• Nenhum resultado encontrado

Introdução

Este capítulo examina a relação entre o lado da oferta e da procura no comportamento eleitoral português. A relação entre estes no mercado eleitoral não está longe do proverbial «dilema de causalidade» entre o ovo e a galinha. À primeira vista, poderá parecer mais fácil determinar a criação original na relação entre sistemas de partidos (oferta) e eleitores (procura) do que entre o ovo e a galinha. Efectivamente, os sistemas par- tidários são em larga medida determinados pelos resultados eleitorais, os quais, por sua vez, são o produto das escolhas do eleitorado.1

* Gostaria de agradecer a Marina Costa Lobo pelos comentários que fez a versões ante- riores deste trabalho. Eventuais erros que subsistam são, evidentemente, da minha inteira responsabilidade. Tal aplica-se também aos comentários recebidos na conferência «Os con- textos do voto em Portugal: perspectivas sobre as eleições legislativas e presidenciais (2005- -2006)», ICS-UL, 29 e 30 de Março de 2007, e no seminário de investigação do Centro de Estudos em Governação e Políticas Públicas da Universidade de Aveiro, 24 de Abril de 2007, onde foram apresentadas versões anteriores deste trabalho. Estou grato também a Pa- trícia Silva pela disponibilização dos dados da codificação dos programas partidários.

1É verdade que os sistemas partidários não mudam necessariamente como conse-

quência dos resultados eleitorais. Na medida em que um sistema partidário é o padrão de interacção entre partidos, a advertência de Mair (1997, 215) torna-se relevante: os pa- drões eleitorais podem mudar sem afectar o sistema de partidos e, de igual modo, a es- trutura da interacção partidária pode ser subitamente modificada sem um realinhamento eleitoral significativo. Dito isto, os sistemas de partidos dificilmente conseguem resistir a alterações radicais no comportamento eleitoral. A morte do sistema partidário da I Re-

Na prática, a questão do que vem primeiro é mais complexa. Isto por- que, se os sistemas partidários parecem ser uma consequência do compor- tamento eleitoral, simultaneamente parecem também ser um importante constrangimento sobre este. A existência de uma substancial autocorrelação temporal no resultado eleitoral entre eleições é um bom indicador deste efeito potencial. Efectivamente, o resultado da eleição anterior é um pre- ditor fortemente significativo do resultado da eleição seguinte. Tendo em conta que os partidos se apresentam formalmente ab novo em cada eleição, nada impede os eleitores de alterarem o seu voto a cada eleição, a nível in- dividual e agregado. Em termos probabilísticos, deveríamos assistir a uma muito maior alteração no sentido de voto entre eleições. E, se tivermos em conta outros dados – como, por exemplo, os níveis relativamente baixos de confiança nos partidos por toda a Europa –, tal poderia até ser um fe- nómeno expectável. No entanto, alterações radicais no sentido do voto, como em Itália no início da década de 90, são na prática raras, uma reali- dade capturada pela sua descrição enquanto «terramotos políticos».

O lado da oferta partidária – ou seja, a escolha que os partidos permi- tem aos eleitores – tem sido identificado como um potencial factor ex- plicativo importante para o comportamento eleitoral dos portugueses, sobretudo da preponderância dos factores políticos de curto prazo. Como salienta Freire (2004, 188), «o facto de os partidos não apresenta- rem propostas políticas suficientemente claras aos eleitores parece ser mais importante [no comportamento eleitoral] do que as tendências es- truturais em termos da evolução do perfil social e psicológico dos eleito- res». Nesse sentido, torna-se relevante examinar o impacto do lado da oferta sobre o comportamento eleitoral, examinando para tal o caso das eleições legislativas de 2005.

Anteriores trabalhos no âmbito do projecto Comportamento Eleitoral e

Atitudes Políticas dos Portugueses apontaram para uma escolha eleitoral em

Portugal largamente influenciada por factores políticos de curto prazo, como a avaliação dos líderes políticos ou do desempenho do governo. Tal tendência é particularmente evidente quando se compara o voto nos dois principais partidos do sistema partidário português, PS e PSD. Este capítulo examina também até que ponto este padrão deriva da oferta par- tidária gerada pelo PS e pelo PSD, em concreto de uma proximidade dos posicionamentos políticos oferecidos por estes partidos.

pública italiana na década de 90 reflecte bem esta dependência última do sistema de par- tidos no comportamento eleitoral. A moeda de troca entre os partidos num sistema par- tidário é, em última análise, o seu peso eleitoral e é deste que depende todo o seu poder negocial na interacção com os outros componentes do sistema.

Começamos por abordar o comportamento eleitoral português no contexto dos modelos explicativos tradicionalmente aplicados à realidade da Europa ocidental. Como será indicado, o caso português é relativa- mente excepcional, na medida em que as características sociais parecem exercer uma influência diminuta sobre o voto – sobretudo na escolha entre os dois principais partidos, PS e PSD. Antes esta parece ser larga- mente determinada por variáveis políticas, com especial destaque para as de curto prazo, como a avaliação do governo ou a simpatia pelos líderes. De seguida é abordada a relação entre a oferta e a procura nos mercados eleitorais, abordando o impacto do lado da oferta sobre o comporta- mento eleitoral. Especificamente, são salientados os constrangimentos que o lado da oferta (partidos e sistema partidário) pode gerar sobre as escolhas eleitorais. Posteriormente é examinado o grau de proximidade no posicionamento dos dois principais partidos portugueses, usando para tal avaliações de especialistas (expert surveys) e a análise de conteúdo dos programas eleitorais apresentados nas legislativas de 2005. O retrato que emerge é de uma proximidade (e ambiguidade) considerável nas posições partidárias, tanto no PS como no PSD, com impacto sobre a natureza da oferta partidária.

Como a análise do comportamento eleitoral sugere, esta proximidade entre os dois principais partidos ajuda a explicar a prevalência de factores políticos de curto prazo na decisão de voto dos portugueses. A proximi- dade entre o PS e o PSD não tem correspondência a nível do eleitorado. Mesmo considerando apenas o eleitorado mais centrista, emergem vários temas políticos que dividem o eleitorado. Contudo, estas diferenças a nível dos eleitores não têm impacto sobre a escolha eleitoral entre os dois principais partidos, o que denota uma incapacidade dos eleitores em dis- tinguir os partidos em termos de posicionamentos políticos. Nesse sen- tido, a proximidade em termos de posicionamentos partidários parece levar os eleitores a procurarem outros factores nos quais possam basear a sua decisão de voto, tornando as variáveis políticas de curto prazo os principais factores de distinção entre os dois partidos centristas.

O que sabemos sobre o comportamento