favoráveis, dialeticamente ligados entre si. O Império Muçulmano foi edificado em uma região que era o berço da mais antiga civilização do mundo. Os conquistadores árabes ali haviam encontrado uma cultura e uma economia urbanas derivadas de uma secular tradição da qual, muito rapidamente, eles sou- beram tirar proveito, estabelecendo -se nas urbes pré -existentes, mas, igualmente, fundando numerosas e novas cidades. Foi justamente em função do seu cará- ter urbano que o mundo muçulmano e a sua civilização distinguiram -se mais vigorosamente do Ocidente cristão, no início da Idade Média. A existência, no seio do Império Muçulmano, de numerosas cidades fortemente povoadas teve consequências consideráveis no conjunto da sua economia e, particularmente, no

âmbito das relações comerciais existentes com outras partes do Velho Mundo. Era no próprio cerne do império que se encontravam os mais importantes centros econômicos e culturais. Na mesma época, a Europa Ocidental oferecia um quadro bem distinto, caracterizado por uma dispersão em comunidades rurais e por uma atividade comercial e intelectual reduzida à sua mais simples expressão. O desenvolvimento econômico e social do mundo muçulmano seguiu, portanto, orientações gerais diametralmente opostas àquelas que caracterizaram, na mesma época, a história da Europa.

A ligação ao Império Muçulmano de um número tão grande de países favo- receu o desenvolvimento das atividades comerciais a um ponto tal que não teria sido atingido quando a região era politicamente dividida. Se contarmos a partir dos últimos anos do século VII até o final do século XII, o Império Muçulmano funcionou como uma zona de livre comércio. Os bens produzidos em uma das suas regiões estavam rapidamente disponíveis nas outras, de modo que os mesmos hábitos de consumo eram compartilhados por populações numerosas e diversas, espalhadas em um vasto território. Situado a meio caminho entre o Oriente e o Ocidente, o mundo muçulmano igualmente contribuiu para difun- dir as inovações técnicas junto aos povos circunvizinhos. O incremento das trocas comerciais, entre as diferentes partes do Império Islâmico e além das suas fronteiras, estimulou as produções locais destinadas a novos mercados. Ele também conferiu novo impulso às descobertas e às aplicações técnicas na esfera da navegação, por exemplo, em campos conexos tais como a construção naval, a astronomia e a geografia, assim como no tocante às práticas comerciais e bancárias.

O crescimento econômico esboçado no século VIII e ocorrido durante vários séculos deve -se em grande parte ao afluxo de metais preciosos nas regiões cen- trais do Oriente Próximo. Os primeiros dinares de ouro foram cunhados ao final do século VII pelos omíadas; eles circulavam essencialmente nas antigas províncias bizantinas, enquanto as regiões situadas mais a Leste continuaram por muito tempo a utilizar as tradicionais moedas de prata. No século IX, o aumento da quantidade de ouro disponível provocou uma perturbação no sis- tema monetário do Império Muçulmano: os países onde, desde tempos imemo- ráveis, somente haviam circulado moedas de prata, adotaram uma dupla moeda e em todas as regiões orientais do califado começou -se a cunhar dinares de ouro. No Oeste a situação era diferente: sobretudo em razão do difícil acesso a minas de ouro, o Magreb e a Espanha muçulmana permaneceram por longo período ligados à moeda de prata. A situação não evoluiria senão no século X, quando se desenvolveram as importações de ouro proveniente do Sudão Ocidental e, sob

os almorávidas, o dinar tornara -se uma moeda internacionalmente reconhecida1.

A emissão em grandes quantidades de excelentes moedas em ouro e prata teve muitas repercussões na vida econômica dos países muçulmanos. O crescimento do consumo de diversos bens estimulou a produção, mas, simultaneamente, desencadeou uma alta brutal nos preços.

Do ponto de vista geográfico, o Império Muçulmano igualmente estava em vantagem graças à sua posição no coração do Velho Mundo. Dominando a região da península, ela própria situada entre as duas áreas marítimas do Medi- terrâneo e do Oceano Índico, os muçulmanos dispunham de um trunfo decisivo no que tange ao comércio com os territórios mais distantes. Em virtude da sua própria imensidão, das costas do Atlântico às fronteiras chinesas, o mundo muçulmano era a única grande área cultural que se mantinha em contato direto com cada uma das suas congêneres – Império Bizantino, a Europa Ocidental, a Índia e a China. A sua situação geográfica igualmente lhe permitia estabelecer laços com vastas zonas fronteiriças e com novos povos – nas planícies fluviais da Eurásia, na Ásia Central, no Sahel sudanês, além do Saara, e no Sudeste Asiático. Justamente, foi nestas regiões que prosseguiu a expansão do Islã, após a primeira onda de conquistas, principalmente ao longo das grandes rotas comer- ciais terrestres – a via das estepes, dos desertos e dos oásis que interligava a Ásia Central à África Ocidental – e marítimas – a rota conduzindo aos países situados às margens do Oceano Índico e no Extremo Oriente.

Esta posição central conduzia o mundo muçulmano a servir como interme- diário – ou ponte – entre todas as outras regiões do Velho Mundo. Juntamente com as mercadorias transportadas por terra ou pelo mar, circulava relevante número de ideias e conceitos, bem como inovações tecnológicas e científicas. Algumas novidades não eram aceitas senão pelos muçulmanos; entretanto, elas eram em sua maioria adotadas nas regiões justapostas ao império. Frequente- mente, é difícil saber como ou em quais momentos estes aportes culturais ou técnicos aconteceram, porém a sua realidade não poderia ser questionada. Assim sendo, o papel foi um dos primeiros importantes produtos que vieram da China para a Europa, passando pelos territórios muçulmanos. Invenção originalmente chinesa, ele fora introduzido no Império Muçulmano por prisioneiros de guerra chineses trazidos a Samarkand, em 751. Estes papeleiros chineses ensinaram aos muçulmanos as suas técnicas de fabricação e Samarkand tornou -se a primeira cidade produtora de papel fora da China. Esta atividade foi posteriormente

retomada em Bagdá, em seguida na Arábia, na Síria e no Egito, assim como, finalmente, no Marrocos (século IX) e na Espanha muçulmana (na primeira metade do século X). Nesta última região, a cidade de Játiva (Shātiba em árabe) tornou -se o principal centro de fabricação de papel e, a partir dali, no século XII a técnica foi introduzida na Catalunha, primeira região europeia a produzir papel. Desnecessário sublinhar o considerável impacto exercido, sobre a cultura e a civilização em geral, pela difusão de uma dentre as mais importantes invenções da humanidade.

Do mesmo modo no tocante às matemáticas, a numeração decimal inventada na Índia foi muito prontamente adotada (desde o século VIII) pelos muçulma- nos – os quais denominavam algarismos indianos aqueles que nós consideramos algarismos arábicos – e transmitida ao mundo ocidental entre o final do século IX e a metade do século X. A adoção da numeração decimal pelos muçulmanos tornou possível o desenvolvimento da álgebra, ramo das matemáticas que, até então, não constituíra objeto de nenhum estudo sério e sistemático. Sem as bases da álgebra, as matemáticas e as ciências naturais modernas não teriam visto o dia.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 33-36)