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2 Fundamentação Teórica

2.2 O livro didático (LD) na prática educacional

2.2.3 O livro didático nas práticas de ensino e aprendizagem

O LD é um instrumento que apresenta os saberes de forma sistematizada, sendo, por essa razão, um dos principais instrumentos usados pelos professores (S. N. Ferreira & Silva, 2015). Por outro lado, ele tem recebido severas críticas por ser considerado por alguns como um instrumento de transmissão direta e fechada, desprezando o “percurso e os reais interesses dos alunos” (Gerard & Roegiers, 1998, p. 75). Realmente, a transmissão de informações é uma das funções do LD, mas não é a única. O LD pode possibilitar a construção da aprendizagem pelos estudantes com a

mediação do professor. Para isso, segundo Ivic et al. (2013), no desenvolvimento de um LD é preciso escolher formas efetivas de interação entre os estudantes e o conhecimento contido no livro.

Gerard e Roegiers (1998) falam da construção de livros com uma concepção fechada ou aberta. Será de concepção fechada quando o LD é construído de forma a ser

autossuficiente, buscando contemplar todos os elementos necessários à aprendizagem: informação, método, exercícios, avaliação, etc. Por outro lado, será considerado de concepção aberta quando se entende que o LD é um suporte à

aprendizagem e, como tal, deverá ser completado ou usado de maneira diferente conforme o contexto. Assim, um livro didático pode ser construído de forma que tanto o professor quanto os estudantes tenham flexibilidade na escolha de percursos de aprendizagem.

Um exemplo de LD com concepção fechada são os sistemas apostilados muito usados no modelo educacional brasileiro. Nesse modelo, como visto anteriormente, o conteúdo costuma ser divido por aulas, direcionando assim o trabalho do professor e o percurso de aprendizagem do estudante.

Por outro lado, uma concepção aberta está mais alinhada com a perspectiva de aprendizagem ativa e com o que parece ser o futuro do LD ao fazer do “estudante o mestre da sua própria aprendizagem” e ao conferir “ao professor mais um papel de guia do que de um detentor absoluto do saber” (Gerard e Roegiers, 1998, p. 83). Uma experiência com essa visão, em que o LD é desenvolvido numa perspectiva aberta, foi realizada por esses pesquisadores no Vietnam. Nesse contexto, com a finalidade de facilitar a integração de competências, foram considerados quatro aspectos na construção dos LD:

1 – Fazer sentido o processo de aprendizagem: mesmo diante das limitações que o

contexto escolar e o LD possa ter, a proposta é buscar situações que sejam significativas para o estudante;

2 – Diferenciar o essencial do menos importante: o livro deve focar em conteúdos

essenciais e deixar abertura para que aspectos de menor importância possam ser levantados pelo professor ou seus estudantes conforme considerem significativos. 3 – Aplicar conceitos a situações práticas: o que pode ser feito com o conteúdo

4 – Estabelecer links entre conceitos de diferentes áreas do conhecimento. Esses

links podem ser estabelecidos entre diferentes temas de uma disciplina ou entre disciplinas distintas.

Após o acompanhamento da implementação e do uso dos LD assim desenvolvidos, os autores relatam a relevância do LD em auxiliar o professor no processo de construção do conhecimento. Segundo os autores:

Textbooks should propose situations requiring the contribution of elements from the student or the teacher for their solution. They should stimulate research and use of references. An open textbook is not used in a linear manner, from the first to the last page. It is designed to allow for research and reference in one part or another, according to need. From this perspective, these textbooks are more a starting than an arrival point (Gerard et al., 2006, p. 51).

Portanto, um LD pode ser desenvolvido com a finalidade de ser um instrumento que integre competências e viabilize estratégias ativas de ensino. No entanto, a forma com que o LD é usado está fortemente relacionada às estratégias de ensino adotadas pelo professor.

The primary role of the textbook has been that of transmission of information predetermined by the school curriculum for a given subject in a given school year. In fact, the textbook has been, and still is, almost a literal translation of the front-of-the-class teaching style (Ivic et al, 2013, p. 31).

A “transmissão direta” pode ter uma relação com a forma com que o LD tenha sido estruturado, mas depende ainda mais das estratégias adotadas pelo professor. Assim, “teachers who continue to adhere to the traditional lecture-based model of teaching often become nothing more than education retailers who serve only as the middleman between the information in the textbook and students” (Graeff, 2010, p. 266). Nesse modelo, tanto o LD quanto o trabalho do professor perdem relevância.

Ao aperceber-se que ao longo do seu percurso escolar o que registra no seu caderno é, muitas das vezes, o que está integralmente no manual, o estudante tende a construir a ideia de que não vale a pena explorar no manual o que tem no caderno (Viseu & Morgado, 2011, p. 999).

Os estudantes podem se perguntar: “O que há de interessante na aula se o que o professor fala é exatamente o que encontro lendo o LD?” ou, “Por que gastar tempo lendo o LD se é tudo exatamente igual ao que professor falou em classe e entregou de forma resumida?”. Assim, o desinteresse dos estudantes ocorre quando percebem que o professor se limita a apresentar o que está no escopo do LD. O efeito inverso pode ocorrer quando o professor é capaz de instigar o estudante a ir além do que ele encontra nas informações do LD e nos momentos de exposição em classe. Assim, a visão de Graeff (2010) quanto ao trabalho do professor e o papel do LD é:

Your job is to give students an active learning experience they cannot get from only reading the textbook. Let the textbook provide the necessary information to supplement and support what you have determined to be the most important behavioral learning goals for your students (p. 266).

Assim, a forma como o LD é usado em classe depende da maneira como ele é percebido pelo professor e, por sua vez, essa percepção está ligada à concepção de ensino e da aprendizagem que ele possui (Gerard et al., 2006; Graeff, 2010; Ivic et al., 2013). Segundo, Ivic et al. (2103) o professor pode ver o LD sendo:

- Uma forma concreta do currículo;

- Um instrumento que facilita a organização do ensino; - Como uma fonte de informação;

- Ferramenta usada pelos estudantes para a aprendizagem.

Esse mesmo autor relata que, em programas de treinamento para o uso do LD, foi percebido que os professores possuíam uma dessas perspectivas ou a combinação dessas. Então, ele propõe uma abordagem de aprendizagem ativa focando na aprendizagem em si e em quem está aprendendo. Segundo ele, o LD com seu conteúdo e aparato pedagógico suporta a construção do conhecimento por seus usuários. Para isso, é necessária uma mudança radical na percepção do LD em pelo menos dois aspectos:

- Primeiro, o foco deixa de ser o conteúdo do LD e passa a ser o processo de aquisição desse conteúdo. Isso não implica desprezar o conteúdo. Ele continua sendo relevante e deve ser apresentado de forma precisa e numa linguagem adequada.

- Segundo, mover a atenção da exposição e transmissão direta do conhecimento para a criação de condições para o estudante construir o conhecimento por si mesmo. Essa postura faz com que a principal função do LD seja “to create the necessary learning conditions for the person using it in order to produce specific and relevant knowledge for the given subject” (Ivic et al., 2013, p. 33).

Esses autores também relatam a experiência com professores que participaram de formações que focavam no conceito e desenvolvimento de estratégias para o ensino e aprendizagem ativa. Após a observação da prática desses professores notou-se maior frequência, versatilidade e utilização mais eficaz dos livros didáticos no próprio processo de ensino, em contraste com a prática corrente em que o livro tem normalmente sido usado apenas para trabalhos de casa. Essa experiência sugere que o LD será tanto mais relevante no contexto de sala de aula quanto mais ativa forem as metodologias escolhidas pelo professor. Mais uma vez, torna-se relevante o papel do professor como ator no processo educacional. Para isso, é necessária uma mudança na perspectiva com que este vê o LD e o processo educacional como um todo.