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Os debates presidenciais das eleições de 22 de Janeiro de 2006 ocorre- ram no período de pré-campanha, entre 5 e 20 de Dezembro de 2005.

A antecipação dos debates convinha aos candidatos já declarados em Novembro de 2005, pois permitia-lhes uma exposição máxima, dava-lhes tempo ou para potenciar bons desempenhos ou para controlar danos, conforme lhes corressem os debates, e permitia excluir eventuais candi- datos das periferias políticas, cuja presença não interessava nem aos can- didatos nem ao desejo dos operadores generalistas de audiências razoáveis no prime time. Se realizados durante o período oficial da campanha, os operadores de TV, em especial o do Estado (RTP), teriam de considerar todas as candidaturas aceites, critério que não tinham obrigação de seguir antes desse período. O facto de se interpor o período de Natal e Ano Novo entre a declaração de candidaturas e o início da campanha forne- ceu um argumento para a realização dos debates no princípio de Dezem- bro de 2005. Afinal, o único candidato que veio a ficar de fora dos de- bates foi Garcia Pereira, ligado ao MRPP, único que não provinha ou

Quadro 2.5 – Percepção de enviesamento segundo o voto:

houve um candidato beneficiado e esse candidato foi...

(em percentagem)

Media favoreceram...

Votou

Um candidato CavacoSilva FranciscoLouçã ManuelAlegre MárioSoares

Cavaco Silva 19,3 44,1 0,0 5,9 50,0

Francisco Louçã 36,4 100,0 0,0 0,0 0,0

Jerónimo de Sousa 64,7 86,4 0,0 4,5 9,1

Manuel Alegre 45,3 92,1 2,6 2,6 2,68

Mário Soares 43,9 95,8 0,0 4,2 0,0

não tinha o apoio de partidos parlamentares. A realização precoce dos debates é um dos modelos possíveis, mas torna complexa a sua compa- ração com outros casos em que os debates se realizam poucos dias antes das eleições, como nas legislativas alemãs.

O formato dos debates televisivos é variável. Nas legislativas de 2005 favoreceu-se o formato do debate multicandidato. O formato bipolar do debate entre dois candidatos escolhido para as presidenciais é o favorito do media por evidenciar o carácter confrontacional do evento (Gaber 1998, 267). Ambos os formatos foram discutidos nos períodos pré-elei- torais, cabendo a decisão aos dirigentes ou aos candidatos. É interessante notar que os argumentos favoráveis a um formato servem para uma das eleições, mas não para a outra. Tal controvérsia, que valeria a pena estudar através da sua repercussão na imprensa escrita e de entrevistas aos prota- gonistas, revela o grau de complexidade inerente aos debates, bem como a sua intensa construção prévia, ao nível das ferramentas técnicas e ideo- lógicas. São elementos que realçam o interesse de tal estudo a partir dos Estudos Televisivos.

O modelo dos debates de Dezembro de 2005 foi acordado entre as candidaturas: debates a dois, com dois jornalistas. Tal como sucede nos EUA, aí com extraordinário detalhe, acordaram-se regras específicas para garantir a igualdade de tratamento televisivo a todos os candidatos. A isso juntaram-se outras características televisivas que sublinham a im- portância dos debates: participação diminuta dos jornalistas, com liber- dade de intervenção reduzida e também acordada previamente; trans- missão em directo, sem edição e selecção (como nas notícias e reportagens), assim proporcionando uma relação entre candidatos e elei- tores quase sem intermediários; caracterização agónica dos debates, com os confrontos comparados a partidas desportivas. O modelo dos debates da responsabilidade dos políticos, sendo a televisão menorizada (Schroe- der 2000), fez-se para permitir ao candidato a exposição dos seus temas, por iniciativa própria ou em resposta aos jornalistas; permite uma inte- racção controlada entre os contendores; permite a colocação controlada de algumas questões pelos jornalistas a um ou a outro dos contendores; e permite, o que é essencial, a hipótese (se bem que remota) do confronto entre ambos, embora controlado, através da resposta à resposta do outro. No modelo adoptado para os frente-a-frente presidenciais o debate de ideias nos moldes realizados foi «enriquecedor» face a outros modelos (Santo 2006, 17).

Realizaram-se 10 debates em 16 dias, tendo cada um dos cinco candi- datos – Cavaco, Louçã, Jerónimo, Alegre e Soares – participado em quatro

(quadro 2.6). Os debates começaram todos cerca das 20 horas e 45 minutos, durando, em média, 64 minutos. Os dez programas foram divididos por acordo pelos três operadores generalistas: quatro na RTP1, três na SIC e três na TVI. Em média, cada um foi visto por 1,28 milhões de espectadores. Só um dos debates (Alegre-Louçã) teve um rating inferior a um 1 milhão de espectadores; todos estiveram entre os programas mais vistos do dia; o

rating médio foi de 13,5% e o share médio de 31,5%. O debate Soares-Ale-

gre foi o programa mais visto do dia e os debates Alegre-Cavaco e Soares- -Cavaco foram os terceiros mais vistos do dia. A comparação de audiências entre debates específicos não é aconselhável, pois cada um apresenta-se em concorrência com outros programas, dependendo ainda do dia da semana e de eventuais condições exteriores à audiência televisiva.

Todavia, considerando que essas condições ocorrem aleatoriamente, podem agrupar-se os debates por candidato, de forma a avaliar as respec- tivas médias de audiência. Encontra-se semelhança entre a audiência média dos debates em que cada candidato participou e a sua posição nos resultados eleitorais mais de um mês depois: os debates com Cavaco ti- veram, em média, mais audiência do que os dos outros candidatos; Ale- gre e Soares ficam numa posição intermédia, com uma «vantagem muito pequena de Alegre; Jerónimo e Louçã aparecem nas posições inferiores, mas com vantagem para este. Os resultados da questão «assistiu/não as- sistiu» no inquérito APEME fornecem a mesma ordem quanto à audiên- cia dos debates: Cavaco, Soares, Alegre, Louçã e Jerónimo (quadro 2.7). Encontramos assim um indício de gratificação – uma gratificação polí-

tica – por parte substantiva dos espectadores: uma parte da audiência

tende, em geral, a assistir aos debates com o candidato da sua preferência,

Quadro 2.6 – Debates televisivos presidenciais, 2005

Data Participantes Canal Audiência Audiência Share

(N) (%)

5 de Dezembro Alegre × Cavaco SIC 1 534 700 16,2 36,0

8 de Dezembro Soares × Jerónimo RTP1 1 184 300 12,5 27,7

9 de Dezembro Cavaco × Louçã TVI 1 535 000 16,2 39,0

12 de Dezembro Alegre × Louçã RTP1 966 900 10,2 23,2

13 de Dezembro Cavaco × Jerónimo SIC 1 165 200 12,3 28,4

14 de Dezembro Soares × Alegre TVI 1 728 300 18,3 42,0

15 de Dezembro Jerónimo × Louçã RTP1 1 024 300 10,8 26,0

16 de Dezembro Soares × Louçã SIC 1 102 100 11,7 29,2

19 de Dezembro Alegre × Jerónimo TVI 1 163 400 12,3 29,2

20 de Dezembro Soares × Cavaco RTP1 1 378 000 14,6 34,6

como faz com os outros programas televisivos. Mas a audiência dos de- bates de Louçã, sem correspondência no voto, é um primeiro indicador de que nem sempre a atitude do espectador é a atitude do eleitor.

Acompanhamento dos debates presidenciais

Quase dois terços dos inquiridos no painel ICS (68,2%) viram pelo menos um dos dez debates, no todo ou em parte, entre os candidatos. O acompanhamento dos debates presidenciais foi ligeiramente mais in- tenso do que o das legislativas (quadro 2.8). Em 2005, 33,7% dos inqui- ridos não viram nenhum debate. Nas presidenciais, esse valor foi de 31,8%. Nas legislativas, 11,8% dos inquiridos viram mais de três debates, nas presidenciais a percentagem subiu para cerca do triplo (30,8%). Tendo em conta que o interesse na campanha parlamentar foi superior ao inte- resse na campanha presidencial, esta assistência acrescida aos debates pre- sidenciais confirma a sua importância relativa. Recordemos que a distân- cia entre o objecto da eleição e as personagens dos debates é total nesta eleição, enquanto nas legislativas, apesar da crescente personalização na escolha dos líderes partidários, há mediações do parlamento, partidos e listas de candidatos.

Há uma relação estatisticamente significativa [χ2 (36) = 239,6; p < 0,000]

entre o acompanhamento da campanha presidencial e a quantidade de

Quadro 2.7 – Valores médios da audiência dos quatro debates de cada candidato

Debates com Rating Rating Share Assistiu

(N) (%) (%) (APEME) Cavaco Silva 1 403 225 14,8 34,5 44,0 Manuel Alegre 1 348 325 14,3 32,6 36,3 Mário Soares 1 348 175 14,3 33,4 40,5 Francisco Louçã 1 157 075 12,2 29,4 32,8 Jerónimo de Sousa 1 134 300 12,0 27,8 31,5

Fontes: e-telereport, Markdata (colunas 1-3); inquérito APEME (coluna 4).

Quadro 2.8 – Número de debates a que assistiu (em percentagem)

Legislativas 2005 Presidenciais 2006

Nenhum 33,7 31,8

1 a 3 54,6 37,4

Mais de 3 11,8 30,8

debates a que se assistiu no todo ou em parte. O painel indica que ma- nifestar interesse pela campanha presidencial é compatível com o con- sumo de «apenas» 1 a 3 debates, dado que para um eleitor reforçar ou modificar a sua opinião sobre o(s) candidato(s) poderia ser suficiente ver um debate, por exemplo, entre Soares e Cavaco, Soares e Alegre ou Je- rónimo e Louçã. A maior parte dos inquiridos teve um contacto bastante grande com os debates. Das pessoas muito interessadas na campanha, 91,6% viram um ou mais debates; dos inquiridos com algum interesse pela campanha, 80,5% viram um ou mais debates; 55,7% dos pouco in- teressados viram um ou mais debates e o mesmo aconteceu com 32,7% dos que disseram não ter nenhum interesse pela campanha (quadro 2.9). Os inquiridos que não viram debates e os que viram 1 a 3 debates dis- tinguem-se de todos os grupos consoante o interesse pela campanha, en- quanto os que viram 4-6 ou 7-10 debates não apresentam diferenças entre si. Os resultados indiciam que, havendo pouco interesse na campanha, ele esgota-se acompanhando um ou poucos mais debates e que, mesmo para os que manifestaram muito interesse pela campanha, não é incom- patível o consumo de 1 a 3 debates, pois nesse ou nesses debates podem ter participado o candidato da preferência do espectador ou aqueles entre quem balançava a sua opção. Uma eleitora «nem sequer precisa de se expor, e ainda menos pensar seriamente acerca de toda a peça informativa disponível» numa campanha, pois «para ela, um subconjunto de infor- mação disponível pode ser suficiente» (Lupia 2006, 227). Podemos aqui validar a «noção de informação suficiente» (id., ibid., 228) no acompa- nhamento dos debates presidenciais. Esta tese considera que, «se é cus- toso adquirir informação e se ela requer esforço para processar e recordar, então saber tudo é no mínimo supérfluo» (id., ibid., 232). Recordemos que os debates foram mais vistos de acordo com as preferências eleitorais aproximadas, como indicam a audimetria e o inquérito APEME (quadro

Quadro 2.9 – Interesse pela campanha segundo os debates a que assistiu

(em percentagem) Nenhum 1 a 3 4 a 6 7 a 10 Muito 8,4 34,8 21,9 34,8 Algum 19,5 44,2 20,5 15,8 Pouco 44,3 37,9 8,0 9,8 Nenhum 67,3 24,5 4,1 4,1 Médias (total: 2,40) 3,06 a 2,29 b 19,4 c 1,79 c

* Valores com letras diferentes representam médias estatisticamente diferentes (teste de Scheffé).

2.10). O presente estudo não pretende avaliar a aprendizagem e conhe- cimento proporcionados aos espectadores pelos debates, nem tal seria possível com os dados disponíveis. Mas estudos recentes nos EUA e nou- tras democracias ocidentais indicam que «a maioria dos eleitores está muito pouco informada acerca do estado do país, do sistema político e dos temas dos candidatos e partidos» (Maurer e Reinemann 2006, 489). Todavia, tal não é para os eleitores um paradoxo, sendo antes uma «igno - rância racional» adequada a um nível de empenho político que pouco ou nada ultrapassa o voto (Hardin 2006; Lupia 2006; Somin 2006).

Os dados sugerem que um número significativo de indivíduos man- tém um acompanhamento mínimo da campanha eleitoral: para a maio- ria, a campanha é um período agitato, ma non troppo. Tendo em conta que os debates presidenciais cristalizam em poucas ocasiões e em pouco tempo as personalidades dos candidatos e seus temas de campanha, é de realçar que um terço do painel (31,8%) declare não ter visto nenhum de- bate, incluindo parte significativa dos que só acompanharam a campanha pela TV (40,9% desse grupo).

Como contactaram com os debates os inquiridos segundo o seu con- sumo de imprensa, rádio e TV? Encontramos um expectável maior interesse junto dos inquiridos multimedia. Mas mais importante é anotar a penetração da TV. Como vimos pelo quadro 2.4, mais de um quinto da população (21,2%) não precisa de contactar com outros media; parece que a TV basta. Mas esse grupo acompanha bastante os debates: um quarto (25%) viu 4 ou mais. Dos infoexcluídos, mais de quatro quintos (87,5%) não tiveram qual- quer contacto com os debates. Os inquiridos que mais contactam com todos os media foram também os que assistiram a mais debates.

Segundo a opção eleitoral, os eleitores que mais viram todos ou quase todos os debates (7-10) foram, em especial, os da «periferia»: só entre os eleitores de Louçã e Jerónimo houve acima de 30% que viram entre 7 e 10 debates; quer dizer, estes eleitores tenderam a ver debates com mais ou todos os candidatos, enquanto os eleitores do «centro» tenderam a não ver os debates com os dois candidatos «periféricos» (quadro 2.10). Os eleitores de Cavaco foram os que mais tenderam a ver apenas 1 a 3 debates (41,9%), o que pode sugerir que para este grupo os debates fun- cionaram como meio de confirmação da opção. Os eleitores de Louçã foram os que viram mais debates, estando os de Jerónimo e Soares igual- mente acima da média. Os eleitores de Cavaco coincidem com a média total e só os eleitores de Alegre viram menos debates do que a média (quadro 2.11). Todavia, as diferenças não são estatisticamente significati- vas entre os grupos de eleitores (χ2> 0,05).

Assistir ou não aos debates permite distinguir diferenças de voto? Vá- rios autores referem essa possibilidade. John G. Geer afirma que a aqui- sição de nova informação motiva mudanças no voto (apud Lanoue 1992, 170). Baker e Norpoth (1981) afirmam ter encontrado entre os especta- dores uma melhoria líquida de votação para o ganhador do debate, en- quanto os perdedores dos debates terão ganho entre os não-espectadores. Cruzando a indicação de voto com a assistência ou não a debates televi- sivos, não encontramos no painel ICS diferenças estatisticamente signi- ficativas, mas nota-se que Alegre, com um nível de desempenho baixo junto dos que viram os debates, teve mais votos entre os que não viram debates do que entre os espectadores deles. Pelo contrário, o vencedor nos debates, Cavaco Silva, teve menos votos entre os não-espectadores (44,3%) do que entre os espectadores (52,4%).

Impacto das notícias televisivas