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A oferta e a procura nos sistema de partidos Como se perpetua um sistema partidário? De acordo com Mair, é atra-

vés dos constrangimentos na escolha que impõe aos seus eleitores. Uti- lizando a concepção de Schattschneider de que «a definição de alterna- tivas é o instrumento supremo de poder», Mair entende que o sistema de partidos impõe uma linguagem política específica, onde um conflito específico se torna predominante – a principal dimensão de competição. Deste modo, os sistemas de partidos «giram em torno de «algo» (Mair 1997, 14), gerando uma estrutura de competição específica, principal- mente a competição pelo governo.3Como Sartori (1994, 37, cit. in Mair

1997, 191) nota, «um sistema de partidos atinge a fase de consolidação estrutural quando o eleitorado toma como garantido um conjunto de rumos e alternativas políticas, tal como os condutores tomam como ga- rantido um sistema de estradas». Nesse sentido, os eleitores seriam con- dicionados na sua escolha eleitoral pelo formato dominante do sistema de partidos, que leva ao «estreitamento do «mercado de apoio»» eleitoral por parte dos partidos. Neste contexto, a articulação de clivagens sociais (por exemplo, através de partidos de massas e suas estruturas organiza- cionais) pode reforçar e/ou acelerar este estreitamento do mercado de apoio, mas não o determina.

A importância do lado da oferta está também subjacente à análise de Downs (1957) sobre a competição política, sobretudo em sistemas bipar- tidários. O modelo de Downs é essencialmente económico e parte de uma série de pressupostos relativamente comuns em modelos económi- cos. Não iremos aqui detalhar todos os pormenores do modelo down- siano.4Contudo, há alguns pressupostos que vale a pena salientar. Em

primeiro lugar, os agentes são maximizadores de utilidade. Para os parti- dos, a utilidade depende do seu número de votos e consequente obten- ção (ou não) do poder. Para os eleitores, a utilidade dos partidos será tanto maior quanto mais próximas forem as políticas públicas das suas

3É a ideia de que os eleitores não expressam apenas preferências por partidos particu-

lares; «antes, embora nem sempre da mesma forma em diferentes sistemas partidários [...] expressam também preferências por potenciais governos» (Mair 1997, 222-223).

4Apesar dos riscos de tal estratégia, como salienta Grofman (1993, 3), «enquanto obra

seminal, An Economic Theory of Democracy encerra um triplo perigo: (1) o de ser sempre citada mas raramente lida, sendo as ideias tão simplificadas que se tornam quase irreco - nhecíveis; (2) o de ser olhada como anacrónica ou irrelevante; (3) e o de ver as suas ideais centrais tão elaboradas por supostos afinamentos que o que antes era bom e sensível se perde nos posteriores melhoramentos».

preferências. Ao mesmo tempo, o modelo abandona o (altamente irrea- lista) pressuposto de informação completa e simétrica do modelo de con- corrência perfeita em economia. Esta imperfeição da informação (e custo da sua obtenção) justifica a criação da ideologia. O custo – em termos de tempo e de outros recursos – de comparar as diferentes políticas pú- blicas de todos os partidos e avaliar o seu impacto é considerável, sobre- tudo num contexto de complexidade e incerteza. Assim, as ideologias servem os eleitores porque simplificam realidades complexas, permitindo- -lhes diferenciar os partidos sem terem de analisar todas as diferenças entre estes. Para o eleitor, a ideologia é um instrumento que reduz os cus- tos de obtenção da informação, permitindo-lhe a escolha eleitoral. Da mesma forma que os eleitores têm interesse em ideologias para simplificar realidades complexas, os partidos têm interesse em criar ideologias para suprir esta procura dos eleitores e diferenciar-se mutuamente.

A partir destes pressupostos Downs concebe um modelo espacial de competição eleitoral que deriva da análise de mercados espacial de Ho- telling. Assim, temos uma escala de esquerda-direita que vai de 0 a 100 e que subsume todas as posições políticas (ou seja, para Downs todas as posições políticas podem ser colocadas ao longo de uma escala ideológica única). Os partidos estão ordenados ao longo desta escala numa forma reconhecível por todos os eleitores. Estes, por sua vez, também estão po- sicionados em termos das suas preferências nesta escala. A distribuição de eleitores está fixa para cada sociedade e – se pode variar de sociedade para sociedade – é expectável que esta seja uma distribuição normal, com o pico no centro da escala ideológica. De igual modo, ela é conhecida dos partidos. Para garantir alguma estabilidade ideológica, Downs argu- menta que os partidos podem mover-se na escala ideológica para a es- querda e a direita, desde que não ultrapassem («saltem por cima») o par- tido mais próximo em direcção ao qual estão a mover-se. Para Downs, o custo de perda de credibilidade junto do eleitorado evita tais «ultrapas- sagens» por parte dos partidos. A natureza do comportamento eleitoral e ideológico dos partidos irá, assim, depender de vários aspectos, entre os quais o número de partidos, a distribuição espacial ideológica do elei- torado e o sistema eleitoral.

Num cenário de bipartidarismo, a previsão do modelo de Downs apro- xima-se da do modelo original de Hotelling. A expectativa será assim que os dois partidos convirjam em busca do «votante mediano», que tenderá a estar ao centro. Como tal, os partidos apresentarão plataformas políticas virtualmente sobrepostas. Esta proximidade mútua ao centro – e, conse- quentemente, um ao outro – é paradoxalmente fruto do objectivo da

maximização do voto. Na medida em que os eleitores votam no partido que lhes seja mais próximo na escala ideológica, e desde que o eleitorado tenha uma distribuição normal com o ponto mediano ao centro, o afas- tamento do centro gerará perdas eleitorais.5O modelo de Downs parece,

assim, captar a difícil relação entre o eleitorado e o sistema partidário e como os partidos podem reagir ao posicionamento dos eleitores de modo a perpetuarem a sua posição.

O que se pretende testar aqui é se este efeito de «votante mediano» ou um seu equivalente próximo ocorre em Portugal de acordo com as pre- visões de Downs (1957), aproximando os dois principais partidos candi- datos ao poder em termos programáticos. Nesse sentido, avaliar-se-á a proximidade de posicionamento dos dois principais partidos, quer através de avaliações de especialistas (expert surveys), quer através dos programas que apresentaram nas eleições legislativas de 2005. Considerar-se-á tam- bém a percepção que os eleitores têm do posicionamento partidário, de modo a verificar se esta se aproxima efectivamente do posicionamento dos partidos atribuído por especialistas ou extraído da análise dos seus programas. Tal é necessário, tendo em conta o pressuposto do modelo de Downs de que os eleitores conseguem identificar o posicionamento dos partidos.