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O Sudão Ocidental e Central

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 113-128)

O islã se propagara através do deserto até o Sudão Ocidental antes mesmo que os próprios Magreb e Saara fossem totalmente convertidos. Segundo al -Zuhrī, os chefes da cidade comercial de Tādmekka, os berberes de Banū Tānmak, foram islamizados sete anos após a população de Gana ter sido forçada pelos novos convertidos ganenses7. É muito provável que, evidentemente, a conversão

tenha consistido neste caso em impor o islã almorávida ortodoxo a um povo que já professava a fé kharidjita. Desde o século III/IX, comerciantes ibaditas vindos da África do Norte frequentavam Tādmekka; a cidade tornara -se um dos maiores centros das suas atividades missionárias junto às populações sudanesas. Abū Yazīd, o célebre chefe da revolta kharidjita antifatímida do século IV/X, provavelmente nasceu em Tādmekka8.

5 AL -BALāDHURī, 1866, p. 231 -232; Ibn ‘Abd AL ‑HAKAM, 1947, pp. 122 -123; Ibn ‘IDHāRī, 1948 -1951, vol. 1, p. 51; J. M. CUOQ, 1975, p. 46

6 AL ‑ZUHRī, 1968, p. 126, 181; J. M. CUOQ, 1975, p. 121; T. LEWICKI, 1970. 7 AL ‑ZUHRī, 1968, pp. 181 -182; T. LEWICKI, 1981, p. 443.

Este estado de coisas nos conduz a examinar o papel que os kharidjitas, parti- cularmente a seita ibadita, desempenharam na propagação do islã no Sudão. Os recentes trabalhos de T. Lewicki sobre os ibaditas na África do Norte, no Saara e no Sudão lançaram nova luz sobre as atividades tanto comerciais quanto mis- sionárias destes muçulmanos puritanos. Atualmente, há certeza que os comer- ciantes ibaditas haviam penetrado no Sudão bem antes dos sunitas ortodoxos e, provavelmente, a ligação com o islã de alguns dos primeiros convertidos suda- neses deveu -se unicamente ao proselitismo dos ibaditas. A maioria das fontes árabes clássicas não faz menção destas atividades, haja vista a hostilidade dos seus autores, muçulmanos ortodoxos, frente aos heréticos9; somente esporadica-

mente ou de modo indireto, faz -se menção à presença ibadita no Sudão10. Em

contrapartida, os escritos dos autores ibaditas da África do Norte abundam em detalhes sobre a rede comercial ibadita no Saara e no Sudão, após o século II/ VIII. Muitas cidades sudanesas, tais como Gana, Gao, Awdāghust, Tādmekka, Ghiyārū, Zāfunu e Kūgha, testemunham a presença de estabelecimentos de mercadores ibaditas vindos de Tāhert, de Wargla, do Sul tunisiano e do Djabal Nafūsa. Os kharidjitas da seita africana sufrita reinaram sobre Sidjilmāsa, um dos principais pontos de chegada setentrionais do comércio de caravanas até p século IV/X; a dinastia ibadita dos Banū Khattāb em Zawīla (no Fezzān) dominou a extremidade norte da grande rota comercial interligando a Líbia à bacia do lago Tchad. A imagem que se extrai das recentes pesquisas mostra -nos a amplitude destas relações comerciais; embora elas não suscitem frequentemente a existência das atividades missionárias destes mercadores, podemos supor que a sua presença, espalhada em séculos nos mais importantes centros sudaneses, tenha exercido uma influência religiosa junto às populações locais. Os primeiros convertidos foram evidentemente os seus parceiros sudaneses. Em contrapartida, não encontramos nenhum traço dos dogmas da fé ibadita na zona sudanesa. Não fora, aparentemente, senão na arquitetura religiosa, na qual podemos discernir uma mais profunda influência ibadita: as formas dos minaretes que ainda exis- tem em muitas regiões do Sudão tiveram origem no Sul tunisiano, ao passo que

9 Entre as numerosas vítimas da conquista almorávida da cidade de Awdāghust, al -Bakrī (1913, p. 24; J. M. CUOQ, 1975, pp. 91 -92) não cita com tristeza senão a morte de um árabe de Kayrawān, ou seja muçulmano sunita, e passa em silêncio pelo massacre dos berberes zanāta, em sua maioria ibaditas. 10 Ibn Battūta (1969, p. 395) assinala a presença de um grupo de ibaditas brancos em Zaghari. Embora

o Ta’rikh al -Sūdān (1900, p. 61) apresente Sonni ‘Alī de Songhay como kharidjita, aparentemente este termo toma aqui o sentido geral de herético. Conferir T. HODGKIN, 1975, p. 118, nota 3.

os minbar (púlpitos muçulmanos) retangulares são cópias daqueles do Mzāb, principal centro ibadita a partir do século IV/X11.

As primeiras influências ibaditas no Saara Meridional e no Sudão Ocidental desapareceram sob a pressão dos almorávidas, os quais pregavam a ortodoxia islâmica e velavam para que os muçulmanos sudaneses aderissem doravante ao malikismo. Na mesma época, ou seja no século V/XI, a invasão da África do Norte e dos confins setentrionais do Saara pelos nômades banū hilāa contribuiu para o declínio da comunidades ibaditas e provocou a definitiva perda da sua preponderância comercial no comércio das caravanas.

Dois curiosos episódios poderiam ser concebidos como o eco da antiga influ- ência abadita na região subsaariana. A lenda haussa de Daura reporta a história de um certo Abuyazidu (ou Bayadjidda), “filho do rei de Bagdá” e legendário ancestral das dinastias haussa reinantes. Esta lenda de Abuyazidu aparenta ter alguma ligação com Abū Yazīd, o célebre chefe da revolta kharidjita antifatí- mida, morto em 335/947. Embora seja historicamente impossível afirmar que os dois personagens tenham sido uma só e mesma pessoa, temos entretanto o direito de perceber nesta lenda uma longínqua manifestação da tradição ibadita no Sudão, sobretudo por sabermos que o ‘Abū Yazīd da história nasceu em Tādmekka (ou Gao) filho de mãe sudanesa12.

Al -Dardjīnī (século VII/XIII), autor ibadita do Magreb, relata a história do seu bisavô que, aproximadamente em 575/1179 -1180, viajava para o Sudão e ali converteu ao islã o rei do Mali, não distante de Gana. Esta anedota faz relembrar o relato bem conhecido de al -Bakrī sobre a conversão ao islã do rei do Mallal, provavelmente ocorrida antes que al -Bakrī tenha redigido a sua obra, ou seja, antes de 406/1068. O intervalo cronológico mostra que estamos aqui em presença de uma grande inverdade de al -Dardjīnī, que atribui ao seu ancestral o sucesso de um missionário anônimo13. Porém isso não desmerece em nada o

interesse da anedota, prova das primeiras atividades missionárias dos ibaditas e da sua perenidade ao longo dos séculos seguintes.

É difícil de avaliar a eficácia e a profundeza desta primeira onda de isla- mização. Levando em conta a situação do islã em uma época mais recente, podemos supor que, de modo geral, este primeiro islã continha numerosos

11 Consultar J. SCHACHT, 1954.

12 H. R. PALMER, 1928, vol. 3, pp. 3, 132 e seguintes; W. K. R. HALLAM, 1966, e a crítica de A. SMITH, 1970.

13 Consultar J. SCHACHT, 1954, pp. 21 -25; T. LEWICKI, 1969, pp.72 -73; J. M. CUOQ, 1975, pp. 195 -196; N. LEVTZION e J. F. P. HOPKINS (org.), 1981, pp. 368 -369.

elementos de diversas crenças pré -islâmicas conhecidas no Magreb desde o final da época romana (judaísmo, cristianismo), assim como reminiscências das religiões berberes e africanas. Não causa espanto que os resquícios da religião tradicional africana e o caráter “híbrido” deste primeiro islã no Saara e no Sudão tenham tomado de horror os reformadores ortodoxos intransigentes (sobretudo malikitas) do tipo Ibn Yāsīn. Foram necessários vários séculos para que o islã autêntico, pregado por uma longa linhagem de reformadores e animadores, tivesse algum sucesso.

Aos ibaditas coube, incontestavelmente, o mérito de terem sido os primeiros a iniciarem os povos sudaneses ao islã; conquanto seja impossível apreciar o seu sucesso no plano numérico – aparentemente assaz fraco – foram eles que lançaram as bases sobre as quais os propagadores da fé islâmica construiriam posteriormente estruturas mais sólidas.

A associação do islã e do comércio na África subsaariana é um fato bem conhecido. Os grupos mais ativos no plano comercial, tais como os dioula, os haussa e os dyakhanke, estiveram entre os primeiros a se converterem quando os seus países entraram em contato com os muçulmanos e esta conversão explica -se por fatores sociais e econômicos. Religião nascida no seio da sociedade comercial da Meca e pregada por um profeta que fora ele próprio durante muito tempo um comerciante, o islã apresentava (e apresenta) um conjunto de preceitos morais e práticos estreitamente ligados às atividades comerciais. Este código moral ajudava a sancionar e controlar as relações comerciais e oferecia, aos membros dos diferentes grupos étnicos, uma ideologia unificadora que atuava em favor da segurança e do crédito, duas das condições essenciais para a existência de ralações comerciais entre parceiros comerciais distantes entre si. Como tão bem disse A. G. Hopkins:

O islã contribuía para manter a identidade dos membros de uma rede ou de uma empresa disseminados em longas distâncias e localizados muito amiúde em país estrangeiro; ele permitia aos comerciantes de se reconhecerem e acelerarem as suas transações e previa sanções morais e rituais, obrigando o respeito de um código de conduta que tornava possíveis a confiança e o crédito14.

Os muçulmanos desta primeira época tendiam a constituir pequenas comu- nidades dispersas ao longo das grandes rotas comerciais que cortavam todo o Sahel e o Sudão. Em certas capitais como Gana ou Gao, mercadores e muçul- manos (termos muito frequentemente sinônimos) viviam em bairros separados

e gozavam muito amiúde de certa autonomia política e judiciária. Esta situação perpetuou -se até uma época muito recente, não somente nos centros comerciais, mas, igualmente, em muitos vilarejos onde os muçulmanos preferiam manter- -se à margem da maioria “pagã”, sob a jurisdição dos seus próprios xeques kādī. Em seus bairros, eles construíram mesquitas e não tardaram a se distinguir dos outros habitantes em virtude de certos hábitos e costumes associados à prática da sua religião, como as cinco preces cotidianas, as suas vestimentas e, junto a certos muçulmanos devotos, a rejeição absoluta do álcool.

Assim, o islã aparecia primeiramente não como uma fronteira motora de conversão das massas em uma zona contínua, mas, antes, como uma série de enclaves urbanos nos centros de comércio e poder político, ao passo que as populações rurais eram pouco atingidas15. Estes estabelecimentos, ao longo das

rotas comerciais e nos grandes centros urbanos, constituiriam as bases para a propagação futura do islã.

Todos os comerciantes muçulmanos certamente não tinham o tempo ou o desejo de fazer proselitismo junto às populações locais. Porém, em seu encalço e com o crescimento das comunidades muçulmanas em numerosas regiões do Sudão, chegavam clérigos para quem as atividades religiosas importavam geral- mente mais que as atividades comerciais. Eles começaram exercendo, no seio das comunidades estabelecidas, diversas funções clericais às quais se acrescen- taram posteriormente práticas de cura, de adivinhação, a fabricação e a venda de talismãs e amuletos. Foi assim que eles ganharam prestígio e respeito em meio aos não -muçulmanos, cujas crenças religiosas não eram exclusivas e os quais buscavam frequentemente a ajuda destes clérigos em suas atividades de manipulação do sobrenatural. Este aspecto das suas atividades, orientado para a magia e a superstição, constituía aos olhos dos não -muçulmanos dos países do Sudão o atrativo maior do islã. A interpretação dos sonhos, a cura pela fé, a adivinhação do porvir, a crença no poder da oração – notadamente no tocante à chuva – era para eles de um interesse muito grande16.

Desde a sua chegada à África Ocidental, o islã teve que lutar contra costumes e práticas não -muçulmanas. Para a maioria dos convertidos, a adesão a esta nova religião jamais significou o total abandono de todas as práticas não -islâmicas associadas à sua religião tradicional. De fato e inicialmente, muitos aceitaram o

15 P. D. CURTIN, 1975, p. 48.

16 H. J. FISHER, 1977, p. 316. Porém, importava menos a certos religiosos expandir o islã junto aos não- -convertidos do que pretender ter o monopólio de alguns poderes esotéricos em proveito do seu próprio grupo. Consultar Y. PERSON, 1968 -1975, vol. 1, p. 133.

islã porque os primeiros chefes muçulmanos interpretavam de modo liberal o que constitui a proferição do islã, mostrando -se portanto muito tolerantes em face de certas práticas não -islâmicas.

O segundo grupo social, após os comerciantes, a se converter ao islã foi aquele dos chefes e dos cortesãos. Enquanto a adesão desta confissão pelos comerciantes sudaneses, graças aos contatos com os seus homólogos da África do Norte, fez -se progressiva e discretamente durante os anos, sem despertar a curiosidade dos autores muçulmanos aos quais nos referimos, a conversão de um chefe, em contrapartida, sempre atraiu a sua atenção e não deixou de ser assinalada como uma vitória do islã. Por conseguinte, estamos muito mais bem informados sobre a islamização das famílias reais e das suas cortes; além disso, as datas indicadas permitem -nos situar o processo em um quadro cronológico relativamente seguro.

Estima -se em geral que o primeiro chefe do Sudão Ocidental a se conver- ter ao islã tenha sido Wār Dyābī do Takrūr, da região do Baixo Senegal. Ele o fez antes mesmo da ascensão dos almorávidas, nos anos 420/1030. Segundo al -Bakrī, ele dedicou -se a propagar a nova religião no país vizinho de Sillā17 e

o seu filho Labī juntou -se em 448/1056 a Yahyā ibn ‘Umar para combater os Djuddāla rebeldes. Embora seja dado hoje às populações de expressão fulbe na região do Baixo Senegal o nome de toucouleur (nome que elas próprias não utilizam), uma deformação de Takrūr, não é certa a sua presença neste país desde o século V/XI. É mais provável que o antigo Takrūr (ou Tekrūr) fosse povoado pelos soninquês18. Nos séculos seguintes, o nome de Takrūr acabou finalmente

designando em geral, na África do Norte e no Egito, todos os muçulmanos do Sudão Ocidental e Central. Ignora -se ainda se este emprego deve -se ao Takrūr ter sido o primeiro país islamizado da África Ocidental ou ao fato de, no século VIII/XIV, as populações do Takrūr, as quais já falavam o fulbe nesta época, terem começado a dar origem a uma classe de religiosos muçulmanos (os torodbe) que desempenharia um papel primordial na islamização do conjunto do Sudão Ocidental19.

Em uma época ainda mais remota, antes da era dos almorávidas, aconteceu em Gao (Kāw -Kāa), aproximadamente em 400/1009 -1010, a conversão ao islã

17 Al -BAKRī, 1913, p. 172; J. M. CUOQ, 1975, p. 96; N. LEVTZION e J. F. P. HOPKINS (org.), 1981, p. 77. 18 Wār Dyābī é um nome próprio soninquê; consultar C. MONTEIL, 1929, p. 8. A imigração de popu-

lações de língua fulbe no país do Baixo Senegal não começaria senão mais tardiamente. 19 Conferir U. AL ‑NAQAR, 1969.

de um chefe local, aquela do décimo quinto chefe dyā (zā) Kosoy20. Al -Bakrī

não relata as circunstâncias desta conversão, mas indica que, quando um novo chefe era instalado em Gao, se lhe dava uma espada, um escudo e um exemplar do Corão, os quais eram oferecidos por um califa, como insígnias do poder. Ele acrescenta que o rei professava a religião islâmica, jamais conferindo o poder supremo a outro que não fosse muçulmano21.

Mas o cerimonial de corte em Gao descreve -nos que este Al -Bakrī era manifestamente de essência não -muçulmana. Este sistema, no qual o islã era a religião real oficial, ao passo que a massa da população era não -muçulmana e onde o cerimonial de corte conservava um caráter sobretudo tradicional, sub- sistiu por muito tempo em numerosos Estados sudaneses, em testemunho do equilíbrio muito sutil que não deixou de existir entre o islã e a estrutura religiosa autóctone.

A este mesmo período, igualmente remonta a conversão, já evocada, do rei Mallal, uma das mais antigas chefarias do Malinqué. Segundo al -Bakrī, este rei foi ganho para o islã por um residente muçulmano cujas preces teriam trazido ao país chuvas há muito esperadas. A família real e a corte tornaram -se muçul- manos convictos; entretanto, o restante da população permaneceu fiel à religião tradicional22. Este rei proclamou publicamente a sua fidelidade à nova religião

e recebeu o nome de al ‑Muslimāni; o rei de Alūkan, em contrapartida, devera dissimular a sua fé islâmica perante os sujeitos.

O primeiro estabelecimento do islã no Sudão central data do século V/XI, com a conversão do mai de Kānem23. No mahram (outorga de privilégio) de

Hummay Djilmi (aproximadamente em 472/1080/490/1097), lemos que

o primeiro país do Sudão onde penetrou o islã foi o país de Bornu. Esta penetração realizou -se por intermédio de Muhammad ibn Mānī, quem vivera cinco anos em Bornu, no tempo do rei Bulu [...] e catorze anos no tempo do rei Umme (Hum- may). Então, ele ligou Bornu ao islã pela graça do rei Umme [...]. Mai Umme e Muhammad ibn Mānī propagaram o islã no exterior para que ele durasse até o dia do Julgamento Final24.

20 Ta’rikh AL ‑SūDāN, 1900, p. 5.

21 Al -BAKRī, 1913, p. 183; J. M. CUOQ, 1975, pp. 108 -109. 22 Consultar nota 35.

23 Conferir D. LANGE, 1978.

É interessante notar que, já sob o reino de alguns dos predecessores de Hummay (desde o início do século V/XI), viviam na corte religiosos muçulma- nos que iniciavam os próprios chefes nos preceitos islâmicos e estudavam com eles passagens do Corão, porém nenhum dos mai professava publicamente o islã. Eis a razão pela qual Al -Bakrī, escrevendo uma geração antes de Hummay, considera ainda Kānem como um reino de “negros idólatras”, embora expos- tos às influências muçulmanas, como atesta a presença de alguns refugiados umayyades que “conservam ainda a sua maneira de se vestir e os seus costumes árabes”25. O filho e sucessor de Hummay, Dūnama (490/1097 -545/1150), fez

duas peregrinações à Meca, morrendo afogado durante a segunda26.

A primeira penetração do islã no Sudão Central e Ocidental aparenta real- mente ter acontecido no século V/XI: do Baixo Senegal às margens do lago Tchad, ele foi propagado por vários soberanos e chefes, adquirindo assim um reconhecimento oficial, no quadro das sociedades africanas. Este século igual- mente acompanhou a conversão do mais célebre, tanto quanto do mais poderoso, dentre os Estados sudaneses, Gana.

Durante muito tempo acreditou -se que a islamização de Gana ocorrera devido à conquista almorávida, em 469/1076. Os recentes trabalhos de autores tais como D. C. Conrad, H. J. Fisher, L. O. Sanneh e M. Hiskett27, colocaram

seriamente em dúvida esta hipótese e temos cada vez mais tendência a estimar que esta conquista jamais ocorrera e que as duas potências tenham sempre mantido relações amigáveis. Uma fonte autorizada pôde escrever recentemente: “Aparenta ser mais verossímil que os soninquês de Gana tenham mantido boas relações com os almorávidas do deserto, que eles se tenham tornado seus alia- dos e não seus inimigos e que tenha sido por meios pacíficos que estes últimos os persuadiram a adotarem o islã sunita como religião do império de Gana28.”

Segundo diversas fontes árabes, notadamente al -Bakrī, a capital contava, durante o período pré -almorávida, com uma importante comunidade muçulmana, com- preendendo não somente mercadores, mas, igualmente, cortesãos e ministros. Os dirigentes de Gana estavam, portanto, há muito tempo expostos à influência islâmica; é igualmente provável que o islã tenha antes surgido em Gana sob a forma kharidjita. É possível por conseguinte que a “conversão” da população de Gana ao islã pelos lamtūna, em 469/1075 (durante a conquista almorávida

25 Al -BAKRī, 1913, p. 11; J. M. CUOQ, 1975, p. 82. Consultar mais adiante o capítulo 15. 26 Dīwān dos sultões do Kānem -Bornu; H. R. PALMER, 1936, pp. 85 -86.

27 D. C. CONRAD e H. J. FISHER, 1982, 1983; L. o. SANNEH, 1976; M. HISKETT, 1984. 28 M. HISKETT, 1984, p. 23.

evocada por al -Zuhrī)29, tenha simplesmente consistido em impor o islã mali-

kita ortodoxo a uma comunidade ibadita, como fora o caso para os habitantes de Awdāghust. O maior sucesso da intervenção almorávida foi sem dúvida ter obtido a conversão do soberano e da sua corte30.

Igualmente deixou -se de se atribuir à conquista almorávida, acompanhada de uma islamização forçada, o êxodo maciço das populações soninquês hostis ao islã, as quais teriam preferido abandonar os seus lares ancestrais em lugar de perder as suas crenças religiosas tradicionais31. Certamente houve imigração,

porém, como não houve nem conquista nem islamização pela força, as causas devem ser buscadas alhures.

Seria evidentemente um erro ignorar a profunda influência dos almorávidas, assim como as mudanças que a sua intervenção provocou no Sudão. Mas estas mudanças foram de uma ordem totalmente diferente daquelas que supõem os defensores da imigração. Os soninquês de Gana efetivamente dispersaram -se, entretanto, isso foi a consequência de um processo iniciado anos antes; os mer- cadores soninquês islamizados (os wankāra – ou Wangara – de origens árabes) constituíram pouco a pouco uma rede comercial no Sahel e ao Sul deste último, até a margem da floresta tropical. Distantes de serem hostis à religião islâmica, eles contribuíram amplamente, ao contrário, para propagá -la nas regiões não- -muçulmanas do Sudão, onde nem árabes nem berberes jamais penetraram. Os soninquês que imigraram de Dyā (Dia), às margens do Níger, até o novo centro de Dyakhaba, junto ao Bafing, tomaram mais tarde o nome de dyakhanke. Eles adotaram a língua malinke e fundaram uma comunidade muito unida condu- zindo conjuntamente atividades religiosas e comerciais32. Outros comerciantes

de origem soninquê, porém frequentemente de língua malinke, criaram novas redes comerciais: os diúlas principalmente no Sul, os marka na curva do Níger e os yarse nos Estados voltaicos. A sua história e o papel que eles desempenharam

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