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Introdução

Nas sociedades democráticas, os meios de comunicação social são en- tendidos como mecanismos que facilitam a afirmação e a criação de di- ferenças, ou, por outras palavras, «meios essenciais para a formação de um púbico crítico abrangente, interveniente e bem informado, capaz de assumir a influência política a que um público crítico mais restrito não poderia aspirar» (Sá 2002, 5). A existência de meios de comunicação so- cial livres e independentes é, aliás, uma característica central das socieda- des que vivem em democracia, decorrente da liberdade de expressão e de informação concedida aos cidadãos.

Os meios de comunicação (ou media) apostaram numa acessibilidade que tenta ultrapassar os limites impostos pelo poder de compra e pela classe social da audiência. Como resultado, conseguiram que lhes fosse outorgado um papel crucial no dia a dia das populações, providenciando às suas audiências informação e entretenimento de forma continuada e dando-lhes a conhecer eventos, personalidades e realidades que, de outra forma, lhes estariam vedados.

A imprensa, a televisão e a rádio conquistaram a designação de meios de comunicação de massas devido à sua capacidade de chegar à genera- lidade das populações de forma fácil e continuada, mas também porque são entendidas como instrumentos e veículos de massificação. Os meios de comunicação social podem tornar-se um instrumento de eliminação das diferenças e fomentar a homogeneização das opiniões e formas de estar. Para além disso, o facto de a comunicação estabelecida por estes

meios ser primordialmente unilateral e vertical faz com que esteja mais próxima da propaganda e da manipulação do que uma comunicação ho- rizontal e bidireccional em que ambos os agentes são simultaneamente emissores e receptores colocados no mesmo plano e em que a discussão e o confronto de pontos de vista distintos são parte integrante do pro- cesso comunicacional (Sá 2002). Por estes motivos, desde os seus primór- dios e até à actualidade, estes meios de comunicação social têm sido pers- pectivados como uma forma eficaz e simples de influenciar a opinião dos seus consumidores.

A academia apercebeu-se deste potencial dos meios de comunicação social muito cedo. O interesse das ciências sociais pela influência dos

media nas atitudes e nos comportamentos políticos dos cidadãos remonta

aos primeiros anos do século XX, altura em que estes se afirmam como meios de comunicação de massas, bem como começam a ser usados como instrumentos de propaganda política de uma forma generalizada (Sears 1987). O progresso rápido das tecnologias de comunicação social (surgimento da rádio e da televisão), a sua grande difusão e os aconteci- mentos observados nos regimes totalitários da Europa nas décadas de 20 e 30 criaram a imagem de que os media tinham, de facto, um imenso poder de manipulação das populações. Neste contexto, a persuasão era entendida como funcionando da mesma maneira que uma injecção hi- podérmica – os candidatos influenciariam os eleitores através da difusão de uma mensagem cuidadosamente elaborada que seria integral e ime- diatamente interiorizada pela audiência (Iyengar e Simon 2000).

Ao longo do século, contudo, a opinião da academia sobre o facto de os meios de comunicação social terem influência nas atitudes políticas dos cidadãos que a eles se expõem sofreu algumas variações. Os cientistas sociais começam a perspectivar com suspeição o modelo hipodérmico (por exemplo, Lundberg 1926), tanto assim que, na década de 40, a pro- paganda de campanha e os mass media eram já perspectivados de forma distinta (Mott 1944; Sears 1987). É nesta década que tomam lugar os pri- meiros estudos de escopo alargado, entre os quais se destaca a investigação clássica levada a cabo por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet [1966 (1944)]. Este trabalho vem definitivamente enfraquecer a hipótese de que a ex- posição a mensagens políticas através dos media tenha, de facto, efeitos persuasivos significativos, verificando-se que, quanto mais as pessoas se expunham aos media, menos mudavam as suas posições. Com base nesta evidência empírica, toma lugar o «paradigma dos efeitos mínimos» (Klap- per 1960, cit. in Kinder 1998), que postula que, de uma forma geral, a comunicação política feita através dos media serve apenas para reforçar

atitudes prévias e não conduz à mudança de atitudes, enquanto a comu- nicação interpessoal assume um papel preponderante como elemento de persuasão política (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet 1966 [1944]; Lipset et

al. 1954). Entretanto, devido aos resultados pouco motivadores obtidos,

este domínio de investigação conhece algum desinteresse e abandono por parte das ciências sociais.

A partir da década de 70 ressurge o interesse das ciências sociais pelo efeito persuasivo das mensagens políticas veiculadas pelos media. No en- tanto, «este retorno aos efeitos dos media não significa um retorno à ideia que se tinha no início dos anos 40 sobre influências e efeitos directos, uma vez que agora se pretende revelar a forma indirecta e subtil através da qual os media contribuem para a formação da nossa percepção do meio envolvente e para a organização dos nossos padrões de resposta» (Vala 1984, 53, tradução minha). Assim sendo, a investigação sobre a co- municação política mediatizada tem-se centrado fortemente nos deno- minados efeitos cognitivos: a agenda setting (influência da saliência de um tema nos media na importância que a opinião pública lhe confere; McCombs e Shaw 1972), o priming (utilização da agenda estabelecida pela cobertura mediática como fonte de critérios de avaliação das perso- nalidades políticas; Iyengar e Kinder 1987) e o framing (utilização de en- quadramentos de um determinado tema que realçam um dos seus aspec- tos, influenciando o entendimento público do tema, das suas consequências e da sua importância; Jasperson et al. 1998).

O marasmo proporcionado pelo paradigma dos efeitos mínimos deu, assim, lugar a uma corrente de investigação dinâmica e imaginativa, no- meadamente no contexto dos estudos sobre fenómenos sócio-cognitivos de influência. A exposição à informação de natureza política através dos meios de comunicação social, no contexto de campanhas políticas ou fora dele, voltou a ser considerada uma variável fundamental para o en- tendimento das atitudes e do comportamento dos indivíduos – podendo influenciar os temas que são considerados mais importantes em deter- minado momento, os critérios de avaliação dos candidatos (incumbentes ou não), ou até mesmo a perspectiva através da qual se entende determi- nado assunto público.

No entanto, se é verdade que existe um acervo gigantesco de investi- gação científica realizada sobre os efeitos da exposição à informação de natureza política (informação, debates, publicidade política) (v., por exemplo, Kinder 1998), o mesmo não se pode dizer sobre os factores que explicam esta exposição. De facto, num contexto em que os princi- pais meios de comunicação social – televisão, imprensa e rádio – chegam

ao conjunto da população de uma forma fácil e contínua, interessa co- nhecer os padrões e os factores que influenciam o grau de exposição à informação política veiculada. No início do século, o público era visto como uma audiência genérica, vasta, cativa e facilmente influenciável (Sears 1987). Hoje em dia não faz sentido pensar na população como uma amálgama indiferenciada de indivíduos.

Por outro lado, se as ciências sociais reconhecem que os meios de co- municação social têm efeitos interessantes e se a exposição a esses meios é condição sine qua non para a ocorrência de tais efeitos (ainda que mo- derada por factores como a atenção; Hill 1985; Price e Zaller 1993), in- teressa perceber exactamente quais são os factores que conduzem a um maior grau de exposição.

O objectivo desta investigação é então o de fazer uma análise dos pa- drões e dos factores que influenciam a exposição a informação política através dos meios de comunicação social no contexto de uma campanha eleitoral, centrando a análise no caso das últimas eleições legislativas em Portugal. Os dados utilizados para dar resposta às questões de investiga- ção colocadas foram recolhidos num momento posterior às eleições le- gislativas de 20 de Fevereiro de 2005. Os dados foram recolhidos pelo projecto Comportamento Eleitoral e Atitudes Políticas dos Portugueses (CEAPP), do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

O objectivo acima explicitado insere-se num propósito mais amplo – o de fazer uma análise sistemática e aprofundada da questão dos efeitos da comunicação política mediatizada, cujos estudos centrados no caso por- tuguês são muito pouco numerosos. De facto, um estudo pioneiro do com- portamento eleitoral e das atitudes políticas dos portugueses, levado a cabo por Mário Bacalhau e Santos Lucas (IPOPE 1973), continha uma bateria de questões sobre a exposição aos media, a preferência e a confiança; apesar disso, a análise feita pelos investigadores é meramente descritiva, não le- vantando quaisquer questões acerca da relação entre aqueles indicadores e os comportamentos e atitudes políticas que também foram focados no in- quérito. Após a transição para o regime democrático foram realizados ou- tros estudos em que a questão dos media estava presente. Os inquéritos de 1978, 1984, 1985, 1987, 1993, 1999 e 2002 incluíam questões sobre a ex- posição aos meios de comunicação de massa e um outro estudo realizado em 1988 questionava os inquiridos acerca do grau de atenção que dispen- savam às notícias políticas (v. Freire et al. 2005). Apesar disso, a revisão da literatura permite-nos concluir que a utilização deste acervo de dados em estudos sobre a relação entre os media e as atitudes e comportamentos po- líticos praticamente não tomou lugar.

Este capítulo está organizado em duas partes. A primeira constitui uma reflexão sobre o contexto em foco – a campanha para as eleições legisla- tivas de 2005 –, nomeadamente através da apresentação dos protagonis- tas, de algumas das temáticas que marcaram a campanha e dos resultados destas eleições. Na segunda parte começa-se por fazer uma análise des- critiva da exposição à campanha mediatizada para as eleições de Fevereiro de 2005, tentando identificar os principais padrões que caracterizaram essa exposição, quer de uma forma geral, quer em relação aos três dife- rentes meios em estudo: imprensa, rádio e televisão. Depois disto suge- rem-se algumas hipóteses relativas aos factores que influenciam o grau de exposição à campanha nos meios de comunicação social e testam-se essas hipóteses com recurso aos dados recolhidos pelo inquérito pós-elei- toral.

A campanha para as legislativas de 2005: