• Nenhum resultado encontrado

4 Apresentação e discussão dos resultados

Gráfico 4 – Argumentos quanto ao LDD em relação ao tempo de magistério e faixa etária.

4.2.4 Evidências de ensino ativo

Uma releitura das falas dos professores entrevistados foi realizada com o objetivo de avaliar indícios de ensino ativo em suas práticas. Assim, os dados coletados foram reavaliados e categorizadas à medida que davam indícios de uma prática de ensino ativa ou passiva. Para isso foram levados em consideração 4 aspectos: i) planejamento das aulas, ii) foco das atividades em classe, iii) processo de avaliação e iv) conteúdos trabalhados. As características consideradas em cada item são apresentadas no Quadro 6, tendo como base a caracterização de ensino ativo feita na seção 2.3.3. Com relação ao planejamento das aulas, e como resultado das análises feitas na seção anterior, os indícios que se tem são de um planejamento com foco na experiência do professor. A flexibilidade apontada diz respeito ao nível de exercícios escolhidos para as atividades, que varia conforme o rendimento da turma:

Seleciono exercícios primeiramente pelo nível de dificuldade para ir construindo uma ideia a respeito do assunto, mas ao mesmo tempo construindo maturidade dentro do assunto. Então, eu seleciono coisas mais simples para começar a falar dos assuntos e depois conforme eu percebo que eles estão mais maduros então eu vou trazendo exercícios mais difíceis. Assim eu vou montando uma sequência de acordo com o nível de dificuldade e maturidade deles dentro do assunto. (prof. H)

Por exemplo, o número de exercícios de uma turma para a outra sempre varia. Então, eu sempre levo um número de exercícios maior. De acordo com o que as turmas vão pedindo, eu uso ou não esses exercícios. Nem sempre em uma turma usamos os mesmos exercícios usados em outra. Precisamos usar exercícios pontuais, o número de repetições depende da turma. (prof. M) Os demais professores disseram que procuram alterar conforme vão percebendo o interesse da turma, mas de forma não sistêmica como mostram os exemplos a seguir: Eu vou ser bem franco com você, esse planejamento acontece normalmente no começo do ano. Porque questão de conteúdo, pelo tempo que agente já tem de trabalho, não tenho dificuldade em aplicar o conteúdo. Talvez as estratégias que pensamos no começo do ano, tenha mais recursos para passar esses conteúdos em determinados momentos do ano de forma que fique bem atrativo. Então, o meu planejamento ocorre em janeiro, nas férias, quando você tem algumas ideias de como pode usar durante o ano. E não paro muito depois que esse planejamento acontece, a gente dá sequência ao ano, vai seguindo o que idealizou. (prof. J)

Eu costumo fazer no início e no meio do bimestre para analisar se está dando certo ou não. Mensalmente eu faço o planejamento e replanejamento das aulas. (prof. M)

As necessidades específicas de aprendizagem dos estudantes não são consideradas no planejamento ou replanejamento das atividades docentes:

Para o planejamento, não pedimos a opinião direta dos alunos. Geralmente conversamos entre professores sobre a dificuldade que os alunos estão enfrentando e tentamos montar o planejamento. (prof. R)

Se eu sei que eles não aprenderam a minha tendência é continuar e aprofundar. Mas, por outro lado, se eu ficar nesse campo utópico. Ah, se eles não aprenderam eu tenho que voltar, eu não vou sair da apostila 1 porque eles têm uma preguiça de estudar... Eu acho que depende, é 50% comigo e 50% com eles. (prof. H)

Os professores reconhecem utilizar as experiências de um período (ano ou semestre) para mudar no próximo período, mas pouco alteram suas estratégias ao longo do processo.

Porém, eu faço uma avaliação com o feedback dos estudantes do primeiro semestre para o segundo semestre. Ao montar o planejamento do 2.º semestre, ficou claro que eles gostaram e entenderam bem a avaliação pelo Moodle, então devo repetir isso. Também gostaram da interação de fazer um curso em outra plataforma e trazer só o certificado. Eu acabo repetindo. O que deu certo, repetimos. O que não deu, a gente retira. Se fizermos só coisas que eles não gostam, aí fica difícil. Não dá para tirar uma prova ou um simulado, porque isso está em nosso currículo, mas eu costumo deixar uma parte negociável no planejamento.

Assim, não há indícios de um planejamento dinâmico ou de replanejamento em função do feedback quanto à aprendizagem dos estudantes. Os indícios apontam para avaliações numa perspectiva tradicional baseada em provas:

Com o número grande de aulas, acabamos uniformizando a avaliação dos alunos. (prof. M)

Quadro 6 – Características de ensino ativo ou passivo avaliado na fala dos professores.

Passivo Ativo

Planejamento

Planejamento feito com base na experiência do professor ou currículo estabelecido, sem levar em conta as necessidades de aprendizagem dos estudantes.

Planejamento dinâmico e partilhado com os estudantes, sendo reavaliado ao longo do processo tendo em vista as necessidades de aprendizagem percebidas.

Foco das aulas

Atividades em classe têm como ponto central a exposição feita pelo professor.

Atividades em classe tendo como foco o envolvimento dos estudantes em atividades de construção do conhecimento.

Avaliação

Avaliação feita ao fim de

determinados períodos com pouco ou nenhum efeito sobre o processo de aprendizagem dos estudantes.

Avaliação realizada com o objetivo de aprimorar o processo de

aprendizagem, dando feedback oportuno a professor e estudantes do caminho de aprendizagem

percorrido.

Conteúdos

Conteúdos apresentados são descontextualizados e pouco desafiadores aos estudantes.

Conteúdos trabalhados são contextualizados e desafiam os estudantes a pensar criticamente.

Já nas atividades desenvolvidas, percebem-se algumas ações que visam envolver os estudantes no processo de aprendizagem, fazendo e refletindo sobre suas ações. No entanto, essas ações ainda parecem serem secundárias à exposição:

Eu busco a participação do aluno, que ele investigue, venha à lousa, resolva exercícios, comente, fale sobre os erros. Eu valorizo muito. É a través dos erros que a gente acerta. (prof. C)

Toda a semana permito que sentem em grupo para resolverem alguma atividade. As várias ideias deles juntas criam coisas interessantes. Entre dois e seis alunos. (prof. R)

Eu pego uns 20 exercícios do sistema apostilado, eu divido a sala em grupo de quatro alunos e eles devem saber resolver os 20 exercícios. Depois eu chamo o grupo na frente e sorteio um dos 20 exercícios e um dos quatro alunos e ele deve resolver na lousa. Essa resolução vale a nota do grupo inteiro. Eu me impressiono ao ver o resultado. (prof. J)

Ainda assim, os professores entrevistados apresentam um foco maior na exposição. Os professores se apegam à tradição ou à cobrança em relação ao resultado dos estudantes no vestibular ou no Enem. Nessa perspectiva, entendem que a exposição seguida de treino é a forma mais assertiva de garantir as habilidades necessárias a esse fim: aprovação no vestibular. Exemplos disso são vistos a seguir:

Mas eu ainda sou bastante tradicional. Eu até tenho visto vários resultados de vestibulares no país, com professores que são tradicionais. Eu posso dizer que a maior parte das minhas aulas são expositivas. (prof. J)

Eu acho que a explicação, para o aluno que é acostumado com uma metodologia tradicional, não pode parar de uma hora para a outra. A nossa escola em si é tradicional, em alguns aspectos. Então, com a explicação é o que mais se gasta [tempo]. O tempo da explicação, do pensamento, do exercício. Ao resolver o exercício, eu não valorizo a resolução. (prof. C)

Em relação ao conteúdo apresentado nas aulas, as evidências quanto a apresentarem conteúdos de forma contextualizada e desafiadora foram poucas. Há alguns indícios de aplicações práticas associadas ao LD:

Alguns exemplos são muito legais e eu uso sim. Eu uso o próprio exemplo resolvido da apostila para introduzir o conteúdo. Às vezes a própria apostila sugere isso: vamos usar tal exercício lá do início do capítulo. Tem um lá na parte de sistemas lineares que ele sugere um problema super legal e ele pede a resolução lá na frente. Então isso acaba sendo um link muito legal. (prof. H) Também existem propostas de atividades desafiadoras como o projeto de arte usando o graphequation do professor H ou o “xadrez humano” proposto pelo professor M:

No 1.º ano, estou trabalhando um xadrez humano, eles estão criando o tabuleiro, a vestimenta, e eu estrou fazendo isso com a função exponencial para que eles possam relacionar. Junto com isso, eles fazem um folder sobre o uso das peças, as regras do jogo. (prof. M)

Essas ações são esparsas, não estando presentes com frequência na prática dos professores.

4.2.5 Em síntese

A segunda fase da investigação buscou ouvir professores de Matemática por meio de inquérito e entrevistas, procurando avaliar se os professores usam o LD e TD associados a estratégias de ensino ativas ou passivas. Sendo assim, os dados foram analisados com dois objetivos. O primeiro foi o de investigar o papel que os professores de Matemática atribuem ao LD e às TD e como usam essas ferramentas em suas práticas.

Tanto o LD quanto as TD são elementos considerados relevantes pelos professores. Na prática, o LD está sempre presente do planejamento a práticas em sala e nas tarefas, confirmando assim a percepção obtida da literatura (C. C. S. Martins, 2010; M. C. V. Pires, 2001). Na visão dos professores, o LD provê tarefas para os estudantes e, nesse sentido, auxilia o trabalho do professor. De certa forma a utilidade aqui é reforçada pela necessidade que os professores sentem de preparar os estudantes para exames externos, e assim o LD se reduz a um caderno de exercícios. Portanto, o LD não é usado em sua potencialidade como instrumento de aprendizagem (Ivic et al., 2013).

A análise dos dados leva a perceber uma disposição positiva no uso de TD no contexto educacional, mesmo diante de limitações por parte do professor, da escola ou adversidades no processo em classe. As TD são consideradas pelos professores como sendo relevantes para a motivação dos estudantes e, de fato, podem ser (Wells, 2012). No entanto, a maior parte do uso que os professores fazem desse recurso estão associadas às estratégias relacionadas a exposição num nível de ampliação do potencial dessa estratégia (Hughes, 2005). Assim, poucas foram as evidências de uso das TD com o propósito de transformar o ensino envolvendo mais profundamente os estudantes.

O segundo objetivo proposto foi avaliar evidências de práticas de ensino ativo entre os professores. As respostas aos questionários apresentam uma dicotomia quanto às estratégias usadas pelos professores. Os inquiridos afirmaram desenvolver atividades colaborativas, levar em consideração o feedback de aprendizagem dos estudantes em suas aulas e atender de forma individual as suas dúvidas. Mas também admitiram foco na exposição em suas aulas, quer apresentando o conteúdo, resolvendo exercícios ou tirando dúvidas. Assim, a entrevista com os professores foi essencial para a analisar a prática dos professores de Matemática.

As entrevistas mostram que o planejamento das aulas é baseado na experiência do professor e sequência apresentada no LD e, geralmente, é estático, com poucas alterações não sistêmicas ao longo do processo. Adicionalmente, as avaliações feitas pouco favorecem ao replanejamento das estratégias de ensino. Assim, não há evidências de um planejamento dinâmico, partilhado com os estudantes e flexível ao longo do processo. Assim, há pouca chance dos estudantes se comprometerem e envolverem no processo de aprendizagem (Neri-de-Souza & Bezerra, 2013).

Quanto às atividades em classe, as entrevistas confirmam a primazia de atividades expositivas centradas na visão do professor. Tanto o LD quanto as TD são usados para

dar suporte à exposição que é sucedida por exercícios em classe ou em casa. Apesar de alguns professores serem favoráveis ao envolvimento dos estudantes, a exposição ainda é a opção mais prática. Alguns entrevistados (3) entendem que atender aos questionamentos feitos no momento da explicação dos conteúdos ou resolução dos exercícios seja o equivalente ao atendimento individual dos estudantes. Essa percepção pode ser uma justificativa para a aparente dicotomia entre exposição e atendimento individual percebida inicialmente. No entanto, essa visão dos professores equivoca-se por ser temerário considerar que todos os estudantes tenham a liberdade de questionar ou saibam como fazê-lo (Neri-de-Souza & Moreira, 2010). Assim, não se pode afirmar que tirar dúvidas durante a exposição atenda às necessidades individuais de todos os estudantes.

Por fim, existiram algumas evidências de estratégias em que os estudantes são levados a agir e refletir sobre suas ações. No entanto, essas são ações esparsas e não suficientes para evidenciar uma tendência ao uso de estratégias de ensino ativo. Também foi perceptível que tanto o LD como as TD estão associados mais frequentemente a estratégias de ensino passivas. Assim, a análise das entrevistas trouxe evidências de que as práticas de ensino dos professores possuem características de ensino passivo com “leves pitadas” de estratégias com potencial para um ensino ativo.

Diante do que foi observado, algumas razões podem ser consideradas para esse cenário. Em primeiro lugar, as condições de trabalho e contexto dos professores. As entrevistas evidenciaram:

i) pouco tempo útil em classe em função de atividades paralelas da escola:

Naturalmente, eu acho que [o tempo] não é suficiente. Quando você vai resolver um exercício, você não está resolvendo para você. Então, o que você levaria pouco tempo para resolver, você acaba se delongando muito mais. Isso leva de 7 a 10 minutos por exercício, para você entregar ele com qualidade para o aluno. (prof. J)

ii) grande quantidade de estudantes justificando o receio em instigar a participação discente:

É mais expositiva. Porque para eu poder interagir com os alunos de forma mais eficaz, uma turma ideal teria uns 25 alunos. Por quê? Se passa desse número, eu não consigo atender. Por exemplo, eu vou passar um exercício para eles fazerem. Eu tenho turmas com 50 alunos, digamos que eu consiga atender a 25 no máximo, correndo pra caramba. Os outros 25 eu não vou conseguir atender, então o que é melhor? Eu vou para a lousa, certo? (prof. H)

iii) Desinteresse dos estudantes:

Em geral não, a escola é muito desinteressante para eles. O conteúdo que eles vêm na escola eles não vêm como importante para a vida deles. Então, a maior parte não está preocupada em refletir na aula que o professor tá passando e, pensar: vou perguntar tal coisa. (prof. H)

Na sala de aula, às vezes a gente até consegue mexer com os garotos, mas eu acredito que falta um pouco mais em casa. Algum trabalho deveria ser feito no período oposto ao de estudo para que o aluno continuasse aquilo que começou em sala de aula. (prof. J)

Na verdade, eles demonstram desinteresse e irresponsabilidade. As coisas têm que ser feitas na marra. Só fazem porque têm que fazer. Não estão mais interessados em estudar. Perderam o interesse nos estudos. Não é o mais importante. (prof. R)

Associados a esses desafios, temos uma elevada carga de trabalho semanal que demonstra ser um obstáculo ao planejamento e à busca por inovações. É importante relevar que os professores entrevistados foram indicados pelos gestores educacionais por se destacarem em suas práticas. Portanto, a realidade mais ampla (professores inquiridos) pode ser ainda mais crítica do que a analisada nesse recorte da população de professores (professores entrevistados). Esse cenário se alinha ao que é encontrado na literatura em que descreve professores assumindo carga horária de trabalho “sobre- humana” e submetendo-se à “organização escolar que não favorece a renovação de suas práticas pedagógicas” (Horikawa & Jardilino, 2010, p. 161).

Outra questão a ser considerada é a percepção quanto aos objetivos educacionais. A cobrança da escola e dos pais quanto a resultados em exames externos (vestibulares, Enem...) tem uma influência grande sobre o professor. Dos 5 professores entrevistados, a maioria (4) entendia que a exposição seguida de treino é a forma mais assertiva de garantir as habilidades necessárias a esse fim: aprovação no vestibular. Sem uma mudança na concepção quanto aos objetivos e forma de aprendizagem, os professores não se motivarão a usar estratégias de ensino ativo (Gleason et al., 2011).

Assim, diante da segunda questão de investigação:

• Os professores de Matemática usam o LD e as TD associados a estratégias de ensino ativas ou passivas?

A resposta nesse momento é que o LD e as TD estão mais fortemente associados a estratégias de ensino passivo que caracterizam a metodologia mais comum aos professores. Além disso, para que o LD e as TD sejam úteis num contexto de ensino ativo, dois desafios se apresentam aqui, concernentes ao i) contexto e condições de trabalho dos professores e, à ii) concepção dos objetivos do processo educacional.