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A percepção de uma proximidade entre o PS e o PSD é recorrente no discurso público, reflectido na noção generalizada de um «bloco central» na governação em Portugal. Interessa-nos aqui verificar esta noção, pro- curando estabelecer o posicionamento «real» de cada um destes partidos. Para tal são usados dois instrumentos: os seus programas eleitorais nas legislativas de 2005 e o posicionamento que lhes é atribuído por experts.

5Esta nota é redundante para os que estão familiarizados com o modelo de Downs

ou com o modelo de competição espacial de Hotelling. Para os que não estão, a explica- ção deste resultado aparentemente contra-intuitivo é bastante simples. Imagine uma escala esquerda-direita de 1 a 10. Na posição 1 encontra-se um eleitor, na posição 2 encontram- -se dois eleitores, e assim sucessivamente, até chegarmos à posição 5, que tem 5 eleitores. A posição 10 tem 1 eleitor, a posição 9 tem 2 eleitores, e assim sucessivamente, até che- garmos à posição 6, que tem 5 eleitores. Num sistema bipartidário, com os pressupostos de Downs, as melhores posições para cada partido serão as posições 5 e 6, cada qual ga- rantindo 15 votos. Se um partido procurar distinguir-se mais – passando da posição 6 para a 8, por exemplo –, perderá apoio, garantindo apenas 10 votos (correspondentes às posições que lhe são mais próximas – posições 7 a 10), contra 20 do seu rival.

Os programas eleitorais são considerados uma boa forma de avaliar o posicionamento dos partidos, na medida em que são o principal ins- trumento que um partido tem para apresentar as suas verdadeiras prefe- rências políticas à sociedade, e de o fazer quando mais «conta», os pe- ríodos eleitorais. Ware (2003, 21 e 47) argumenta que os programas são um bom indicador do posicionamento real dos partidos, na medida em que permitem captar mudanças e evoluções no posicionamento dos par- tidos ao longo do tempo. E, como Mair e Mudde (1998, 218) salientam, o recurso aos programas eleitorais permite classificar os partidos de acordo com o que estes efectivamente identificam como as suas posições políticas em vez «de posições que lhes sejam imputadas por um inves- tigador externo».

De modo a avaliar o posicionamento dos partidos é usada a codifi- cação do Comparative Manifestos Project para as legislativas de 2005. Esta codifica as posições declaradas dos partidos em várias dimensões políti- cas, como cada conjunto de palavras que transmite uma ideia política específica a ser classificado de acordo com uma grelha de 56 categorias específicas.6O posicionamento dos partidos na escala esquerda-direita

é feito utilizando a variável rile do Comparative Manifestos Project. Esta agrega as posições declaradas dos partidos em várias dimensões políticas e tradu-las para uma escala única de esquerda-direita. Esta agregação não viola os pressupostos do modelo de Downs, dado que este se baseia pre- cisamente na noção de que as posições políticas são agregáveis numa escala única.

A percepção corrente de que os dois partidos centristas portugueses se assemelham parece ser confirmada quando analisamos as suas plataformas políticas nas legislativas de 2005. A comparação com outros países é reve- ladora da aproximação entre os dois principais partidos em Portugal. Se, em geral, a tendência downsiana de aproximação ao centro dos principais partidos tende a confirmar-se (em maior ou menor grau) nos diferentes países, esta parece ser particularmente intensa em Portugal. A diferença entre o PS e o PSD era – neste indicador – virtualmente inexistente nas legislativas de 2005, ao contrário de outros países que teoricamente melhor

6As bases de dados para Portugal até 1999 e para outros países são H. Klingemann et al.

(2006), Mapping Policy Preference II: Estimates for Parties, Electors and Governments in Eastern Eu-

rope, the European Union and the OECD, 1990-2003, Oxford, Oxford University Press, e

I. Budge et al. (2001), Mapping Policy Preferences: Estimates for Parties, Electors, and Governments

1945-1998, Oxford, Oxford University Press. Para as legislativas de 2002 e 2005, os dados

foram cedidos pela codificadora do caso português, Patrícia Silva. Para mais sobre o Com-

encaixariam o modelo de Downs, no sentido em que apresentam sistemas mais claramente bipartidários e/ou sistemas eleitorais maioritários.

Os programas eleitorais sugerem que o PS e o PSD eram virtualmente indistinguíveis nas legislativas de 2005 em termos da sua posição (agre- gada) em relação a temas políticos. Mas será que tal se verifica quando examinamos temas políticas específicos? E será que estes partidos atri- buem a mesma importância aos distintos temas políticos? Esta última questão é importante: como Borre (2001) salienta, o impacto dos temas políticos no comportamento eleitoral, potencialmente, abarca dimensões que vão para além da posição específica num determinado tema, sendo uma destas a saliência atribuída a cada tema. A análise de conteúdo dos

Quadro 5.1 – Posicionamento esquerda-direita segundo as plataformas políticas, PS e PSD (2005)

Posicionamento esquerda-direita

PS –0,11

PSD 0,02

Fonte: Comparative Manifestos Project, dados da codificação – Portugal, legislativas de 2005 (CMP-

-Portugal, 2005).

Nota: Centro = 0; valores negativos = esquerda; valores positivos = direita. A escala pode variar

entre –100 e 100, embora os valores limites sejam altamente improváveis.

Figura 5.2 – Diferença no posicionamento entre os dois principais partidos na escala esquerda-direita segundo as plataformas políticas

Fonte: Comparative Manifestos Project.

35 30 25 20 15 10 5 0 Portugal

(2005) França(2002) Reino Unido(2001) Grécia(2000) Alemanha(2002) (2001)Itália Espanha(2000) 0,13

7,17

9,34 12,26 12,52

26,26

programas eleitorais permite avaliar esta segunda dimensão, permitindo comparar o peso relativo de cada tema.

De igual modo, vale a pena avaliar até que ponto existia uma corres- pondência entre as prioridades políticas dos dois partidos centristas e as principais preocupações dos eleitores nas legislativas de 2005. Uma das críticas mais salientes no comentário político corrente é a ideia de que os (principais) partidos se aproximam demasiado dos eleitores, baseando as suas políticas nas sondagens e focus groups, em vez da ideologia, e assim gerando opções cada vez mais indistintas para os eleitores.7A avaliação

normativa negativa desta proximidade entre partidos e cidadãos é, con- tudo, altamente questionável. Por um lado, como McDonald, Budge e Pennings (2004) salientam, grande parte da teoria democrática sugere efectivamente que os partidos deveriam oferecer uma escolha efectiva aos eleitores. Por outro lado, a noção de que os representantes são reac- tivos às preferências dos eleitores é central à própria concepção de de- mocracia. As instituições democráticas visam a tradução prática do prin- cípio da participação política dos cidadãos, e como tal a existência de correspondência entre as posições de partidos e de eleitores tenderá tam- bém a corresponder aos valores democráticos. Assim, McDonald, Budge e Pennings (2004) argumentam que pode surgir uma potencial incom- patibilidade entre estes dois «bens» democráticos da escolha clara e da proximidade entre eleitos e eleitores.

As figuras 5.3 e 5.4 apresentam os temas mais referidos nos programas eleitorais do PS e do PSD, com a figura 5.5 a elencar os temas que os portugueses consideraram prioritários no estudo eleitoral de 2005.

A codificação dos programas eleitorais por parte do CMP não permite avaliar a existência de uma correspondência exacta entre as preocupações dos eleitores e as dimensões mais salientes dos programas eleitorais dos partidos. Contudo, parece existir alguma proximidade, na medida em que itens como justiça social, regulação do mercado, produtividade ou expansão da protecção social tenderão a estar relacionados com o de- semprego, rendimentos baixos e pobreza e situação económica. Outras correspondências são mais evidentes: por exemplo, entre a expansão da despesa na educação e a preocupação dos portugueses com o sistema educativo, a expansão da protecção social e a prioridade dada ao sistema

7Para exemplos domésticos deste fenómeno, v., por exemplo, o artigo de opinião de

Fernando Sobral «O pesadelo das sondagens», Jornal de Negócios, 31 de Janeiro de 2005, cuja frase de abertura é «Warren Buffett, com ironia, disse uma vez que ‘uma sondagem não é um substituto do pensamento’. Não é, mas há quem pense que é».

de saúde e a lei e a ordem pública e as questões da insegurança e crime e tráfico/consumo de droga. Contudo, esta correspondência não é exacta, e alguns temas apresentam um destaque consideravelmente maior nos programas partidários do que entre os inquiridos – notavelmente, aqui, a questão ambiental, a tecnologia e infra-estruturas ou a cultura.

Figura 5.3 – Os temas mais salientes do programa eleitoral do PS (2005)

(em percentagem)

Fonte: CMP–Portugal, 2005.

Eficiência governamental e administrativa Tecnologia e infra-estrutura Expansão da despesa na educação Expansão da protecção social Cultura Regulação do mercado Justiça social Protecção do meio ambiente Referências positivas ao internacionalismo Lei e ordem Descentralização Incentivos fiscais e subsídios Ortodoxia económica Agricultura e agricultores Produtividade 13,5 11,2 7,3 7,0 6,0 5,6 4,2 3,5 3,4 3,4 2,9 2,8 2,4 2,3 5,5

Figura 5.4 – Os temas mais salientes do programa eleitoral do PSD (2005)

(em percentagem) Fonte: CMP–Portugal, 2005. 18,3 13,4 12,2 4,9 4,3 3,7 3,3 3,1 3,1 2,9 2,5 2,3 2,2 2,0 3,4 Eficiência governamental e administrativa

Protecção do meio ambiente Tecnologia e infra-estrutura Produtividade Regulação do mercado Justiça social Cultura Incentivos fiscais e subsídios Expansão da despesa na educação Ortodoxia económica Expansão da protecção social Economia de mercado Lei e ordem Descentralização Defesa dos valores nacionais

O que é talvez mais evidente nestas três figuras não é, contudo, a cor- respondência entre os eleitores, mas antes a correspondência entre os par- tidos. Os programas do PSD e do PS abarcaram mais de quarenta das diferentes áreas programáticas da codificação do CMP. Das 15 temáticas mais referidas em cada um dos programas eleitorais, 13 são comuns aos dois partidos. Tal acontece em termos de temas políticos de «posição» – ambos os partidos defendem a regulação do mercado, o alargamento e aumento da despesa na protecção social e da educação ou a igualdade e justiça social. Mas também nos temas «consensuais» e neutros sobressai uma convergência em termos da saliência atribuída, como se pode ver na prioridade atribuída à tecnologia e infra-estruturas, ao meio ambiente ou à cultura. Estes resultados são consistentes com a avaliação mais geral da variável rile, que apontava para uma considerável semelhança nas pla- taformas políticas dos dois principais partidos nas legislativas de 2005.

Este padrão identificado pela análise dos programas eleitorais não é infirmado pelos dados de posicionamento dos dois principais partidos obtidos através de expert surveys.8Em específico, considerámos o posi-

Figura 5.5 – Os temas prioritários para os inquiridos

(em percentagem de respostas)

Nota: É omitido o tema «Outro tópico político» (4% de respostas), dada a sua falta de especifici-

dade.

Fonte: CEAPP – Base de dados, legislativas de 2005.

37,6 20,0 6,2 5,2 4,6 2,0 1,7 1,2 1,2 1,0 0,9 0,8 0,8 1,9 Desemprego Situação económica Desempenho do governo Rendimentos baixos e pobreza Saúde/sistema de saúde Educação Dívida pública Insegurança e crime Clima Inflação O euro Droga (consumo e tráfico) Outros tópicos ligados à economia ou política económica Valores e normas sociais Impostos e política fiscal 0,7

8Para as vantagens e desvantagens das avaliações de posicionamentos partidários atra-

vés da codificação de programas eleitorais versus expert surveys, v. Benoit e Laver (2007a e 2007b), Budge e Pennings (2007), Volkens (2007) e Laver et al. (2003, 330).

cionamento do PS e do PSD por especialistas na escala esquerda-direita e o seu posicionamento em relação à intervenção do Estado na econo- mia, bem como a saliência deste tema. Neste segundo caso, os partidos foram classificados numa escala de 1 a 20, em que «1» significa que um partido defende «o aumento dos impostos de modo a alargar os serviços públicos» e «20» significa que defende «a redução dos serviços públicos a fim de reduzir os impostos». A saliência do tema para os partidos foi também avaliada numa escala de 1 a 20, em que 20 representa um grau máximo de saliência. Esta escala, tal como a do posicionamento es- querda-direita dos partidos, foi convertida para uma escala 1 a 10, de modo a ser mais comparável com os outros dados disponíveis.

Os dados tendem a confirmar a proximidade ideológica entre os dois partidos centristas portugueses. No que diz respeito ao posicionamento na escala esquerda-direita, Portugal apresenta a mais baixa distância entre os dois principais partidos dos países considerados, juntamente com a Grécia e a Alemanha, e fica substancialmente abaixo de países como a Itália ou a Espanha.9

A proximidade entre o PS e o PSD é confirmada quando é avaliada a sua posição em relação à intervenção do Estado na economia e a saliência que atribuem a este tema. Dos sete países aqui considerados, apenas a Grécia apresenta um grau de proximidade substancialmente mais elevado entre os dois principais partidos neste tema. De igual modo, Portugal apresenta o nível mais baixo de saliência para esta temática (média da sa- liência para os dois principais partidos).

Quadro 5.2 – Avaliação na escala esquerda-direita e distância entre os principais partidos, avaliação de especialistas (escala 1 a10)

Posição Posição Distância

País Partido na escala Partido na escala entre os dois esquerda-direita esquerda-direita partidos

Portugal PS 4,3 PSD 6,9 2,6

Grécia PASOK 5,2 ND 7,8 4,4

Alemanha SPD 4,2 CDU/CSU 6,8 4,8

Reino Unido Trabalhista 5,5 Conservador 8,2 2,6

Espanha PSOE 4,1 PP 8,5 2,6

Itália DS 3,0 FI 7,8 2,6

Fonte: Benoit e Laver (2006).

9A França foi excluída porque a base de dados de Laver e Benoit (2006) não inclui a

Os dados apontam, assim, para uma proximidade no posicionamento do PS e do PSD, sendo esta particularmente intensa quando considera- mos as suas posições programáticas nas legislativas de 2005. Mas será assim que os eleitores vêem os principais partidos? Caso os eleitores atri- buam aos partidos posições diferentes daquelas que estes apresentam nos seus programas políticos, tal infirmará o pressuposto downsiano de que os eleitores conseguem reconhecer a posição dos partidos.

Os resultados confirmam o pressuposto de Downs. Assim, os eleitores conseguem reconhecer a posição relativa dos partidos e não há, portanto, o efeito de «ultrapassagem» na escala esquerda-direita. Contudo, as posi- ções dos partidos parecem ser substancialmente mais próximas em ter- mos dos seus manifestos do que aquilo que os eleitores percepcionam.

Os partidos seguem os eleitores