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Introdução

Neste texto apresentamos uma análise das principais características sócio-demográficas e políticas que permitem distinguir entre os eleitores do governo do Partido Social-Democrata (PSD) em 2002 que lhe retira- ram a sua confiança nas eleições de 2005 e os cidadãos que votaram PSD em 2002 e mantiveram o seu apoio ao partido nas últimas eleições legis- lativas. Como todos sabem, a maior parte da literatura sobre o compor- tamento eleitoral pretende explicar o comportamento de todos os cida- dãos com direito de voto. No entanto, julgamos que pode ser interessante cingir o estudo a um grupo mais restrito de cidadãos (neste caso, os ci- dadãos que tinham votado no partido do governo nas eleições anteriores) para verificar se existem características estruturais que diferenciam os in- divíduos que retiram o seu voto de confiança no governo daqueles que apostam na sua continuidade.

Para este estudo, as eleições de 2005 em Portugal oferecem um cenário muito apropriado aos objectivos desta investigação devido à especificidade de toda a legislatura anterior. Trata-se de uma legislatura muito contro- versa, com problemas económicos, políticos e institucionais, que chegou mesmo a dividir o partido que se encontrava no poder, o PSD. Este é um cenário favorável porque permite verificar se, em condições extremas, aqueles que apoiam o governo estão mais desinformados, têm menos re- cursos educativos, estão mais desinteressados dos assuntos políticos, ou

estão localizados em núcleos de população distintos dos daqueles que abandonam o governo nas eleições, ou, pelo contrário, descobrir se não existem diferenças entre um grupo de cidadãos e o outro, atendendo às variáveis que utilizaremos para analisar estas eleições.

Este trabalho dividir-se-á em quatro secções. Na primeira parte faremos uma revisão dos estudos que tentaram explicar a resistência de alguns ci- dadãos em mudar o seu voto, bem como da investigação que analisou o apoio a governos cujos maus resultados poderiam ser prenúncio de um abandono massivo de eleitores. Na segunda secção caracterizaremos o contexto político das eleições que são objecto deste estudo – as eleições legislativas portuguesas de 2005. Na terceira parte apresentaremos a va- riável dependente e as variáveis independentes que podem servir para identificar ou distinguir entre um e outro grupo de cidadãos. Por último, através de uma análise descritiva, apresentaremos as principais diferenças entre os que renovaram a confiança no PSD e aqueles que a retiraram, explorando as explicações que podem estar na base destas diferenças.

Antecedentes

No dia das eleições, os cidadãos que vão votar dão o seu apoio a uma candidatura, geralmente um partido político. A maioria dos eleitores des- cobrirá que a sua aposta eleitoral é vencedora e que o partido em que votou terá a oportunidade de formar governo. Certamente que no momento de depositar o boletim de voto vencedor existem cidadãos que já retiraram o seu apoio ao partido. Trata-se de cidadãos que votam com um certo des- conforto, com o propósito de contribuir para a derrota de um governo que lhes parece ser mais detestável do que a opção política em que votam. Assim sendo, enquanto vêem o seu boletim entrar na urna, já deixaram de apoiar o partido em que votaram. Estes serão os primeiros cidadãos que não voltarão a votar no partido vencedor, independentemente da actuação que este tenha no governo durante a legislatura. A partir deste momento, a bolsa de eleitores herdados irá diminuindo pelas mais variadas razões (apontar-se-ão argumentos políticos, económicos ou pessoais), ocorrendo, ao mesmo tempo, novas adesões e apoios gerados por motivos idênticos. Neste trabalho apenas iremos debruçar-nos sobre a bolsa de eleitores her- dados (os eleitores do PSD nas eleições de 2002) e estaremos apenas inte- ressados em analisar as características dos que na fase final da legislatura – o dia das eleições seguintes (as eleições de 2005) – apostam novamente no partido, voltando a demonstrar-lhe a sua confiança.

Permanecer leal ao partido em que se votou até ao final da travessia, quando este tem a responsabilidade de governar, pode ser particular- mente difícil. Isto é especialmente notório quando as circunstâncias que rodeiam a viagem não podem ser piores, tornando-a uma legislatura «ca- tastrófica» (Almeida e Freire 2005), com uma mudança de capitão (Durão por Santana Lopes), uma divisão aberta entre a tripulação (abandono de ministros a meio da legislatura), uma travessia em direcção contrária ao bilhete comprado (a economia cada vez pior) e, por último, a proibição por prescrição legal de continuar a navegar (a dissolução do parlamento por parte do presidente da República). Nestas circunstâncias (as que cons- tituem o nosso caso), é previsível que os cidadãos que resistem até ao final, votando no partido que apoiaram em 2002, devam ser muito dife- rentes dos que não renovam a confiança depositada no início da viagem. Podemos supor, por exemplo, que os cidadãos que resistem até ao final não se deixaram influenciar pelos problemas que rodearam o governo do partido em que votaram.

Mas sabemos que os cidadãos podem ter outros critérios para inter- pretar os governos, que são alheios às más condições económicas e po- líticas (Maravall 2003). Estes critérios podem estar relacionados com a forma como se informam (ou a sua informação privada), as suas caracte- rísticas sócio-demográficas, as suas posições ideológicas ou os seus com- promissos passados. O apoio ao governo, inclusivamente nas circuns- tâncias mais adversas, começou a ser estudado pela escola de Michigan. Os seus principais defensores (Campbell et al. 1980[1960]; Converse 1969) argumentavam que não deveríamos preocupar-nos com esta ques- tão, uma vez que a identificação partidária desenvolvida ao longo do tempo criaria um vínculo emocional forte, fazendo com que até mesmo os governos mais nefastos para os cidadãos continuassem a ser apoiados por este tipo de eleitor. Assim, alguns eleitores sentir-se-iam de tal maneira identificados com um partido político que atribuiriam o seu voto a esse partido sem ter em conta os resultados do governo. Mais recentemente, Bartolini e Mair (1990) voltaram a defender a continuidade do encapsu- lamento de alguns eleitores, que torna difícil quebrar a inércia de votar no mesmo partido.

Outra literatura, centrada no voto económico, tentou identificar os bons e os maus eleitores económicos (Stokes 2001) em função da coe- rência da sua avaliação da gestão económica do governo e da conversão dessa avaliação em recompensa ou castigo. Designava por «eleitores exo- nerativos» aqueles que continuavam a votar no governo, mesmo pen- sando que o desempenho do governo tinha sido mau e assim se iria man-

ter no futuro. Posteriormente, demonstrou-se, no caso espanhol, a exis- tência de umas «palas ideológicas» (Maravall e Przeworski 1999) que im- pediam alguns cidadãos fortemente identificados com o partido no poder de abandonar esse partido, inclusive quando não estavam de acordo com as suas políticas.

A existência deste tipo de eleitores que resistem à mudança explica o facto de que os partidos do governo não desaparecem de umas eleições para as outras. De facto, um estudo que analisa dados agregados relativos a todas as eleições democráticas celebradas desde 1945 até 2004 (Barreiro 2007) demonstra que a média da perda de votos dos governos é de uns escassos 5%, salvo algumas eleições excepcionais. A literatura que fala de alinhamento e desalinhamento do sistema de partidos também deixou claro que a desafeição, a crise de representação e a desconfiança progres- siva nos partidos políticos não foram capazes de romper com o vínculo de muitos eleitores com o seu partido preferido, mesmo quando este não tem uma boa prestação perante a responsabilidade de governar. Ou seja, mesmo com o aumento da desconfiança face aos partidos (Abramson 1992), na maioria das democracias ocidentais a identificação não desa- pareceu (Biorcio e Mannheimer 1995). A identificação partidária é mais fraca do que no pós-guerra e, apesar de continuar a ser considerada rele- vante para explicar o comportamento eleitoral, é-o cada vez menos de- vido ao progressivo declínio da identificação com os partidos nas demo- cracias ocidentais (Dalton e Wattenberg 2000).

Diversos autores (Gunther e Diamandouros2001; Torcal e Montero 2006; Freire 2006) referiram que em Portugal deveria ser mais fácil abandonar um governo que não apresenta bons resultados devido à existência de fracas identificações partidárias. No conjunto das dez eleições com maior volati- lidade entre os dois blocos ideológicos registadas na Europa de 1945 a 2002 encontravam-se cinco eleições portuguesas. Sabemos também que, concre- tamente, o PSD, mesmo tendo um grande poder de retenção ideológica dos seus eleitores de direita (Gómez Fortes 2007), não teve a mesma facili- dade para fazer com que os seus eleitores do centro (que são a maioria) mantivessem uma intensa lealdade à sua sigla. Apesar da alta volatilidade média em Portugal, há que referir que o apoio aos dois principais partidos (o Partido Socialista – PS – e o PSD) nunca desceu abaixo dos 28%. No caso particular de 2005, o PSD desceu de 40% para 28,8%.

Como vemos na figura seguinte (relativa às eleições legislativas de 2005), confirma-se a fraca identificação partidária entre os eleitores do PSD, que outros estudos sobre os partidos em Portugal tinham já observado (Gun - ther 2004). Trata-se do partido com menos eleitores identificados – 38%

dos eleitores sentem-se identificados com o PSD, face a 47% dos eleitores do PS, 50% dos eleitores do CDS-PP e 57% dos eleitores do PCP-CDU, que é o partido que tem uma identificação mais alargada e mais intensa entre os seus eleitores. A fraca identificação ideológica do PSD é explicada por alguns estudos (Gunther 2004) pela dificuldade que este partido teve, durante os anos revolucionários, para criar e consolidar uma base organi- zativa em torno de uma ideologia de centro-direita.

Esta fraca identificação partidária entre os eleitores do PSD pode conferir maior relevância a outras características dos cidadãos (como a informação e o conhecimento político, os perfis sócio-demográficos, a ideologia ou o grau de interesse pela política) na determinação do comportamento elei- toral expresso no dia das eleições «singulares» de 2005.

As eleições legislativas de 2005: