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2. A DETERMINAÇÃO DO EMPREGO E OS EFEITOS DA VARIAÇÃO DOS SALÁRIOS:

2.2 FATORES QUE INFLUENCIAM A DEMANDA AGREGADA

Como visto na seção anterior, através da função demanda agregada Keynes relaciona cada nível de emprego ao produto das vendas que se espera obter desse volume de emprego. Quanto ao produto das vendas, Keynes diz que ele será formado “(...) pela soma de duas quantidades – a soma que será despendida em consumo quando o emprego está a certo nível e a soma que se destinará ao investimento. ” (KEYNES, 1936, p.83)

O consumo, por sua vez, Keynes afirma que é função primordial da renda agregada corrente medida em unidades de salários, e, portanto, do nível de emprego. Quanto de cada unidade monetária acrescida à renda disponível será gasta em consumo, e quanto será poupada, dependem da propensão marginal a consumir e a poupar dos agentes, que juntas somam a unidade. Por causa do “Efeito Multiplicador”, o incremento na renda em decorrência da realização de um gasto é mais do que proporcional, isto é, um gasto gera um acréscimo na renda num montante superior ao gasto inicial realizado.

O tamanho do multiplicador na Teoria Geral de Keynes é o inverso da propensão a poupar, assim, o efeito multiplicador será maior conforme maior for a propensão marginal a consumir.11 Dada a importância da propensão a consumir para a magnitude do efeito multiplicador, serão discutidos a seguir, com base nos capítulos 8 e 9 da “Teoria Geral”, os fatores objetivos e subjetivos, respectivamente, que influenciam a propensão a consumir. Entre os motivos subjetivos, Keynes lista 4 motivos relacionados a decisões empresariais e governamentais, que não dizem respeito aos trabalhadores que recebem salário mínimo. Para os trabalhadores são listados oito fatores, contudo, o modelo utilizado nesta dissertação não trata desses fatores.

Quanto aos fatores objetivos, serão seis os que Keynes explica afetar a propensão a consumir. Porém, dado que objetivo dessa dissertação é avaliar o impacto de variações salariais sobre o emprego, se faz importante discutir entre os fatores que afetam a propensão a consumir, aqueles que se relacionam com a PVSM.

Antes de apresentar os seis fatores, Keynes descarta os efeitos de mudanças na composição setorial do emprego sobre a renda medida em unidades de salário, logo, sobre o consumo medido em unidades de salário. Keynes chama atenção de que ao medir o consumo em unidades de salário, também se utiliza a renda em unidades de salário, e que a renda em unidades de salário não tem uma relação unívoca com o emprego, porque mudanças na composição setorial do emprego determinarão níveis diferentes de renda, e logo, de consumo. Keynes considera uma boa aproximação supor a ausência desses efeitos, mas para a metodologia desta dissertação importa considera-los.12

O primeiro dos fatores considerados trata de uma variação na unidade de salário. Keynes afirma que se aumentos na unidade de salários forem integralmente repassados aos preços, não haverá alteração no consumo real (consumo medido em unidade de salário), exceto se considerado um possível efeito redistributivo entre empresários e rentistas em

11Como esta dissertação se propõe a analisar os efeitos da distribuição de renda sobre o nível de emprego, uma vez que a redistribuição de renda afeta a propensão marginal a consumir média, o multiplicador terá um papel importante na explicação dos resultados analisados no capítulo 6.

12Como no MKS, modelo utilizado para a realização das simulações propostas, os salários são iguais em todos os setores, inclusive o setor público, essa ressalva feita por Keynes não causaria problemas no MKS, uma vez que a relação entre o emprego e o consumo medido em unidades de salário e a renda medida em unidades de salário é unívoca. Entretanto, os efeitos de mudanças na composição setorial do emprego podem ser significativos do ponto de vista da distribuição de renda, uma vez que ela difere entre os setores porque, no MKS, esses efeitos podem ser significativos por se tratar de um modelo multisetorial que possui níveis diferentes de composição técnica entre capital e trabalho, bem como diferentes níveis de distribuição de renda intersetorial.

função da elevação dos preços, como já tratado neste capítulo. Assim, se a hipótese de Keynes não for válida no MKS e a PVSM for capaz de gerar efeitos redistributivos, o impacto no consumo será positivo.13

Há outro fator que importa no âmbito desta dissertação, que são as variações imprevistas no valor nominal da riqueza, como por exemplo uma variação do valor dos títulos de dívida ou no valor das ações na bolsa de valores. Por serem imprevistas, essas variações não têm uma relação regular com o montante de renda, tendo grande potencial para alterar a função consumo, pois o consumo das classes proprietárias de riqueza é sensível à variação nominal do seu patrimônio.

As variações na política fiscal são outro fator citado. Keynes explica que uma variação dos tributos afetará a decisão dos agentes de quanto consumir a partir dessa renda disponível, porque os agentes podem adiar consumo, ou adiantá-lo, dependendo do quanto a sua percepção de disponibilidade de renda seja afetada. A variação de política de gastos também afetará a propensão a consumir da comunidade diante de uma reversão de déficit para superávit fiscal (ou o contrário). Se o governo tornar a política de gastos de deficitária para superavitária, por exemplo, o consumo tende a cair, contraindo a demanda efetiva e vice- versa14.

O investimento será a demanda por bens de capital, que não sendo determinado pelo nível de emprego corrente, de acordo com Keynes, é a variável que pode determina-lo e explicar as suas variações. O investimento é função da eficiência marginal do capital e da taxa de juros. Para decidir sobre a realização de investimentos os empresários comparam a eficiência marginal do capital com a taxa de juros. Cada empresário decide por investir em bens de capital quando espera que o rendimento auferido com a compra dos bens de capital será superior ao rendimento que alternativamente obteria com títulos à determinada taxa de juros, e com isso, no agregado:

13

Como será discutido no capítulo de análise, de fato, não há o repasse integral dos reajustes da PVSM para os preços, permitindo a elevação do salário real, os efeitos redistributivos entre empresários e trabalhadores, e uma consequente elevação do consumo que expande o emprego.

14No MKS não opera esse efeito de variações na política tributária, pois a propensão a consumir dos rentistas varia conforme a sua riqueza, e a propensão dos trabalhadores é sempre igual a um (consomem toda a renda disponível). Já os efeitos de variações na política de gastos são considerados, uma vez que no modelo os gastos do governo são elevados sempre que a taxa de desemprego atinge 10% da força de trabalho, até o limite em que dívida pública atinge 40% do PIB. Assim, a variação nos gastos é dinâmica ao longo da trajetória simulada, já os tributos são rígidos por toda a trajetória.

(...) o volume de investimento depende da relação entre a taxa de juros e a curva da eficiência marginal do capital correspondente aos diferentes volumes de investimento corrente. (KEYNES, 1936, 123)

Assim, a determinação do investimento estará sujeita aos fatores que forem capazes de exercer influência sobre a taxa de juros e sobre a eficiência marginal do capital.

A taxa de juros Keynes explica como sendo um fenômeno monetário. Isso porque ela não é formada no “mercado de fundos emprestáveis” neoclássico, no qual a oferta de fundos, sujeita às preferências intertemporais dos indivíduos em confronto com a produtividade marginal do capital, determina a taxa de juros que regulará a demanda por fundos, isto é, o nível de investimentos. Em Keynes, a taxa de juros é determinada no mercado monetário, que é explicada por meio da Teoria da preferência pela liquidez.

Acerca desta teoria, Keynes afirma:

Chamaremos prêmio de liquidez l de certo montante de bem (medido em termos de si mesmo) que as pessoas estão dispostas a pagar pela conveniência ou segurança potenciais proporcionadas pelo poder de dispor dele. (KEYNES, 1936, p.178)

Assim, taxa de juros pode ser compreendida como sendo o retorno que se ganha por renunciar ao prêmio de liquidez da moeda, ou como o preço que se paga para obter essa liquidez, pois:

(...) a taxa de juros não é, em si, outra coisa senão o inverso da relação existente entre uma soma de dinheiro e o que se pode ter desistindo, por um período determinado, do poder de comando da moeda em troca de uma dívida. (KEYNES, 1936, p. 137)

É a preferência pela liquidez que determina a taxa de juros. Será a taxa de juros, portanto, determinada no mercado monetário, representado pelas curvas de oferta e demanda por moeda. A primeira, está sujeita à política monetária, enquanto a segunda tem quatro motivos:

 Motivo transacional - que depende da renda (quanto maior a renda, mais moeda se demanda para realizar transações correntes de trocas pessoais e comerciais), e

portanto, do emprego, logo o nível de emprego determinará a magnitude de moeda que será demandada para estes fins;

 Motivo precaucional - que está sujeito à incerteza (quanto maior a incerteza mais moeda se demandará por motivo de precaução) e da renda (quanto maior a renda de um agente econômico mais motivos ele tem para se precaver e em proporções maiores), e portanto do emprego;

 Motivo especulativo - que é função da variação esperada na taxa de juros. Devido à relação inversa entre o preço dos títulos e a taxa de juros, se há expectativa de uma queda na taxa de juros isso significa que os títulos irão tender a apreciação. Isso irá diminuir a demanda por moeda porque diante da elevação esperada dos preços dos seus títulos, os especuladores irão preferir retê-los. De modo contrário, uma expectativa de que a taxa de juros se eleve fará com que as pessoas se desfaçam dos títulos antes de sua futura desvalorização, demandando moeda em lugar dos títulos. Assim, é esta expectativa de variação na taxa de juros que influencia a demanda de moeda para especulação;

 Há ainda um quarto motivo de demanda por moeda, também para a realização de financiamentos, e esta será função do volume de investimentos planejados, os quais podem ser impactados pela taxa de juros caso o sistema bancário não atenda integralmente aos aumentos na demanda por financiamento. (Oreiro, 1999, p.240)15 .

Conhecendo estes quatro motivos, compreende-se que é esta demanda por moeda, ou mais especificamente, a demanda por liquidez o fator determinante da taxa de juros, dada a oferta de moeda.

Por sua vez, a eficiência marginal do capital está sujeita à relação entre o preço de oferta de um ativo de capital e a renda esperada desse ativo. Dos fatores segundo os quais os

15Referindo-

se a uma economia “(...) na qual o investimento estivesse aumentando ao longo do tempo (..) a demanda por finance seria crescente ao longo do tempo, de forma que, se a oferta de moeda não acomodasse o aumento da demanda, a taxa de juros deveria se elevar de forma contínua, independente de qualquer variação prévia do nível de renda e emprego.” Oreiro (1999, p. 241). Portanto, a correção do desequilíbrio entre oferta e demanda por moeda, neste caso, depende da redução na demanda por moeda para financiamento provocada pelo aumento da taxa de juros.

Para essa relação Oreiro cita a seguinte passagem de Keynes: “O congestionamento no mercado de capitais só pode ser reduzido através da redução da demanda ou do aumento da oferta de moeda (...) se a redução no consumo, proposta pelo Sr. Robertson, deixa a renda agregada constante, não há razão para se supor que reduzirá a demanda por moeda ou aliviará o congestionamento.” (Keynes, 1938, p.232)

empresários formam as suas expectativas de rendas esperadas, Keynes explica que tais fatores:

(...) são, em parte, fatos existentes que se pode supor sejam conhecidos mais ou menos com certeza e, em parte, eventos futuros que podem ser previstos com um maior ou menor grau de confiança. (KEYNES, 1936, p. 123)

Dos fatos que Keynes supõe “conhecidos mais ou menos com certeza”, ele destaca o volume dos bens de capital diversos e a procura dos consumidores por artigos que demandam maior assistência de capital para garantir eficiência produtiva. Já em relação aos “eventos futuros que podem ser previstos com um maior ou menor grau de confiança”, Keynes irá admitir fatores de alto grau de subjetividade (mudanças na preferências dos consumidores após formado o estoque, variações na demanda no decorrer da vida útil do equipamento e variações nominais na taxa de salários), que não podem ser previstos, no máximo, podem ser prospectados conforme um estado de expectativa psicológica acerca desses eventos futuros. A essas condições de prospecção futura Keynes chamou “estado da expectativa de longo prazo”(Keynes, 1936, p. 123) e, dada a existência dessas condições, resulta que:

(...) a eficiência marginal do capital depende não apenas da abundância ou escassez existente de bens de capital, mas também das expectativas correntes relativas ao futuro rendimento dos bens de capital. Consequentemente, no caso de bens duráveis, é natural e razoável que as expectativas do futuro desempenhem um papel preponderante na determinação da escala em que se julguem recomendáveis novos investimentos. (KEYNES, 1936, p. 123) Assim, a eficiência marginal do capital oscila porque está sujeita às expectativas de longo prazo que são, por definição, incertas. Se por algum motivo as expectativas de longo prazo dos empresários ficam mais otimistas, de modo que acreditem que os seus rendimentos no futuro serão maiores, aumenta a eficiência marginal do capital, que se indicarem retornos superiores em relação à taxa de juros, levará os empresários a realizarem os investimentos em bens de capital.

Keynes considera o estado das expectativas de longo prazo estável na maioria das vezes, mas sujeito a bruscas e repentinas oscilações. E considera que estas abruptas oscilações não poderiam ser normalmente compensadas por variações similares nas taxas de juros, pois:

Considerando-se que, provavelmente as flutuações na estimativa do mercado na eficiência marginal dos diversos tipos de capital, calculadas na forma descrita antes, serão demasiado grandes para que se possa compensá-las por meio de mudanças viáveis na taxa de juros”. (KEYNES, 1936, p. 135)

Desse modo, as expectativas de longo prazo teriam maior poder de determinação sobre os investimentos do que a própria taxa de juros, sendo a sua inconstância o fator principal para explicar a variação nos investimentos que torna instável o nível de emprego, e assim, as variações na eficiência marginal do capital serão mais importantes que as variações na taxa de juros para explicar os investimentos, e por consequência, o nível de emprego.

Porém, as bases teóricas para explicar as expectativas de longo prazo e prevê-las são muito frágeis, dado o seu caráter subjetivo. As expectativas de longo prazo se reportam ao que cada empresário espera em relação às condições da economia no futuro, sendo, portanto, individuais. Estas estão sujeitas ao estado de confiança empresarial, que é uma expectativa coletiva quanto ao momento para investir, e sinalizam o grau de confiança que cada empresário pode ter nas próprias expectativas que fazem.

Este estado de confiança, por sua vez, estará sujeito à incerteza, sendo mais forte ou menos forte conforme a incerteza quanto ao futuro seja maior ou menor. Quanto maior a incerteza, menor será o estado de confiança, piorando as expectativas de longo prazo. Portanto a variação do investimento se dará conforme a significância da incerteza: quando a incerteza aumenta, pioram as expectativas de longo prazo, reduzindo os investimentos fazendo cair o nível de emprego. Uma redução da incerteza provocaria os efeitos contrários, expandindo o emprego. A instabilidade do nível de emprego, portanto, está intrinsicamente relacionada a presença da incerteza na economia. A próxima sessão tratará da natureza da incerteza, do porquê ela se faz presente no nosso sistema produtivo, e as implicações da sua presença.